Mil crianças foram seqüestradas na China e vendidas como escravas por 49 euros

 14/06/2007

14/06/2007

Os menores trabalhavam em fábricas de tijolos e alguns ficaram sete anos isolados

José Reinoso
Em Pequim

Mais de mil meninos foram seqüestrados em várias províncias chinesas – especialmente em Henan – e vendidos na de Shanxi para trabalhar como escravos em fábricas de tijolos, segundo informou ontem o "Diário do Povo", órgão oficial do governo chinês. "Alguns ficaram isolados do mundo exterior durante sete anos, receberam surras e foram mutilados por tentar escapar. Os vigilantes também queimaram suas costas com tijolos ferventes", afirmam alguns pais em uma carta citada pelo jornal. As crianças eram vendidas por 500 iuanes – cerca de 49 euros.

Um grupo de 400 parentes procurou ajuda na internet, depois de terem gastado suas economias tentando encontrar seus filhos, na maioria dos casos sem êxito. Os garotos trabalhavam 14 horas por dia, recebiam pouca comida e eram espancados com freqüência, segundo publicou o jornal em seu website em chinês. Alguns foram enterrados vivos quando seus ferimentos pioraram.

Os pais procedentes de Henan – uma das regiões mais pobres e populosas do país – "gastaram todo o dinheiro que tinham e arriscaram suas vidas para entrar pelas montanhas em busca de seus filhos", mas só conseguiram resgatar 40, diz o jornal. Não foi fácil salvar os meninos que estavam em poder de "capangas" e guardas, segundo os parentes. Os pais denunciaram que a polícia "não só não os ajudou como os impedia" de libertá-los. Depois de lançada a campanha na internet, a polícia de Henan pediu que a de Shanxi participasse do resgate.

Os meninos – o menor deles com 8 anos – eram seqüestrados perto de estações de trem ou de ônibus. Depois eram levados para cidades como Yuncheng, em Shanxi, tradicional centro de fabricação de tijolos. Na semana passada a imprensa chinesa noticiou que foram resgatados na mesma província 31 operários que viviam havia um ano em condições de escravidão numa fábrica de tijolos de propriedade do filho do secretário local do Partido Comunista. Os trabalhadores só recebiam pão e água e não eram pagos.

Oito deles estavam tão traumatizados pela experiência que só conseguiam lembrar seus nomes. Tinham queimaduras e feridas por todo o corpo, porque eram obrigados a caminhar no forno descalços e a transportar tijolos ainda quentes. Vigilantes e cachorros impediam sua fuga.

Fratura social

Esses casos de escravidão revelam até que ponto o meteórico processo de reformas econômicas vivido pela China nas últimas três décadas criou uma tremenda fratura social. Enquanto nas grandes cidades os novos ricos rivalizam para dirigir automóveis potentes e vestir as melhores marcas para mostrar seu sucesso, no campo – onde vivem 70% da população – dezenas de milhões de pessoas foram obrigadas a migrar devido à pobreza, muitas vezes tendo de trabalhar em condições de exploração, com jornadas intermináveis e quase sem descanso. As desigualdades, o culto ao dinheiro e a corrupção são tais que o governo -preocupado com sua própria continuidade- está tomando medidas para diminuir a brecha e tentar recuperar a moral perdida.

Na última segunda-feira, as autoridades tiveram de iniciar uma investigação para responder às acusações de que quatro fornecedoras oficiais de artigos para os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 exploram seus trabalhadores e empregaram mão-de-obra infantil. A Playfair 2008, um grupo internacional de organizações sindicais e de defesa dos direitos dos trabalhadores, afirma que encontrou empregados nessas empresas que eram obrigados a trabalhar 15 horas diárias, sete dias por semana, e ganhavam a metade do salário mínimo, que é de cerca de 70 euros. Uma das fábricas utilizou meninos de 12 anos.

As quatro empresas, que fabricam entre outras coisas material de papelaria, bonés e sacolas, negaram inicialmente as acusações; mas uma delas, a Lekit Stationery, da cidade de Dongguan – província de Guangdong -, reconheceu ontem que uma das subcontratadas empregou crianças de 12 e 13 anos. Mas disse que não trabalhavam com produtos relacionados aos Jogos Olímpicos. Ganhavam 20 iuanes – 2 euros – por dia.

O trabalho infantil, ilegal na China, é denunciado regularmente pelas organizações de defesa dos direitos humanos. Mas persiste, devido à pobreza e à falta de meios de muitas famílias para pagar a educação dos filhos. Nas ruas de Pequim é freqüente ver crianças vendendo flores ou mendigando até de madrugada, e nas zonas rurais muitas trabalham no campo em vez de ir à escola.

Segundo um relatório do ano passado da China Labour Bulletin, os líderes locais muitas vezes fecham os olhos para o problema. O órgão de defesa dos direitos trabalhistas, com sede em Hong Kong, afirma que "a elevada porcentagem de alunos que abandonam a escola entre 7 e 15 anos – e sobretudo entre os 14 e 15 – é o que alimenta principalmente a oferta e demanda de trabalho infantil".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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