O governo norte-americano reconheceu a relevância de medidas voltadas ao combate ao tráfico de seres humanos no Brasil e melhorou a classificação do país no diagnóstico internacional anual que elabora sobre o tema. O "Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2007" (na íntegra, em inglês), divulgado semana passada pelo Departamento de Estado dos EUA, recoloca o país no grupo intermediário da lista, junto com outros países que não cumprem todas as metas mínimas recomendadas para o combate desse tipo de tráfico, mas se esforçam para erradicar o problema.
Entre os avanços, o documento cita o lançamento pelo governo federal da Política Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, em outubro de 2006, que estabeleceu diretrizes para a criação de um plano nacional que atua em três frentes: repressão, prevenção e atendimento às vítimas.
A definição da competência federal de julgamentos pelo crime de trabalho escravo é outra melhoria realçada pela pesquisa. A existência de uma lacuna sobre essa questão possibilitava a apresentação de repetidos recursos jurídicos que dificultavam a condenação criminal dos autores desse tipo de crime.
O veto do presidente Lula à chamada "emenda três" – que retira poderes dos auditores fiscais de reconhecerem vínculos empregatícios, inclusive em situações de trabalho escravo – também é elogiada no documento deste ano pelo poderoso Departamento de Estado dos EUA, comandado pela secretária Condoleezza Rice.
A avaliação de 2007 colocou o Brasil de novo – assim como nos relatórios de 2001 até 2005 – no segundo grupo. Chile, Japão e Portugal fazem parte desta mesma categoria, bem como nações que passaram por conflitos armados recentes, como Afeganistão e Ruanda. O "rebaixamento" se deu no relatório de 2006, quando o Brasil foi colocado na categoria especial de "segundo grupo, em estado de atenção", no qual ainda permanecem a Argentina, o México e a China.
O primeiro grupo é formado por países como Hong Kong, Espanha e Suécia que cumprem todas as metas de combate ao tráfico de pessoas. Existe ainda um terceiro bloco que abarca 16 países (muitos do Oriente Médio, além de notórios inimigos políticos dos Estados Unidos como Coréia do Norte, Cuba, Irã e Venezuela) que, segundo o relatório, simplesmente não têm feito esforços significativos.
Trabalho Escravo
O "Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2007" reproduz as estimativas produzidas pela Comissão Pastoral da Terra em 2001 sobre a existência de, pelo menos, 25 mil pessoas em situação análoga à escravidão no Brasil. "As inspeções surpresas do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho libertaram 3.390 pessoas da escravidão em 2006", relata o documento.
Grande parte do carvão produzido com mão-de-obra escrava na região amazônica, ressaltam os norte-americanos, vai para as usinas siderúrgicas da região e se tornam ferro-gusa e depois são exportados para o exterior, inclusive para os próprios EUA. Lá, segundo o texto, o material é utilizado para fazer carros, tratores e outros objetos.
O estudo estima que a soma das vítimas do tráfico de pessoas em todo o mundo seja algo em torno de 800 mil pessoas. Especificamente sobre o Brasil, o governo dos EUA sugere avanços em três setores específicos: trabalho escravo, tráfico internacional para a exploração sexual e turismo sexual – alimentado pelo tráfico interno rumo às metrópoles localizadas na região costeira e que envolve, em sua maioria, crianças e adolescentes.
Exploração Sexual
Existem 500 mil crianças e adolescentes prostituídas no país, segundo estimativa de organizações não-governamentais (ONGs) encampada pelo estudo. O turismo sexual é praticado em 398 dos 1514 destinos turísticos da costa nordeste brasileira, complementa o texto elaborado pelo governo dos EUA, com base em estudos da Universidade de Brasília (UnB).
A despeito dos números, a criação de um "código de conduta para combater o turismo para o sexo a exploração sexual" por parte do governo federal foi elogiada no relatório. A campanha lançada pela Secretaria Nacional da Justiça nos aeroportos como parte da Política Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, com o slogan "Primeiro eles pedem seu passaporte, depois a sua liberdade", também recebeu avaliação positiva.
As políticas de atendimento as vítimas melhoraram na opinião do Departamento de Estado dos EUA. O Programa Sentinela, para atendimento de crianças e adolescentes que sofreram violência ou exploração sexual, aumentou de 400 para 1.104 escritórios. No entanto, essas iniciativas são classificadas como insuficientes e frágeis do ponto de vista de dotação de recursos federais.
Ainda que a centralização das notificações de operações de repressão ao tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual não esteja em funcionamento, houve recorde de prisões nas ações policiais em 2006 e pelo menos 35 investigações sobre casos dessa natureza foram instauradas. Em 2005, a Polícia Federal investigara apenas cinco casos e prendera 180 suspeitos de envolvimento.
Longo caminho
Melhorias à parte, o Brasil continua enfrentando muitos obstáculos. Os problemas listados em 2007 são quase os mesmos do relatório de 2006. O governo norte-americano alerta que "houve indícios de envolvimento de operadores da lei no tráfico de pessoas, mas não houve relato de nenhuma investigação ou processos por cumplicidade". Cita o envolvimento do senador João Ribeiro (PR-TO) com o trabalho escravo, como integrante da "lista suja".
Além disso, o documento lembra que o Brasil continua sendo origem e destino do tráfico de seres humanos. O país, segundo o relatório, "recebe muitos migrantes voluntários (…) que são explorados no trabalho em grandes cidades." Apenas desliza na definição das nacionalidades: Bolívia, Peru e China – quando não há registros de que chineses estejam vivendo nessas condições. Grande parte de trabalhadores em tal situação é de bolivianos, embora haja pessoas de outros países latino-americanos.
A definição de tráfico de pessoas empregada internacionalmente é a da Convenção da ONU contra o crime organizado transnacional, de 2004. São carcaterizados três momentos: alic
iamento, transporte e alojamento para fins de exploração. Esta última pode ser sexual – que afeta principalmente mulheres e crianças; para o trabalho escravo em lavouras e outros tipos de trabalho forçado; ou para o uso dos órgãos do corpo humano.
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