Febre Aftosa

Liberação de exportação de carne no Pará pode prejudicar Amazônia

A Organização Internacional de Epizootia (OIE) considerou o Sul do Pará livre da febre aftosa com vacinação, na quinta-feira (24). Especialistas alertam para perigo da aceleração da concentração fundiária com expansão de área de criação de gado
Por Beatriz Camargo
 25/05/2007

O Sul do Pará e suas 13,5 milhões de cabeças de gado ganharam nesta quinta (24) passe livre para a exportação de carne bovina. A Organização Internacional de Epizootia (OIE), que trata de assuntos relacionados à saúde animal, oficializou o reconhecimento de que a chamada Área 1 está livre de febre aftosa com vacinação, ou seja, mediante apresentação de certificado de imunização do rebanho.

 

 A Área 1 está limitada ao norte pela Rodovia Transamazônica (BR 230) e comporta 13 milhões de cabeças de gado (Fonte: Adepará)

A Área 1 abrange 44 municípios do Sul do Estado e concentra 75% do rebanho do Pará, com municípios como São Félix do Xingu, que detém, sozinho, 1,5 milhão de rezes, cerca de 10% do rebanho da zona. A decisão de modificar o status da região foi tomada durante a 75ª Assembléia Geral da OIE, em Paris, na França, e está sendo comemorada pelo setor pecuário.

"Esse reconhecimento da OIE é um ato de muito significado para a pecuária paraense", festeja Carlos Xavier, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e membro da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Segundo ele, a expansão das pastagens é possível porque "ainda há muito espaço" no Pará. "Temos as melhores condições para a pecuária, como elevada luminosidade, grande quantidade de água, um clima estável e o animal criado a capim."

No entanto, entidades ligadas a questões ambientais e dos direitos humanos vêem com desconfiança essa euforia. Acreditam que um incentivo à expansão da produção pecuária poderia acelerar o avanço da fronteira agrícola na busca por mais pastos.

"Não existem estudos que mensurem qual seria o impacto da decisão da OIE sobre a floresta, mas existe uma reação em cadeia", expõe a geógrafa do Projeto Geoma – que estuda subsídios para a construção de políticas públicas para a Amazônia – do Museu Emilio Goeldi, Maria do Carmo Américo. Com a liberação da exportação de carne, o valor da arroba deve subir. Atualmente, o boi está 30% mais barato no Norte do que no Sul ou Sudeste.

Maria do Carmo explica que essa valorização vai gerar um excedente que pode ser investido de duas formas: com aumento da produtividade ou do rebanho, o que exigiria mais pasto. "A forma como o produtor vai conduzir isso depende das políticas publicas para o setor", defende. Ela ressalta que as agências de financiamento, por exemplo, continuam incentivando o aumento do rebanho bovino.

A Faepa pretende expandir essa região livre de aftosa pedindo a inclusão de mais 28 municípios que ficam ao longo da Rodovia Belém-Brasília na Área 1. Esse anexo abrange, por exemplo, os municípios de Paragominas e Rondon do Pará, nos quais a principal atividade também é a criação de gado.

O pesquisador do Instituto Internacional de Estudos Brasileiros (IIEB) em Belém (PA), Tarcísio Feitosa, sustenta que o "selo livre" da aftosa incentiva a compra de mais pastos pelos produtores, o que provoca a aceleração da grilagem de terras e, por conseqüência, dos conflitos fundiários. "O grande problema é a configuração fundiária da região. A expansão vai seguindo a mesma lógica de ocupação do espaço", esclarece. "Esse 'selo' viabiliza a concentração de gado e de terras. Estamos assistindo a um processo que vem desde a década de 1970, até porque não houve uma política de Estado para o desenvolvimento sustentável."

Modelo
Tarcísio afirma ainda que a pecuária extensiva "não agrega valor ao local e não distribui renda", pois uma mesma área usada para um peão cuidar de 50 cabeças de gado poderia servir a uma lavoura de cacau ou pimenta, empregando seis pessoas em um modelo de agricultura familiar. Maria do Carmo concorda que iniciativas de desenvolvimento sustentável são mais adaptadas ao bioma amazônico. Mas lembra que não é possível ignorar um negócio que conta com 20 milhões de cabeças de gado e extensa cadeia econômica. "É preciso regular a atividade", diz.

Para ela, representantes de todos os elos da cadeia, instituições de pesquisa e organizações sociais precisam estabelecer um diálogo aberto na busca de integração entre as políticas públicas para a pecuária, além de ordenar a cadeia produtiva do setor. Segundo ela, um exemplo do panorama atual é justamente o novo status da região frente à OIE, já que o governo investiu fortemente na erradicação da aftosa, em conjunto com empresários. Mas, ao mesmo tempo, os avanços na regularização fundiária e no licenciamento ambiental foram poucos. "Com ou sem aftosa, a pecuária está crescendo na região e vai continuar derrubando floresta se não houver regulação do governo", complementa.

Estratégia
O frigorífico Bertin, o segundo maior abatedouro e primeiro em exportação de carne do Brasil, visualizando a erradicação da doença como um futuro próximo, comprou na região o ex-frigorífico Marabá no início de 2005. E, em março, teve um projeto de ampliação de suas atividades aprovado pelo Banco Mundial. O financiamento conseguido é de US$ 90 milhões e inclui a duplicação da capacidade de abate de bovinos na unidade da empresa em Marabá (PA).

"A pecuária cresceu 16% no Pará nesses últimos cinco anos, estamos fazendo quatro milhões de abates por ano. Se continuar crescendo assim, o Estado pode se tornar o primeiro rebanho do país", afirma o presidente da Faepa. Hoje, o líder é o Mato Grosso, outro estado que possui uma frente agropecuária avançando sobre a Amazônia.

A divisão das áreas foi feita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no processo de combate à aftosa e a prioridade no combate foi dada à Área 1. As duas outras regiões ainda estão em observação: a Área 2, no Nordeste paraense, tem médio risco e a 3, que inclui o Baixo Amazonas e o arquipélago do Marajó, está avaliada como zona de alto risco. Segundo a técnica do Programa de Aftosa da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), Antonieta Priante, a meta é que a Área 2 seja reavaliad
a pelo Mapa até o final do ano.

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