Acabou nesta quarta-feira (19) a ação do grupo móvel de fiscalização do trabalho que libertou 47 pessoas de situação análoga à de escravidão, entre elas duas mulheres, em Brasnorte, no norte do Mato Grosso. A propriedade fica na Rodovia MTE 160, na altura do km 370. Os trabalhadores estavam em duas frentes de trabalho, na fazenda Paraná e na propriedade contígua São Bernardo, 30 km uma da outra. Eles dormiam em barracos de lona e chão de terra batida.
Alguns deles estavam desde 2005 na propriedade, sem receber salário regularmente. Eram obrigados a comprar comida, ferramentas de trabalho e produtos de higiene na cantina da fazenda, e assim acumulavam dívidas. "O que os trabalhadores tinham a receber era sempre menos do que eles tinham gastado, então eles só pegavam adiantamentos", descreve a auditora fiscal Virna Damasceno, coordenadora da equipe. Além da dívida, o que restringia a liberdade dos trabalhadores era a distância: o local está a 100km do centro de Brasnorte, e não há transporte regular até lá.
A Fazenda Paraná, de aproximadamente 40 mil hectares, tem criação de 20 mil cabeças de gado e cultivo de Teca, uma árvore que produz madeira de qualidade, muito apreciada na Europa e usada para fazer móveis. A propriedade pertence ao Grupo Berneck, ligado à extração e beneficiamento de madeira.
Depois da fiscalização, o fazendeiro Gilson Mueller Berneck, que vive em Araucária (PR), desembolsou R$ 264.182,00 em verbas de rescisão de contrato e danos morais coletivos. O procurador Sandro Sardá, que havia recebido a denúncia de trabalho escravo no Ofício da Procuradoria Regional do Trabalho de Alta Floresta (MT), município vizinho, aplicou uma indenização por danos morais individuais de mil a R$ 1.500 para cada trabalhador libertado.
Além disso, foi estabelecido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que Gilson se comprometeu a melhorar as condições de trabalho das fazendas e a pagar R$ 200 mil a um projeto social em Brasnorte.
Os trabalhadores libertados, que são dos municípios matogrossenses Juína e Tangará da Serra, e de Brasnorte mesmo, já receberam o dinheiro e foram transportados para as suas cidades.
Em família
Segundo a equipe do grupo móvel de fiscalização, a família do "gato" (aliciador de mão-de-obra a serviço do fazendeiro) Arlindo Pasquato estava toda envolvida com o aliciamento e a manutenção dos trabalhadores na Fazenda Paraná. Arlindo, sua mulher, os dois filhos, a filha e o genro dividiam as funções de aliciar os trabalhadores nas cidades vizinhas, comprar alimentos na cidade, cuidar da cantina e fiscalizar os trabalhadores.
Virna relata que o fazendeiro havia pedido a Arlindo que abrisse uma empresa e se constituísse em pessoa jurídica, mas, como o gato não possuía CPF, o processo de abertura de empresa foi delegado a um dos trabalhadores explorados na propriedade. De acordo com a auditora, esse trabalhador é semi-analfabeto e não sabia nada sobre como abrir uma empresa ou o que significava tornar-se pessoa jurídica. "Nada foi explicado para ele", conta. A legislação brasileira diz que é ilegal terceirizar a contratação de mão-de-obra para atividades que são a própria razão de existir da empresa (no caso, da fazenda).