Monitoramento

EUA explicam porque Brasil melhorou no combate ao tráfico de pessoas

Em entrevista à Repórter Brasil, Solmaz Sharif, do Departamento de Estado norte-americano, expõe as razões que levaram o país a ser "promovido" no ranking elaborado pelo governo dos Estados Unidos
Por Beatriz Camargo e Mauricio Monteiro Filho
 26/06/2007

O "Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2007" (veja íntegra, em inglês), produzido anualmente pelos EUA, promoveu o Brasil ao segundo grupo do ranking no combate a esse crime, junto com países que não cumprem todas as metas mínimas recomendadas para o combate ao tráfico de seres humanos, mas se esforçam para erradicá-lo. O Brasil vinha ocupando essa posição desde 2001 e a perdeu em 2006, quando foi classificado no "segundo grupo, em estado de atenção".

O relatório é assinado pela secretária Condoleezza Rice, que comanda o poderoso Departamento de Estado – equivalente à Casa Civil do governo federal brasileiro. O relatório se baseia em padrões norte-americanos determinados no Ato de Proteção às Vítimas de Tráfico (TVPA, sigla em inglês) para fazer a classificação dos países.

Em entrevista dada à Repórter Brasil por e-mail, Solmaz Sharif, do Escritório de Monitoramento e Combate do Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado norte-americano e um dos responsáveis pela elaboração do documento, explica que o Brasil mereceu ser alçado novamente ao segundo grupo "particularmente no aumento dos esforços para punir o tráfico interno e transnacional para fins sexuais". No caso do tráfico de seres humanos para o trabalho escravo, o órgão reconhece a adoção de medidas de combate ao problema, "apesar de processos penais contra esse crime continuarem escassos".

Para Solmaz, falta muito para que o Brasil atinja o primeiro bloco do ranking, formado por países que cumprem todas as metas estipuladas pelo TVPA. As áreas que precisam ser melhoradas para que o país avance são "o aumento dos processos contra os traficantes de pessoas, e também o crescimento das condenações e a instituição de penas criminais mais efetivas para o tráfico relacionado ao trabalho forçado", expõe.

O terceiro grupo abarca 16 países, grande parte deles do Oriente Médio, além de notórios inimigos políticos dos Estados Unidos como Coréia do Norte, Cuba, Irã e Venezuela. Segundo o relatório, está nesse bloco quem simplesmente não tem feito esforços significativos na questão. Solmaz ressalta que a classificação é uma "análise objetiva" e leva em consideração a "coleta de dados e contribuição de uma vasta rede de fontes, incluindo outros escritórios do Departamento de Estado, embaixadas norte-americanas, países de governos amigos, ONGs, organizações internacionais, órgãos de mídia e visitas aos lugares".

Repórter Brasil – O que motivou a ascensão brasileira do "grupo 2 alerta" para o "grupo 2"? Quais foram as principais iniciativas do governo brasileiro em direção à erradicação do problema?
Solmaz Sharif – O governo brasileiro progrediu no ano passado, particularmente no aumento dos esforços para punir o tráfico interno e transnacional para fins sexuais. Isso além de ter adotado medidas para combater o trabalho escravo, apesar de processos penais contra esse crime continuarem escassos. Em outubro de 2006, o presidente Lula dirigiu a criação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas [que orienta a criação do plano nacional sobre a questão] e direcionou recursos para medidas antitráfico. Também melhorou os esforços para proteger vítimas de tráfico sexual. Apesar de algumas medidas terem sido incipientes ou contarem com poucos recursos, o Brasil expandiu o "Programa Sentinela", rede de abrigos por todo o país, de 400 para 1104 unidades. Na prevenção, o governo também empreendeu grandes medidas, através de campanhas na mídia para alertar possíveis vítimas sobre os perigos dessa atividade ilícita.

Especialmente no combate ao trabalho escravo, qual foi o maior avanço brasileiro em 2006?
Os grupos móveis do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) continuaram a empreender ações efetivas para conter o trabalho escravo nas áreas isoladas da Amazônia. Eles conduziram 106 operações em 206 locais onde havia suspeita do crime. Um total de 3.390 vítimas foram resgatadas e indenizadas. Apesar de não ter havido condenações para os criminosos, o número de ações civis contra eles cresceu em 2006.

Em dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes relacionados ao uso de trabalho escravo devem ser julgados na corte federal, encerrando a questão jurisdicional que vinha emperrando processos. A definição protege os casos de pressões locais e estaduais. No entanto, a nova regulamentação ainda não foi testada. Em março de 2007, Lula demonstrou vontade de combater o trabalho escravo através do veto à emenda 3, que tinha sido aprovada no Congresso e que reduziria o poder dos auditores fiscais do trabalho de identificar e impor multas onde o trabalho escravo fosse encontrado.

Comparativamente, o país melhorou mais no combate ao tráfico para fins sexuais do que para o trabalho escravo?
Sim. Alguns dados coletados nas forças policiais de diversos estados mostrou um aumento das ações antitráfico. Um processo por tráfico no Rio Grande do Norte em 2006 resultou na condenação de 14 envolvidos, um aumento sobre a única condenação registrada no país em 2005. A polícia iniciou ao menos 35 investigações do crime no ano passado. Também durante 2006, a Polícia Federal lançou seis operações para conter o tráfico internacional, o que resultou na prisão de 38 pessoas. Depois de receber treinamento, oficiais da Polícia Rodoviária Federal, em novembro de 2006, prenderam uma mulher no estado de São Paulo por tráfico interno para fins sexuais. Essa foi a primeira prisão do tipo, desde que o crime se tornou federal.

O tráfico de pessoas sendo conseqüência da desigualdade social, é possível melhorar o combate a esse crime sem mudanças estruturais? O que é necessário para que o Brasil atinja o "grupo 1"?
Cada país deve decidir como melhor pode combater o tráfico de pessoas, com os recursos que tiver disponíveis. Para que o Brasil ou qualquer país atinja o "grupo 1", deve demonstrar que atende totalmente aos padrões mínimos para a eliminação do crime, como estabelecido no Ato de Proteção às Vítimas de Tráfico (TVPA, sigla em inglês). No relatório deste ano, as áreas que exigem melhoria para o Brasil incluem au
mento dos processos contra os traficantes de pessoas, além de crescimento das condenações e instituição de penas criminais mais efetivas para o trabalho escravo.

A classificação dos países nos diferentes grupos também é uma escolha política?Como requerido pelo Congresso dos EUA, o Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado é encarregado de avaliar os esforços de outros países para eliminar o problema, segundo critérios específicos do TVPA. O Escritório faz o melhor possível para conduzir uma análise objetiva dos esforços antitráfico de um país, após coleta de dados e contribuição de uma vasta rede de fontes, incluindo outros escritórios do Departamento de Estado, embaixadas norte-americanas, países de governos amigos, ONGs, organizações internacionais, organizações de mídia e visitas aos lugares.

Existe algum incentivo por parte dos Estados Unidos para países que demonstrem esforços para melhorar suas iniciativas contra o tráfico?
Sim. Os EUA destinam verba ou assistência a países que combatem o crime. Um fator que os Estados Unidos consideram durante o processo de concessão de financiamentos é a vontade política do país de lutar contra o tráfico, o que pode ser demonstrado por ações concretas que ele tome, para processar traficantes, proteger vítimas e elevar a consciência da população. Nos últimos seis anos, o governo dos EUA destinou mais de 448 milhões de dólares em recursos contra o tráfico. Particularmente, o presidente Bush comprometeu 50 milhões de dólares numa iniciativa especial para combater o delito em oito países (o Brasil é o terceiro que mais recebeu essa verba).

O governo norte-americano está trabalhando em conjunto com o Poder Executivo, organizações-não-governamentais (ONGs) e sociedade civil em uma série de projetos antitráfico: propiciando mais abrigo e serviços médicos às vítimas, combatendo o turismo sexual, aumentando o nível de consciência da população, diminuindo a vulnerabilidade dos trabalhadores para o tráfico e treinando promotores e juízes. No total, mais de oito milhões de dólares do Fundo de Iniciativas Presidenciais já foram aplicados no Brasil desde 2004. O Departamento de Estado norte-americano e outras agências do governo dos EUA financiam também esforços antitráfico adicionais, como o combate ao trabalho infantil, apoio ao governo para erradicar o trabalho escravo e apoio à atuação de ONGs.

Quais são as razões do interesse dos EUA nessa questão?
Combater o tráfico de pessoas é um componente chave da política internacional dos EUA porque o problema oferece uma ameaça multidimensional: priva as pessoas de seus Direitos Humanos e liberdades, aumenta os riscos à saúde global e contribui para o crescimento do crime organizado. O tráfico de seres humanos também tem um impacto devastador em vítimas individuais, que freqüentemente sofrem abusos físicos e emocionais, estupro, ameaças a si e à família, roubo de documentos e mesmo morte. Ele mina a saúde e a segurança de todas as nações.

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