Luta pela terra II

Sem-terra demonstram força política em dois atos em Brasília

Marcha pela Esplanada dos Ministérios reuniu 18 mil militantes do MST. Durante o 5o Congresso, movimento recebeu apoio de governos estaduais e de parlamentares de diferentes partidos
Por Maurício Hashizume
 15/06/2007

Marcha pela Esplanada dos Ministérios encerrou 5o. Congresso do MST (Foto: Wilson Dias/Abr)

Brasília – Dois atos diferentes demonstraram a força política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), nesta quinta-feira (14). Pela manhã, autoridades e representantes de governos marcaram presença no ginásio Nilson Nelson, que recebe o 5º Congresso Nacional do movimento durante esta semana toda. À tarde, uma multidão com cerca de 18 mil militantes do MST realizaram uma marcha pela Esplanada dos Ministérios.

No início do primeiro ato, dirigentes do movimento leram partes da plataforma de reivindicações dos sem-terra encaminhada no dia 17 de abril (Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os diversos pontos do documento, o MST pede a vinculação direta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) à Presidência da República, a atualização do novo Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA), a revisão dos índices de produtividade e outras medidas para agilizar o processo de reforma agrária no país.

Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST, destacou que, a despeito de ser uma atribuição do governo federal, a reforma agrária também depende da atuação de parlamentares e da colaboração de estados e de municípios para se efetivar. Foi a deixa para a apresentação de diversos integrantes de governos estaduais presentes no ato, que atraiu também parlamentares do Senado e da Câmara Federal.

As representações políticas que se manifestaram, por sinal, foram bastante variadas. Houve a leitura de uma carta do ex-presidente Itamar Franco e de um trecho da mensagem enviada pelo governador paranaense Roberto Requião (PMDB). Em seguida, deram-se os discursos do deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) e da senadora Ideli Salvatti (PT-SC); de Manoel Costa, secretário Extraordinário para Assuntos de Reforma Agrária do governo de Minas Gerais, sob mandato de Aécio Neves (PSDB); de Francisco Pinheiro, vice do governador cearense Cid Gomes (PSB); da secretária de Direitos Humanos do Pará, Socorro Gomes (PCdoB); do ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT), e do governador do Maranhão, Jackson Lago, do PDT. Estiveram presentes ainda integrantes dos governos do Pará, de Sergipe e de Pernambuco, além de um dos secretários do Governo do Distrito Federal, comandado por José Roberto Arruda. Único governador do DEM (Democratas, antigo PFL) eleito nas eleições do ano passado, Arruda cedeu o espaço para o encontro dos sem-terra.

Representante do governo, Ideli ressaltou que a ampla maioria do Parlamento tem vinculação com grandes proprietários de terra. E que, no contexto das eleições do ano passado, grupos contrários ao poder popular tentaram retornar à Presidência da República. "Vocês não vacilaram, pois sabiam o que estava em jogo. E o que esteve em jogo nas eleições continua em jogo hoje", disse a senadora, pedindo o apoio dos militantes do MST para o enfrentamento de segmentos conservadores que continuam ocupando os poderes da República.

Jackson Lago, que firmou projetos em parceria com o MST nas áreas de educação e agricultura, comparou o 5º Congresso Nacional do MST com o encontro convocado por Francisco Julião, líder das Ligas Camponeses, em 1962, que acabou servindo de palco para a aparição de Luís Carlos Prestes. Dois anos depois, em 1964, o presidente João Goulart fez o anúncio das reformas de base, incluindo a reforma agrária, medida que acabou culminando no golpe militar. "Naquela ocasião, a direita deu o golpe. Hoje, eles não passarão. O MST de hoje é muito maior que as Ligas Camponesas. E Lula tem muito mais força que João Goulart", disse. Elizabeth Teixeira, 82 anos, companheira de João Pedro Teixeira, fundador das Ligas Camponesas em Sapé, na Paraíba, participou de corpo presente do encontro.

Um dia antes, na quarta-feira (13), o MST recebera o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT) e uma carta do presidente cubano Fidel Castro, em que o MST é descrito como "um dos mais destacados e combativos movimentos sociais que lutam por este mundo melhor".

"O ato foi importante para mostrar a legitimidade e o apoio que temos", avaliou José Batista Oliveira, da coordenação nacional do MST. Ele salientou a existência dos "limites da institucionalidade". "O movimento nunca optou pelo caminho da disputa eleitoral e essa não é a nossa prioridade. Estamos buscando aliança é com a sociedade. E por isso adotamos o lema ‘Por Justiça Social e Soberania Popular' para este 5o Congresso", completa. "A reforma agrária precisa deixar de ser apenas uma causa dos ‘chatos dos sem-terra'. Ou mudamos o que aí está ou estaremos condenados a ameaças de desastres naturais."

Marcha
As passadas de Josinaldo Souza Ferraz seguiam outros milhares de pares no Eixo Monumental da capital federal, mas os pensamentos daquele homem de 30 anos estavam todos povoados por imagens da paisagem à beira do rio São Francisco. Foi por um pedaço de terra na extensa porção que não está sendo semeada e pertence à Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) na região de Nova Petrolândia, em Pernambuco, que Josinaldo entrou há seis anos para o MST.

Enquanto a conquista do pedaço de chão não vem, o pernambucano de pai e irmã assentada anuncia um outro título que está prestes a receber graças à participação no MST. No final deste ano, Josinaldo receberá o diploma de técnico em enfermagem que conseguiu cursar por fazer parte do movimento. Conta ele que alterna períodos de estudo com visitas a acampamentos e já obteve resultados positivos na prevenção da Doença de Chagas e da Dengue. "Sozinho não se consegue terra e também fica mais difícil ajudar as pessoas", adiciona o militante, um dos quase 2 mil que vieram nos 36 ônibus que partiram de Pernambuco.

O que move a caminhada de Paulo César Rodrigues, de 19 anos, é a chance de ser agrônomo. Natural da região da Chapada Diamantina, na Bahia, o jovem que está terminando o 3º ano do ensino médio vive com outras 140 famílias assentadas e mantém uma roça coletiva com colegas da mesma idade. "Plantamos verduras para consumo interno", coloca. Segundo ele, houve uma multiplicação de assentamentos e acampamentos na área da Chapada, fator que tem diminuído o poderio dos fazendeiros locais. Mesmo assim, não se dá nem um pouco por satisfeito e exige mais investimentos governamentais para incrementar a produção dos assentamentos. "A luta do movimento não pára. Se parar, não é
movimento."

Sem-terra que conseguiram se estabelecer na vida, como Geni Francisco Rosa, 59 anos, não deixaram de enfrentar o sol forte do Planalto Central. Há nove anos ela está assentada em Pinheiros, no Espírito Santo, próximo à cidade de São Mateus. Lá, ela possui o seu próprio terreno e também trabalha coletivamente na agrovila com outros 71 núcleos familiares. Consegue sustentar cinco filhos – três já não moram mais com ela -, conta que era meeira e lamenta o fato de que muita gente desiste da vida no assentamento e acaba vendendo lotes de terra.

"Não podemos desistir. É a primeira vez que venho [a um Congresso do MST] e ficou claro que nós temos força para enfrentar qualquer poder. O Congresso mostrou o quanto vale a nossa união."

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