Orientar tanto proprietários quanto trabalhadores rurais. Essa é a estratégia do novo chefe da Delegacia Regional do Trabalho do Pará (DRT-PA), Fernando Coimbra, para reduzir os graves problemas trabalhistas rurais no estado, campeão nacional em número de libertados de condições análogas à escravidão.
Nomeado em 22 de maio pelo ministro do Trabalho Carlos Lupi, do PDT, Fernando tem 40 anos e é advogado e funcionário de carreira no Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM). Ele também é presidente do diretório regional do PDT de Belém e um dos delegados do Sindicato Rural de Redenção, Pau D'arco e Cumaru do Norte, que congrega os proprietários rurais. Essa região possui altos índices de incidência de libertação de trabalhadores escravizados.
O novo delegado do trabalho entra no lugar de Jorge Lopes de Farias, também advogado, ligado ao PC do B. A mudança faz parte de uma série de trocas nos comandos das delegacias regionais do trabalho (DRTs) que estão sendo promovidas pelo ministro Carlos Lupi.
Em entrevista exclusiva à Repórter Brasil, Fernando afirma que dará continuidade às fiscalizações de campo, mas se empenhará também em ações que promovam orientação tanto para trabalhadores quanto para patrões.
O Pará é hoje a unidade da federação que mais sofre com o trabalho escravo. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram libertadas 8.711 pessoas no estado de 1995 até maio deste ano.
Com esta entrevista, a Repórter Brasil inaugura uma série que vai apresentar quem são e o que pensam os novos delegados regionais do trabalho do país, função que exerce um papel-chave para a efetivação dos direitos dos trabalhadores, mas que é desconhecida da maioria da população.
Repórter Brasil – A importância da atuação dos grupos móveis de fiscalização rural das Delegacias Regionais do Trabalho é reconhecida por diversos setores da sociedade. Quais são os planos do senhor com relação às fiscalizações, especialmente as voltadas ao combate ao trabalho escravo?
Fernando Coimbra – O nosso papel principal é equilibrar as relações de trabalho entre patrões e trabalhadores. E a fiscalização faz parte disso. Onde temos que avançar é na questão da prevenção. Isso é muito mais importante do que ficarmos somente trabalhando com uma forma de coibir. Temos que ir para dentro da federação patronal, convidar a federação de trabalhadores, abrir um amplo debate e ir para todos os núcleos do interior com essa ação. Os nossos auditores fiscais terão participação nisso. Nós discutiremos o tema e abriremos oportunidades para que propostas surjam.
Essa prevenção estaria mais voltada à conscientização do empregador?
Estará voltada às estruturas sindicais dos trabalhadores e do patronato. Nós precisamos também dar a dimensão dos direitos e deveres dos trabalhadores. Mais do que conscientização, é necessário que haja orientação no meio rural. Nós ainda estamos em um país em que você não consegue que a informação flua no meio rural como conseguimos no meio urbano. Ir às federações regionalizadas é uma forma de abrirmos uma discussão e propostas de adequação.
O senhor avalia que muitas infrações trabalhistas graves, como o trabalho degradante e até mesmo o trabalho escravo acabam acontecendo por falta de informação do empregador?
Eu não tenho dados para dizer precisamente, mas a notícia que eu tenho da Faepa [Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará, entidade patronal do estado filiada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA)] é que a federação é completamente contra qualquer forma de trabalho que não observe a legislação. Ela é favorável à observação da legislação, e isso o Carlos Xavier [da Faepa] deixou muito claro.
O descumprimento da lei não pode também ocorrer por parte de proprietários rurais que não são ligados às entidades patronais?
Há situações em que o próprio produtor rural, quando vai para a sua área, fica em condições semelhantes às dos trabalhadores. Então é possível que essa falta de sensibilidade em relação ao problema esteja atrelada à falta de conhecimento. Além disso, se analisarmos os dados de fazendas fiscalizadas no estado e formos ver o real universo onde se encontrou trabalho degradante, vamos ver que não é uma parcela que comprometa a atividade como um todo. Não podemos generalizar.
Hoje há produtores rurais que criticam a fiscalização dizendo que ela poderia ser menos punitiva e mais orientadora. O que o senhor pensa sobre essa reclamação?
Esse clamor dos produtores busca a semelhança. Por exemplo: em um comércio, em uma obra, o fiscal pode, dentro dos critérios estabelecidos, optar por uma notificação para a apresentação de determinado documento, uma notificação para que seja sanada determinada irregularidade… O clamor do segmento rural é para que se proceda dessa forma. Mas no setor urbano, você vai hoje e volta amanhã para ver se aquilo foi sanado. No setor rural, para você voltar, incorre em custos para o estado, incorre em diversas mazelas administrativas. Aí o fiscal não pode ter certeza se amanhã haverá o cumprimento da lei, então acaba sendo lavrado o auto de infração.
Mas os auditores de carreira têm a dimensão da necessidade de orientação. Por isso vão se engajar em um projeto de prevenção. Na medida em que tivermos um número maior de fiscais no interior, conseguiremos agir de forma mais próxima à realidade que se faz no meio urbano.
Nos casos de falta de carteira de trabalho, ou condições muito ruins de alojamento, é melhor fazer uma fiscalização orientadora ou aplicar um auto de infração?
Estamos falando de duas coisas. Uma delas é o trabalho degradante, o que a imprensa trata como trabalho escravo, que na realidade é uma forma de trabalho degradante assemelhada à escravidão. Eu faço essa ressalva porque a gente também não pode denominar… Mas a imprensa trata dessa forma, uma forma mais direta, mais curta.
Esse tipo de trabalho acontece quando há um elo que impede que o trabalhador se desloque, saia da propriedade. Há uma forma de mantê-lo ali por questões financeiras ou por outras questões. Aí o proprietário pode ser autuado para corrigir o problema e pode também pagar pecúnia em razão da autuação. Mas o papel nosso, como eu disse no início, é a quest&atild
e;o do equilíbrio das questões laborais. Com esse equilíbrio, precisamos fazer com que a normatização, inclusive no que tange à habitação, venha a ser corrigida. Por isso não podemos confundir a questão: "se a habitação é ruim é um trabalho escravo". Não é isso.
Nesses casos em que há graves infrações trabalhistas, como o fiscal será orientado a agir?
O fiscal não é orientado a agir dessa ou daquela forma. Ele age de ofício. Ele cumpre a legislação.
O senhor é um dos delegados do Sindicato Rural de Redenção, Pau D'arco e Cumaru do Norte. Como encara o desafio de estar agora numa posição diferente, e de, eventualmente, ter até que fiscalizar e autuar antigos companheiros?
Eu sou servidor público há aproximadamente 22 anos, e sempre agi de ofício. A mesma conduta que eu tive em qualquer cargo que eu tenha passado, tenho até hoje. Isso independe de qualquer convicção pessoal, qualquer crença, qualquer vertente, isso não interferirá jamais na minha atividade.