Pecados da carne

 05/07/2007

A exportação de carne bovina vai crescer 20% este ano, o Brasil é o maior exportador mundial, frigoríficos estão fazendo IPOs e comprando empresas no exterior. Ao mesmo tempo, 62% dos flagrantes de trabalho escravo ocorreram em fazendas de gado, e os três senadores envolvidos na atual temporada de escândalos são criadores. Como separar os dois pedaços da carne brasileira? O negócio brasileiro de carne cresceu de forma acelerada nos últimos anos. As exportações subiram aos saltos. Em cada ano, um concorrente foi ultrapassado: Argentina, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Austrália. Todos os concorrentes ficaram comendo poeira. No ano passado, o Brasil exportou US$ 3,9 bilhões em carne bovina; este ano, serão US$ 4,8 bilhões.

Não por acaso, três em cada três senadores da última temporada de escândalos são pecuaristas controvertidos.

Confusão é o que não falta no setor: desmatamento, trabalho escravo, negócios obscuros são rotina em alguns empreendimentos.

O senador Renan Calheiros tem uma contabilidade que mostra vendas supervalorizadas, notas fiscais com erros grosseiros, vendas para compradores que negam ter comprado. O senador Roriz dividiu um cheque do empresário Nenê Constantino para pagar uma suposta meia bezerra numa operação para lá de esquisita. O senador Leomar Quintanilha, presidente do Conselho de Ética, também criador, é adversário assumido da lei que tenta acabar com o trabalho escravo no Brasil.

— A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) aderiu ao pacto contra o trabalho escravo e não vende carne que vem da Amazônia, porque lá não é área livre de febre aftosa, uma exigência para se exportar — afirma o ex-ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes.

Não era. O que foi, por um lado, uma boa notícia para os pecuaristas está apavorando os ambientalistas: — Estamos bastante preocupados por algumas áreas estarem se tornando zonas livres de aftosa. Isso vai estimular a pecuária lá, pois eles vão poder exportar carne — alerta Ilan Kruglianskas, coordenador do programa de agricultura do WWF-Brasil.

A OIT informou que só agora, dois anos depois de o pacto ter sido lançado, três grandes frigoríficos o assinaram.

A Abiec já havia assinado, mas as empresas, não. Logo depois, os mesmos frigoríficos anunciaram grandes negócios. O Friboi comprou a Swift na Argentina, nos EUA e na Austrália, e o Bertin informou que pretende abrir capital.

— Temos empresas modernas, que estão na ponta mundial em termos de adoção de tecnologia de embrião.

Essas empresas exportadoras não estão na região da Amazônia, nem podem ter trabalhadores sem qualificação. Os casos de trabalho escravo ocorreram em pecuária na Amazônia normalmente ligados ao crime de desmatamento — comenta Pratini.

A ONG Repórter Brasil fez um trabalho de pesquisa na cadeia produtiva brasileira para determinar quais eram os fornecedores e compradores das empresas da “lista suja” do trabalho escravo.

Identificaram que vários grupos grandes, conscientemente ou não, tinham negócios com empresas que usavam trabalho escravo. O jornalista Leonardo Sakamoto, da “Repórter Brasil”, conta que a pecuária é, de longe, a atividade brasileira que mais pratica esse crime: — E a carne acaba chegando a vários dos grandes frigoríficos brasileiros.

— Não é tão grave assim. A “lista suja” tem 160 empresas, existem dois milhões de propriedades brasileiras com pecuária.

Somos um país em desenvolvimento, temos as mais avançadas tecnologias de um lado, e uma produção de fundo de quintal de outra.

Temos um mercado futuro de boi com absoluta transparência, e temos abate clandestino.

Mas os exportadores são fiscalizados, principalmente pelo cliente europeu — argumenta Pratini.

O ex-ministro reconhece que a existência do crime de trabalho escravo é um problema para quem exporta.

— Não podemos correr o risco de perder negócio por causa disso — diz.

Ele nega a ligação com o desmatamento: — É impossível criar gado na Amazônia; não na Legal, mas na área de floresta mesmo; porque o rio sobe 20 metros. Quem é maluco? O rebanho na Amazônia Legal cresce, nos últimos anos, cerca de 7% ao ano, mais que em outras partes do país. Na região, estão cerca de 33% do rebanho nacional. O problema é que, na grande maioria das vezes, isso se faz com desmatamento. A terra na Amazônia é mais barata, o que aumenta o retorno financeiro do negócio. Além disso, conta o Imazon, há vantagens adicionais: “O acesso relativamente fácil a terras públicas e a baixa aplicação da lei florestal permitem o acúmulo de capital por meio da exploração ilegal de madeira; parte desse capital é investido em pecuária”. Há ainda um outro ponto: fundos como o Finor dão para quem quer investir na região taxas mais baixas de juros.

Uma das sugestões dadas pelos ambientalistas é que haja algum critério de preço, ou incentivo, para pecuaristas que sigam normas não apenas ambientais, mas também sociais de produção.

Uma coisa é certa: com os pés em tanta lama e a cabeça no mercado global, a bovinocultura brasileira fica frágil.

Os tantos pecados da carne brasileira têm que ser combatidos, nem que seja por interesse comercial.

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