Fomento

Investimento em frigorífico acende debate sobre atuação do BNDES

A compra de ações da JBS/Friboi como parte da política industrial do BNDES deixa transparecer a contradição - tanto do lado econômico como na vertente social e ambiental - entre as opções financeiras e o desenvolvimento do país
Por Maurício Hashizume
 06/07/2007

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou com uma quantia de R$ 1,463 bilhão para a compra de ações da JBS/Friboi, que se tornou o maior frigorífico do mundo com a aquisição da Swift norte-americana. A participação da instituição federal no negócio deixa transparecer a contradição – tanto do lado econômico como na vertente social e ambiental – entre as opções financeiras e o slogan que a instituição estatal ostenta: "o banco do desenvolvimento de todos os brasileiros".

Com a conclusão da operação, o BNDESPar, braço do BNDES para participações acionárias, deve ficar com 15% a 19% do capital da JBS/Friboi, e ajudar a equacionar a dívida combinada do frigorífico brasileiro com a Swift. Para o presidente da JBS, Joesley Mendonça Batista, a injeção de recursos públicos permitirá que a companhia compre até outra empresa e expanda os investimentos para o bloco do Pacífico. Hoje, o grupo detém capacidade de abate de 47,1 mil bois por dia e vale R$ 6,2 bilhões, de acordo com estimativas de mercado.

Em declarações à imprensa, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, classificou a intervenção como um exemplo da nova política industrial que o governo federal pretende adotar neste segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: fundada no incentivo à internacionalização de empresas de setores competitivos. O próprio ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) destacou alguns segmentos que se encaixariam nessa categoria, como os próprios frigoríficos, as siderúrgicas e a produção de commodities agrícolas. Esse incentivo, ressaltou Luciano Coutinho, deve vir combinado com incentivos a setores manufatureiros intensivos em mão-de-obra (financiando projetos de inovação para produtos diferenciados com maior valor agregado) e às subsidiárias de empresas multinacionais, como as montadoras de veículos.

O aproveitamento das vantagens comparativas internacionais e a tentativa de um novo impulso à política industrial, no entanto, dependem também da política macroeconômica, como observa o economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por conta da taxa de câmbio valorizada, o incentivo à internacionalização tende a se restringir aos bens primários para exportação, dificultando o incremento da produção industrial de maior valor agregado no país.

"Não adianta fazer uma reestruturação da política industrial se a política econômica joga contra", resume João Sicsú. Ele defende uma política cambial mais agressiva por parte do Banco Central (BC) para manter o câmbio baixo, com redução mais acentuada da taxa de juros e controle de capitais. "As políticas precisam ser coordenadas. Tudo precisa caminhar no mesmo sentido para que se constitua um projeto para o país", sustenta. Consultada pela Repórter Brasil, a assessoria de imprensa do BNDES ressalva que não cabe ao órgão tecer comentários sobre a política cambial e que o papel do banco é "fomentar o crescimento econômico do País".

João Sicsú explica que os setores extrativista, mineral e agropecuário são concentrados e concentradores de renda não por causa das empresas que deles fazem parte, mas por conta do modelo primário, marcado pela utilização de mão-de-obra desqualificada e pela distância maior entre trabalhadores e proprietários. Com maior emprego de tecnologia, o modelo industrial é caracterizado pela exigência de qualificações mais elevadas e pelo menor hiato entre empregadores e empregados. "Estamos largando os eletrodomésticos e partindo para o suco de laranja", exemplifica.

Um dos sinais desse movimento pode ser verificado na incorporação da Destilaria Alcídia, em Teodoro Sampaio (SP), na região do Pontal do Paranapanema, por uma das maiores empreiteiras do Brasil, a Odebrecht. Trata-se do primeiro passo do grupo no ramo da produção de álcool e açúcar. Os planos da Odebrecht incluem investimentos no Mato Grosso do Sul e em Goiás. Em dez anos, o projeto da empresa prevê uma capacidade de moagem de 45 milhões de toneladas de cana por safra.

Questão social e ambiental
Desde 2000, a organização não-governamental (ONG) Amigos da Terra procura estimular instituições financeiras que atuam no Brasil a incorporar políticas de sustentabilidade social e ambiental (confira a Declaração de Collevecchio sobre Instituições Financeiras e a Sustentabilidade). De acordo com Gustavo Pimentel, gerente do Programa Eco-Finanças, a operação do BNDES com o JBS/Friboi está inserida no contexto de apoio governamental ao setor do agronegócio voltado à exportações e levanta alguns questionamentos da parte das organizações da sociedade civil.

O primeiro deles diz respeito à necessidade de intervenção estatal em negócios desse tipo. "Com a farta liqüidez no mercado para esses setores e com tamanho acesso a recursos privados, o BNDES precisaria mesmo entrar neste negócio?", indaga Gustavo. Na opinião dele, o grupo não encontraria dificuldades em atrair capitais, sem precisar dos recursos da estatal.

A governança e a transparência referentes às salvaguardas sociais e ambientais adotadas pela instituição financeira para o incentivo ao ciclo primário-exportador também preocupam o gerente do Eco-Finanças. "O desafio está justamente em garantir tudo isso na prática", coloca.

A assessoria de imprensa do BNDES sublinha que o banco definiu uma política ambiental que vem sendo aplicada desde 2004 e só aprova financiamentos e participações depois de avaliar aspectos ambientais. Os critérios, adiciona a assessoria, são públicos. Porém, são aplicados estritamente aos empreendimentos e não se estendem à verificação dos impactos sociais e ambientais das cadeias produtivas nas quais as empresas beneficiadas estão envolvidas. Essa abordagem, contestam as ONGs, ignora o poder de indução de iniciativas de grande porte que podem aumentar a pressão pelo desmatamento e pelo desrespeito aos direitos sociais nas fronteiras agrícolas.

Segundo a assessoria do banco, a responsabilidade pela fiscalização do cumprimento das normas legais cabe a outros órgãos institucionais do Estado. No que se refere a produtores e grupos que fazem parte da "lista suja" do trabalho escravo, atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o BNDES nega qualquer aporte financeiro.

A postura do BNDES fundamentada na diminuição dos impactos das atividades mais degradantes também é questionada por Gustavo. "A revisão do próprio di
recionamento do portfólio [quadro de projetos que recebem empréstimos do banco] e o corte de financiamento de determinados setores não são considerados", completa.

Junto com a Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, o gerente do programa Eco-Finanças tem participado de uma agenda de encontros com o BNDES para tratar desses temas. Na próxima reunião, agendada para semana que vem, os representantes da sociedade civil retomarão as negociações para que o banco dê maior transparência aos critérios sociais e ambientais que têm sido aplicados para a concessão de empréstimos e para que setores mais poluidores não sejam favorecidos pelo BNDES.

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