Especial Eco 92 III

Brasil: um ator de peso nas discussões sobre meio ambiente

País é um dos pioneiros no debate sobre desenvolvimento sustentável. Preservar a riqueza da biodiversidade brasileira é preocupação de governos e de entidades da sociedade civil
Laura Lopes
 09/06/2007

Apesar de o Brasil contribuir para a emissão dos gases do efeito estufa por meio do desmatamento e queimadas, o país desponta como um dos principais atores na ordem ambiental internacional. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a substituição de combustíveis fósseis por renováveis, como o etanol, já alcançou 45% de nossa matriz energética. Cerca de 80% da energia elétrica, por exemplo, são gerados a partir de hidrelétricas. Além de ser responsável pela geração de 35% de todo o etanol do planeta, o Brasil se dedica à produção e exportação de biodiesel, e ainda leva adiante projetos que já evitaram a emissão de 25 milhões de toneladas de CO2 nos últimos sete anos. E ainda deve-se levar em conta o fato de o país ter sediado a Cúpula da Terra e ter sido o único a participar da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da ONU desde sua criação, em 1993.

 No Brasil, desmatamento de florestas é um dos principais vetores de lançamento de gases que causam o efeito estufa (Foto: Carlos Juliano Barros)
No Brasil, desmatamento de florestas é um dos principais vetores de lançamento de gases que causam o efeito estufa (Foto: Carlos Juliano Barros) 

De acordo com o MMA, a biodiversidade do planeta pode alcançar de 10 a 100 milhões de espécies, sendo que apenas 1,7 milhão são conhecidas. O Brasil se destaca como detentor da maior diversidade biológica do mundo, abrigando de 15 a 20% do número total de espécies. Com o intuito de promover parcerias entre o poder público e a sociedade civil na conservação desta diversidade, garantindo sua utilização sustentável e uma divisão justa dos lucros obtidos a partir de sua exploração, o governo criou o Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pronabio). "Nossa principal fonte de emissão de gases poluentes é o desmatamento, o que é uma vantagem para o Brasil. É mais fácil contê-lo do que fazer a população parar de andar de carro, ou criar modelos alternativos de transportes", afirma o professor Wagner Ribeiro, presidente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da Universidade de São Paulo (USP).

Um dos mais importantes documentos aprovados pela Rio 92 ficou conhecido por Agenda 21. Trata-se de uma espécie de roteiro para que os países adotem um modelo sócio-econômico preocupado com o zelo dos recursos naturais – um catatau de 40 capítulos com 2 500 recomendações para implementação de políticas que estimulem a participação ativa da sociedade, governos e empresários na a construção de um desenvolvimento sustentável.

De acordo com Sérgio Bueno, coordenador da Agenda 21 Brasileira, o MMA tem cerca de 700 processos de Agenda 21 locais registrados. Entretanto, cerca de 200 estão em funcionamento. "Sabemos que muitos iniciaram, mas não deram continuidade", lamenta. Além de incentivar novas agendas regionais e locais, o programa pretende fomentar as iniciativas estagnadas. Para isso, depende do esforço de todos os setores da sociedade. Um projeto só é aceito como Agenda 21 se tiver um território de ação definido, envolvimento entre o poder público e a comunidade, um fórum de discussão permanente e horizontal com atores da sociedade civil, ONGs, empresas e governo e um plano estratégico, que deve seguir um modelo de gestão compartilhada do espaço. "Entre 2003 e 2006, mexemos em cerca de R$ 18 milhões na indução de processos", afirma o coordenador. Antes disso, o governo FHC investiu perto de R$ 6 milhões – vale lembrar que a Agenda 21 Brasileira foi criada entre 1997 e 2002, modificada em 2003 e, então, colocada em prática.

As ações brasileiras são diferentes, por exemplo, dos países da Europa, que trabalham a Agenda 21 como estratégia de seus planos de governo. Aqui, ela faz parte do Programa do Plano Plurianual, PPA 2004-2007, o que significa não ser apenas uma bandeira do governo atual, mas um princípio que norteia políticas públicas do país. "Ela não pode ser analisada como plano de governo. Nos locais em que a metodologia de implementação foi focada na atuação do poder público, como Santos e Angra dos Reis, não houve protagonização da sociedade e, por isso, houve problemas para sua continuidade", comenta Bueno.

Houve locais, no entanto, em que a Agenda 21 já obteve bons resultados e começa a colher frutos. Caso do município de Rondon do Pará, na região do "Arco do Desmatamento", ou Itajaí, em Santa Catarina, Paty de Alferes, no Rio de Janeiro, e as Agendas 21 regionais do Vale do Ribeira, com 32 municípios de São Paulo e Paraná, e do Comlago, na região do Lago de Três Marias, que integra oito municípios da primeira barragem do Rio São Francisco.

Apesar de algumas experiências positivas, o Brasil ainda está longe de atingir a maioria dos objetivos da Agenda 21. O setor empresarial, por exemplo, poderia participar mais. "Há empresas que usam a sustentabilidade apenas como marketing e demagogia", diz Rubens Born, membro do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Já Sérgio Bueno levanta outra crítica: "poucos empresários se importam em mudar o padrão de produção, seja na tecnologia adotada, na matriz energética, nos processos produtivos, ou mesmo em modelos de gestão mais democráticos".

A idéia de que toda empresa que adota uma boa gestão ambiental consegue produzir mais e com menos resíduos ainda não é consensual. Muitos empresários pensam que este investimento diminui a competitividade de seu produto ou serviço. "Eles não entenderam que a equação mudou", reclama Haroldo Mattos Lemos, que foi assessor do secretário-geral da Cúpula da Terra, Maurice Strong, e dirigiu o grupo brasileiro para a criação da ISO 14000 – que trata da certificação ambiental das empresas. "Se um empresário pede empréstimo a um banco, tem que responder um questionário ambiental que conta pontos para a decisão final do credor", afirma Lemos.

Além disso, quem deseja exportar, precisa de algum selo da série 14000. "Todas as normas são voluntárias, mas quase obrigatórias para quem deseja fazer comércio internacional. O próprio mercado obrigou a certificação", analisa Lemos. Segundo relatório do ano passado da Convenção sobre a Diversidade Biológica, "à medida que as expectativas da sociedade e os requerimentos legais
favorecem cada vez mais a biodiversidade, as companhias que possuem bons históricos de biodiversidade obterão uma vantagem significativa sobre aquelas que não os têm".

Se o discurso sobre desenvolvimento sustentável é demagogia para alguns, e extremamente importante para outros tantos, há uma opinião que não é criticada por qualquer um dos lados: desde a Rio 92, a sociedade passou a refletir sobre como deixar para as próximas gerações um pouco da biodiversidade de que gozamos hoje, garantindo qualidade de vida. A Rio 92, portanto, foi um divisor de águas ao propor novos olhares sobre os problemas ambientais. Isso ajudou a sociedade a transformar sua cultura, seu comportamento e seus padrões de consumo, pressionando empresas e governos a criar políticas favoráveis à proteção da biodiversidade e de incremento ao desenvolvimento sustentável. Impossível dizer se se trata de conversa, mas todos conseguem sentir na pele que a temperatura está subindo.

Especial Eco 92:
Parte I: Desenvolvimento sustentável: o grande desafio da atualidade
Parte II: O legado das discussões sobre meio ambiente na Rio 92

Esta reportagem foi publicada em parceria com a revista Problemas Brasileiros (Sesc-SP)

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