O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 11 trabalhadores que se encontravam em condições degradantes na fazenda de gado Agropecuária Rio Arataú S/A, localizada em Novo Repartimento (PA). Em nota divulgada pelo MTE, a situação dos trabalhadores é classificada como análoga à de escravos. A empresa nega que tenha empregado esse tipo de mão-de-obra.
A fazenda, que ocupa 48 mil hectares e possui rebanho composto por mais de 12 mil animais, faz parte do grupo Queiroz Galvão, conglomerado brasileiro multinacional que, além da agropecuária, atua também na exploração de petróleo e gás, siderurgia, transportes urbanos, concessões de serviços públicos e na área financeira.
A fiscalização começou no último dia 30, quando os auditores do MTE flagraram os trabalhadores vivendo sob barracos de palha e lona preta, sem acesso a água potável e instalações sanitárias. De acordo com o auditor fiscal do trabalho e chefe da operação, Klinger Moreira, eles haviam sido contratados por "gatos" – aliciadores de mão-de-obra a serviço do fazendeiro – e eram obrigados a comprar com seu salário os instrumentos de trabalho e proteção. Por lei, esses objetos têm que ser oferecidos gratuitamente pelo patrão.
A empresa se negou a pagar o montante referente à rescisão do contrato com os trabalhadores. "A filosofia deles é discutir tudo em juízo. Não admitem voluntariamente resolver o problema dos trabalhadores junto com o grupo móvel", reclama Klinger, que precisou utilizar verba do MTE para fornecer acomodação aos trabalhadores enquanto durava a operação.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Agropecuária Rio Arataú publicou uma nota informando que nega as acusações de trabalho escravo e que "usou o instrumento de contrato de empreitada nos serviços realizados no local". Esse tipo de contrato prevê que a realização de uma determinada obra será levada a cabo por um empreiteiro contratado pelo proprietário.
A nota afirma ainda que "a empresa não aceitou a proposta dos fiscais do Ministério do Trabalho por entender que faltava segurança jurídica no acordo em questão, já que não havia nenhuma ação trabalhista em curso."
Os trabalhadores roçavam o pasto para a fazenda. De acordo com Klinger, a terceirização de mão-de-obra para realizar serviços essenciais ligados à atividade principal da empresa, como é o caso, é ilegal. "O empreiteiros são pessoas miseráveis, que vivem como os trabalhadores", acrescenta.
Armazém
Além dos trabalhadores resgatados, a fazenda empregava outras 66 pessoas que, de acordo com relatório divulgado pelo MTE, estavam em condições irregulares de trabalho. Uma delas era a utilização de um armazém que vendia gêneros de primeira necessidade em que os produtos eram comercializados sem que os trabalhadores soubessem o preço das mercadorias, e as compras eram descontadas do salário no final do mês.
Levantamento realizado pelo grupo móvel indicam que a margem de lucro do armazém era de cerca de 50%. Nos últimos 14 meses, a receita do estabelecimento com a venda de mercadorias aos empregados teria alcançado aproximadamente R$ 150 mil.
No armazém, os auditores também encontraram documentos que denunciavam a venda de munições. Ainda não se investigou se a venda ocorria de forma ilegal, mas Klinger alerta que o fato gera um clima de tensão, que é prejudicial aos trabalhadores: "Isso torna o ambiente de trabalho inseguro, pois se sabe que tem gente lá com arma municiada." A empresa nega que fossem vendidas munições no local.
Descontos ilegais também foram detectados pelo grupo móvel. Um motorista quebrou um botijão de nitrogênio quando o carregava no caminhão e iria ter que ressarcir a empresa em cerca de R$ 2 mil, parcelados em 15 vezes. O desconto na folha de pagamento informava que o valor se tratava de "adiantamento de salário". Os equipamentos de trabalho e de proteção também eram indevidamente descontados do salário dos trabalhadores.
O procurador Januário Justino Ferreira, do Ministério Público do Trabalho, que participa do grupo de fiscalização, está pedindo a rescisão indireta do contrato de trabalho de 22 trabalhadores por considerar que há graves infrações às leis do trabalho. A decisão, porém, depende ainda da Justiça do Trabalho.
Bloqueio de bens
Há uma semana, o grupo liderado por Klinger se deparou com um impasse semelhante quando resgatou quatro trabalhadores na fazenda Verena II, no município de Novo Repartimento, também no Pará. O proprietário do local, Adelson Souza de Oliveira – que também é prefeito do município baiano de Iaçu – se negou a pagar os direitos trabalhistas. Januário Ferreira, procurador do trabalho que acompanhava a ação, conseguiu bloquear os bens do fazendeiro na Justiça, e só então Adelson concordou em desembolsar os R$ 14.500,00 referentes à rescisão contratual dos empregados e a uma indenização por danos morais individuais.