Anapu

Dois anos após morte de Dorothy, região sofre com mesmos conflitos

Na área da Amazônia onde ocorreu o assassinato da missionária, em fevereiro de 2005, problemas como ameaças de morte e grilagem de terras ainda marcam o cotidiano dos defensores da reforma agrária
Por Beatriz Camargo
 19/05/2007

A condenação de Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, na terça-feira passada (15), a 30 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, trouxe alívio e esperança a movimentos sociais ligados a questões agrárias, meio ambiente e direitos humanos. O Tribunal do Júri considerou que a morte de Dorothy – ocorrida em Anapu (PA) em fevereiro de 2005 – não se deu por motivos pessoais, como argumentou a defesa do réu, mas por sua luta em favor do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) – um conceito de reforma agrária adaptado à região amazônica – em que ela atuava.

Para o dirigente nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista, a condenação de Bida tem efeito simbólico importante. Porém, mais urgente do que isso é a necessidade de o Estado retomar as terras públicas griladas (apropriadas privadamente por meio de fraudes) de Anapu e destiná-las à reforma agrária. Ele lembra que foi justamente a omissão do poder público no tocante a essa questão que gerou o conflito. "É preciso que essas terras sejam recuperadas e o ciclo da grilagem, interrompido", afirma.

Durante passagem por Belém para o julgamento de Bida, entidades de Anapu que se dedicam à resolução dos conflitos no campo se reuniram com a governadora Ana Júlia Carepa (PT) e com o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Santarém (PA), responsável pela região onde Dorothy vivia. "Pedimos crédito agrícola, estradas, infraestrutura e que se mostrasse a exata demarcação das terras", conta o responsável pela Paróquia Santa Luzia, localizada em Anapu, José Amaro Lopes de Sousa, o Padre Amaro.

No mesmo dia em que Bida foi julgado, produtores rurais assentados, membros do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), do Ministério Público Federal (MPF), além de vereadores, representantes do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e do Incra, além de movimentos sociais que atuam na região, reuniram-se em Anapu para discutir a conjuntura agrária local.

No encontro, assentados dos PDSs reclamaram da falta de postos de saúde, escolas e estradas adequadas. Além disso, foi consenso que, mesmo em terras já demarcadas, a invasão de grileiros continua.

Segundo um trabalhador assentado, nos lotes 57 e 61 do PDS Esperança – que Dorothy ajudou a criar -, fazendeiros estão pressionando colonos para que eles saiam de seus lotes, propondo que eles se tornem empregados, em troca do fornecimento de infraestrutura. Representantes da CPT dizem ainda que, no lote 55, Bida e Regivaldo Galvão, o Taradão – outro acusado de ser mandante do assassinato de Dorothy, ainda não julgado -, continuam criando gado em terras que o Incra já declarou como pertencentes ao PDS.

Outra denúncia é de que madeireiras têm atuado ilegalmente nos lotes sem que haja fiscalização ou punição por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Além disso, a passagem ininterrupta de caminhões estaria contribuindo com a destruição das estradas. As vias de acesso aos assentamentos foram asfaltadas no fim de 2006, mediante um convênio entre o Incra e a prefeitura de Anapu, mas já estão em péssimo estado, o que impede os agricultores de escoar sua produção. Para o procurador Marco Antônio Almeida, do MPF de Altamira, as estradas foram construídas de maneira incorreta, o que deverá ser investigado pelo Ministério Público.

"Basicamente, está faltando o Incra implementar de fato os PDSs", resume o procurador da República Felício Pontes Jr, também presente no encontro. Para os assentados, a garantia de condições para que o assentamento seja bem sucedido é responsabilidade do Incra e dos governos. "É muito fácil dizer que foram feitos vários assentamentos, mas depois não dar estrutura", reforça o padre. Na reunião do dia 15, o representante do Incra se comprometeu a aprovar os planos de manejo – que regulam a exploração das terras e dos recursos naturais na área dos PDSs – até agosto ou setembro de 2007.

Impunidade
Para os que dão prosseguimento à luta de Dorothy pelos direitos de trabalhadores e assentados, apesar de a impunidade ter diminuido na região, ela ainda continua reinando. "Se alguém disser que não tem ameaça está mentindo, mas melhorou. Ultimamente, não teve mais telefonema (com ameaças) para mim, por exemplo", descreve Padre Amaro.

Coordenador da CPT em Anapu e amigo de Dorothy, ele é um dos ameaçados de morte na região. "Um dia, eu estava atravessando a praça e falaram alto no bar: ‘depois ele vai ter o mesmo destino da velha (Dorothy), e vai encher de polícia, de governo, do mundo inteiro aqui em Anapu'… Isso eu considero uma ameaça." Outro religioso intimidado por poderosos locais é D. Erwin Kräutler, bispo da prelazia do Xingu – que abrange Anapu -, sobretudo por sua insistência em uma investigação mais aprofundada sobre o consórcio de fazendeiros que teria encomendado a morte da missionária em 2005.

O religioso revela que muitas mortes, tidas como "briga de vizinho", estão ligadas aos conflitos de terra. "A polícia faz a investigação e não descobre nada, fica por isso mesmo", lamenta Amaro. Ele ressalta, no entanto, que o julgamento de Bida dá forças para a continuidade da luta. "Pouco a pouco, fazendeiros e madeireiros vão perdendo espaço", diz, otimista.

Órgãos federais
A repercussão nacional e internacional do assassinato de Dorothy levou à instalação, ainda em 2005, de postos do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em Anapu e Altamira. "Embora as políticas públicas não tenham sido feitas a contento, os órgãos ajudaram a coibir as ameaças", considera Antonia Melo, militante dos Direitos Humanos, assessora da Organização das Mulheres do Campo e da Cidade, da Transamazônica e do Xingu.

Para ela, o envolvimento da polícia local com os poderosos era "público e notório". "Também esta situação foi coibida, mas não vamos dizer que hoje não aconteça". Antonia lembra que, em Altamira, têm acontecido muitos julgamentos com júri popular cujo resultado contraria os interesses dominantes. Ainda assim, a militante avalia que, se o julgamento de Vitalmiro Bastos de Moura tivesse ocorrido em Altamira, como queria a defesa do fazendeiro, o resultado seria outro, devido à influência que ele exerce sobre o poder judiciário da região.

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