Nesta quarta-feira (18), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo reiterou na Justiça seu pedido de interdição da Penitenciária Feminina de Sant'Ana, que abriga atualmente cerca de 2.700 mulheres – a capacidade da unidade, maior da América Latina, é de 2.516 pessoas.
Principais problemas da Penitenciária Feminina de Sant’Ana |
Falta de médicos Desde novembro, não há médicos regulares. Mulheres têm sofrido de doenças graves e há inclusive mortes por falta de atendimento. |
Falta de estrutura Há apenas um carro e três motoristas para um presídio com cerca de 2.700 pessoas. |
Mortes Há uma morte por leptospirose e mais quatro desde dezembro de 2006, três delas por “causas naturais” e um suicídio. |
Ratos Grande quantidade de ratos e pombos pode facilitar o aparecimento de doenças como leptospirose. |
O pedido anterior, feito em maio, baseava-se na falta de médicos e medicamentos, na má qualidade da água e na infestação do espaço por ratos e pombos doentes. No entanto, mesmo ainda sem sentença definitiva sobre o pedido, a Defensoria Pública resolveu reiterá-lo com veemência, depois de tomar conhecimento da morte de uma detenta por leptospirose, no último dia 23 de junho. O novo documento já está com o juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais (VEC), Cláudio Amaral.
De acordo com a Defensoria, ocorreram pelo menos mais quatro mortes desde dezembro – uma delas por suicídio. Segundo o defensor público Geraldo Sanches, coordenador geral da Assistência Jurídica ao Preso no Estado, "todas as mortes poderiam ser evitadas a tempo".
"Em pleno século 21 não é possível admitir uma situação medieval como essa. É preciso fazer cessar imediatamente essas violações. Não há outra medida senão a imediata remoção das presas para outras unidades prisionais", declara a petição, assinada por Geraldo e pelas defensoras Carmen Sílvia Barros, coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária, e Franciane de Fátima Marques, coordenadora da Assistência ao Preso na capital paulista. O defensor esclarece que, se não for possível a interdição total, "que seja interditado pelo menos um dos pavilhões e que vá se fazendo a limpeza e desratização".
Histórico |
Dezembro de 2005 Inauguração da Penitenciária Feminina de Sant’Ana, após reforma da antiga Penitenciária do Estado de São Paulo, unidade masculina. |
Novembro de 2006 Fim do contrato com ONG Apac. Desde então, não há médicos regulares na unidade. |
24 de maio de 2007 Defensoria Pública visita Penitenciária e pede interdição. Motivo é falta de atendimento médico, água de má-qualidade e presença de ratos e pombos. |
29 de maio Juiz divulga relatório, em que considera “razoáveis” as condições gerais da Penitenciária e solicita mais informações à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). |
23 de junho Morre de leptospirose a presa Juliana Santos da Silva. |
16 de julho Juiz corregedor reitera solicitações feitas à SAP sem definir prazos para que sejam respondidas. |
18 de julho Reiteração do pedido de interdição imediata, com base na morte de Juliana. |
Leptospirose
O novo pedido de interdição da Penitenciária foi motivado pela morte da detenta Juliana Santos da Silva. Segundo o que apurou a Defensoria, no dia 20 de junho ela foi levada ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário e, dois dias depois, às 23h31, transferida para o Hospital do Mandaqui, na região Norte da capital. Morreu algumas horas depois, às 6h40 do dia 23, em razão de uma parada cardio-respiratória.
A equipe médica do Mandaqui considerou que ela morreu por complicações causadas pela leptospirose. O Centro Hospitalar, no entanto, havia diagnosticado que Juliana tinha sífilis terciária. "O curioso é que o laudo do Mandaqui nem cita a sífilis", pontua o defensor Geraldo. Ele ressalta que a presa poderia sim estar com doença, em decorrência da queda da resistência provocada pela leptospirose, mas um quadro não exclui o outro.
"Além de colocar em risco as presas, há funcionários do Estado e inclusive os advogados conveniados da Defensoria que também estão em risco", alerta Geraldo Sanches. A leptospirose é uma doença transmitida pela urina de ratos contaminados e pode ser curada, desde que tratada logo que aparecem os sintomas, inicialmente parecidos com os da gripe. Os defensores pedem que se façam exames a partir do soro do sangue de Juliana, para que se confirme a causa de sua morte. "A mera indicação de leptospirose é suficiente para, desta vez, determinar a interdição do referido estabelecimento penal", conclui o documento.
A presença de ratos na Penitenciária Feminina de Sant'Ana é confirmada pelos advogados conveniados da Defensoria e pela própria diretoria da unidade, que justifica a presença de roedores pela "proximidade com o córrego", segundo ata da visita do juiz corregedor da VEC à unidade, no dia 29 de maio. As detentas disseram aos defensores que nos fins de semana, os familiares que as visitam costumam trazer comida e, enquanto comem, são atacados por ratazanas, que vêm atrás dos alimentos. Declararam ainda que os ratos também "freqüentam" as celas.
O juiz Cláudio Amaral escreveu no documento de sua visita ao local ter verificado que "foram jogados restos de comida nos pátios situados abaixo das grades externas das celas, o que favorece o aparecimento de pombos e ratos. A diretoria justificou ao juiz que a existência de ratos era por descuido das próprias encarceradas, já que ela "tinham sido orientadas sobre a necessidade de manter padrões mínimos de higiene, mas muitas não correspondem às orientações".
Cinco mortes
Outra morte é a da presa Soraya de Souza Cerqueira, no dia 15 de maio, que tinha diabetes em estado avançado e apresentava feridas abertas na pele. A Defensoria Pública diz que f
oram feitos oito pedidos pelos advogados da casa para que ela recebesse atendimento médico com urgência. Já a detenta Terezinha Rosa de Jesus faleceu hospitalizada no dia 24 de dezembro de 2006 – ainda não se sabe a causa -, e Hérica da Silva suicidou-se no dia 30 de maio. Segundo os defensores, uma quinta detenta morreu de parada cardíaca há cerca de 15 dias, depois de sentir fortes dores no peito e não ser atendida. Ela já tinha duas pontes de safena e teria dado entrada no Hospital do Mandaqui já morta. Ainda não se conseguiu confirmar o nome desta mulher.
Inexistência de médico
Para Carmen, coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria, a situação mais grave é a falta de atendimento à saúde. Desde novembro, com a saída da ONG Apac, que trabalhava junto à administração de Sant'Ana, não há médicos – antes havia oito. Faltam também dentistas e psicólogos, denuncia o documento que solicita a interdição. O único atendimento a que as presas têm acesso vem da equipe de enfermaria, de visitas voluntárias de dois médicos e de consultas em hospitais públicos locais.
Existem três motoristas e apenas um carro para levar as presas a hospitais e a fóruns, sendo que há mais de 20 solicitações de audiência por dia. Assim, as presas perdem com freqüência as consultas marcadas. Mulheres com doenças graves como câncer, por exemplo, têm faltado a sessões de quimioterapia. As escoltas policiais são muitas vezes solicitadas, mas não comparecem. "Para audiência, a PM [Polícia Militar] leva, mas para hospital é mais difícil", pontua Carmen.
Os defensores visitaram a Penitenciária no dia 24 de maio e consideraram "lamentáveis" as instalações da unidade. A detenta Edna Lourenço da Silva mostrou aos defensores seu seio, que apresentava diversos caroços e do qual saía um líquido escuro e espesso. "Parecia petróleo mesmo. Eu nunca tinha visto uma coisa tão impressionante, em tantos anos de profissão", desabafa Carmen Sílvia Barros. Segundo a defensora, havia determinação judicial desde abril para que Edna fosse internada, o que ainda não tinha acontecido.
Além do que foi constatado pelos próprios defensores na Penitenciária, presas relataram que não estavam recebendo coquetel para portadoras de HIV nem remédios psicotrópicos, como anti-depressivos. Carmen afirma que as presas relataram ao grupo que a enfermaria recebe xarope e remédios para dor e que "muitas vezes, os remédios são entregues para as próprias presas redistribuírem [entre elas]".
Providências
Por meio da assessoria de imprensa do Fórum Criminal da Barra Funda, a Corregedoria da Vara de Execuções Criminais declara que, em princípio, acha conveniente não interditar o presídio, mas está aguardando as informações já requisitadas à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) em virtude do pedido anterior da Defensoria. Em sua ata de visita do dia 29 de maio à Sant'Ana, o juiz da VEC, Cláudio Amaral, solicita explicações à SAP sobre o atendimento médico, aconselha que ele seja diário na unidade e oficia "urgentes providências nesse sentido". Considera ainda que há um problema estrutural na distribuição, "bem como no que diz respeito ao fornecimento e da qualidade da água quente" e pede à SAP informações sobre uma eventual reforma. Sobre os ratos, o juiz também frisa a necessidade de uma reforma, desta vez da rede de esgoto. Não há prazos estipulados para que a SAP responda às solicitações. Na segunda-feira (16), Cláudio Amaral reiterou o pedido de explicações à Secretaria, mas novamente sem prazos para que elas sejam dadas.
Em nota, a Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário, da SAP, declarou que "vem sendo realizada parceria com a Secretaria de Saúde com o intuito de intensificar o atendimento médico na unidade prisional" e que esta opera em "condições de segurança e disciplina".
O defensor Geraldo Sanchez avisa que, se o juiz decidir arquivar o caso e mudanças estruturais não forem feitas, vai recorrer à Corregedoria Geral. "Se ele [corregedor geral] não nos atender, temos que estudar juridicamente que medida tomar: ir ao Ministério da Justiça ou outro ministério ou até mesmo à Corte Internacional Interamericana de Direitos Humanos."
Veja pedido da Defensoria de interdição da Penitenciária Feminina de Sant'Ana