Recife – Que a transposição do Rio São Francisco é um projeto polêmico, isso todos nós já sabemos. Mas não só polêmico: não temos a menor dúvida em afirmar a existência de falhas técnicas significativas no mesmo, as quais poderão resultar em graves conseqüências para o ambiente natural nordestino.
Vale mencionar, entre outras, a possibilidade real e concreta de interferência nas populações indígenas; o aumento e aparecimento de novas doenças, visto ser a água um excelente veículo condutor; a perda de terras potencialmente agricultáveis; a desapropriações e todos os conflitos que delas decorrem; a especulação imobiliária nas várzeas potencialmente irrigáveis no entorno dos canais; o incentivo à indústria da seca, através da perpetuação do desabastecimento das populações difusas; a interferência no patrimônio cultural das populações atingidas; a perda e fragmentação de áreas com vegetação nativa (de habitat e ecossistemas); a modificação da composição e o risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras; o risco de introdução de espécies invasoras; maior número de ocorrência de acidentes com animais peçonhentos; a aceleração do processo erosivo e de carreamento de sedimentos; a modificação no regime fluvial do rio; as perdas na geração de energia elétrica; a eutrofização dos novos reservatórios e, sobretudo, ao prejuízos ao mais vital dos recursos da natureza: a água.
Os últimos acontecimentos relativos ao início das obras da transposição em Cabrobó (PE) têm-nos preocupado sobremaneira, a ponto de conclamarmos o bom senso das partes envolvidas, principalmente do lado das autoridades responsáveis pelo projeto. O diálogo, no nosso modo de entender, é a principal saída para a solução dos impasses ali existentes.
Na nossa militância decana sobre a realidade nordestina, temos revelado a existência de alternativas mais apropriadas e mais baratas para o abastecimento da população, quando comparadas àquela do projeto da transposição. Nos referimos Atlas Nordeste de abastecimento urbano de água, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), em dezembro de 2006, bem como aos trabalhos de convivência com o Semi-Árido sob a responsabilidade da Asa-Brasil (Articulação do Semi-Árido brasileiro).
Para se ter uma idéia da importância delas, o Atlas Nordeste, que traça também um diagnóstico da situação hídrica da região, traz como pressuposto a perspectiva do abastecimento de um número três vezes maior de pessoas no Nordeste, quando comparado aos beneficiários do projeto da transposição, valendo-se, para tanto, da metade dos recursos previstos naquele projeto. Com a divulgação desse trabalho pela ANA, acreditamos que o governo federal passou à categoria de maior opositor do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, não tendo sentido, portanto, a sua priorização no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em relação aos trabalhos da ASA-Brasil, voltados para a questão da água, essa instituição propõe a captação da chuva para consumo humano e para produção de alimentos, por meio de um leque de 40 tecnologias, a exemplo das cisternas, barreiros e mandalas. Portanto, o foco dos movimentos sociais é no sentido do abastecimento humano, compreendendo a água como um direito humano fundamental.
Costumeiramente, nos reportamos, em nossos trabalhos, ao uso das cisternas rurais, como uma das melhores alternativas para o abastecimento das populações difusas da região semi-árida nordestina. Uma cisterna de 16 mil litros, por exemplo, tem capacidade para ofertar, a uma família de 5 pessoas, durante os 8 meses sem chuvas na região, água de boa qualidade para beber e cozinhar.
Entretanto, caso o governo federal venha iniciar o projeto da forma como está conduzindo as negociações, certamente estará cometendo um grande equívoco, o que, na realidade, será uma lástima. Aliás, já tivemos a oportunidade de comentar essas questões no artigo "Na iminência do primeiro equívoco", escrito em 2003.
Lamentamos, no entanto, a ótima oportunidade desperdiçada de se negociar essas questões do Nordeste Semi-Árido junto ao governo federal. Após o Santo jejum do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, o governo havia iniciado um processo de negociação junto aos movimentos sociais, fato interrompido pela proximidade do período eleitoral do ano passado e pela cassação da liminar que impedia o início das obras transpositórias. Imaginávamos, no entanto, que uma vez encerradas as disputas eleitorais, o governo voltasse à mesa de negociações. Ledo engano. O que se viu foi um governo livre de empecilhos e motivado à imposição do projeto goela abaixo do nordestino, pondo por terra todas as possibilidades de saídas dignas de seu convívio com as secas que freqüentemente assolam a região.
Outra questão que tem-nos preocupado sobremaneira diz respeito à divisão do Nordeste causada, principalmente, pela disputa das águas do Velho Chico.
Consta no projeto apenas o benefício dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, o que praticamente ocasionou o desmembramento do Nordeste em duas partes: a região setentrional (aquela que irá receber as águas do São Francisco) e a região meridional (aquela que irá exportar as águas do rio). Esse fato não foi bem recebido pela população da sua parte meridional, tendo em vista ficar a região como mera exportadora de água, sem que seus habitantes tivessem participação efetiva no projeto. Isso gerou descontentamentos, o que julgamos indesejável, principalmente tendo em vista ser o São Francisco o rio da integração nacional, não devendo, portanto, servir de motivos para discórdias entre o povo nordestino. O Nordeste deveria ser considerado de uma forma global, com seus estados participando tanto das discussões como das soluções de seus problemas.
Essa questão da divisão do Nordeste ficou evidenciada recentemente em reunião realizada no Recife, na qual participaram os governadores dos estados da região setentrional, para discussão do apoio ao início das obras do projeto de transposição. A reunião foi importante porque evidenciou, de um lado, o poder de articulação dos atuais dirigentes daqueles estados, mas, de outro, deixou a desejar, pelo simples fato de não se ter dado enfoque às principais questões regionais, notadamente o abastecimento das populações difusas circunscritas no Polígono das Secas. Nesse sentido, a reunião poderia ter sido muito mais proveitosa, se realizada com a participação dos governantes de todos os estados nordestinos que sofrem a influência do fenômeno das secas, inclusive o do estado de Minas Gerais, principal exportador das águas do Velho Chico, tendo como pauta principal a discussão das propostas existentes no Atlas Nordeste do abastecimento urbano de água e a sua importância para a solução definitiva dos problemas de abastecimento de todo o Nordeste.
Para se ter idéia da importância dessas propostas, existe no Atlas da ANA a indicação de solução para os problemas de escassez hídrica na região agreste do estado de Pernambuco, através da adução (uso de tubulações) das águas do rio São Francisco. Por que não implementar essa proposta, ao invés de se começar a construir o faraônico eixo norte, em Cabrobó, cujos benefícios passarão à margem do estado? A primeira alternativa seria a mais sensata.
O foco do eixo norte é puramente econômico. Isso todos nós sabemos. Visa tão somente o benefício do agronegócio nos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, numa prova de total desrespeito ao que foi deliberado pelo comitê da bacia do São Francisco, no plano decenal de uso de suas águas. Segundo consta neste plano, o uso das águas do rio, fora de sua bacia hidrográfica, é permitido apenas para abastecimento humano e animal, isso em caso de comprovada escassez.
Caso seja iniciado o projeto, entendemos que os governadores dos estados do Nordeste setentrional ficarão reféns das conseqüências desse equívoco. Os empresários do grande capital, principalmente irrigantes, industriais e carcinicultores, serão contemplados com as águas do rio, enquanto as populações difusas, geradoras de votos e as mais carentes em termos hídricos, aquelas que atualmente são abastecidas por frotas de caminhões pipa, ao perceberem que o projeto é revestido de pura ilusão, ficarão revoltadas, o que poderá resultar em desgastes políticos de conseqüências imprevisíveis.
Diante de tudo isso, cremos que ainda há tempo para se refletir sobre essas questões, envidar esforços para o retorno das negociações interrompidas e torcer para que o bom senso prevaleça na volta desse diálogo. É o que desejamos para o bem comum.
*João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.
comentar oque eu moro no dudeste onde tiram agua de uma represa distante para abastecer as cidades, eu poderia tomar banho de poço ou de sisterna mas DEUS deu inteligencia para os homens e deixou esta terra maravilhosa e esses rios abundantes de agua e para todos os homens usufluir o sei arido esta sofrendo sem agua sem vida sem produção agicola perdendo seus filhos para as grandes capitais, uma desgraça humana a desunião de familias,estou dando uma opinião que o movimentosem terra peça as terras ao redor dos canais para refoma agraria dai não vai ter especulação imobiliaria e quanto as doenças que vão vir pelos rios vamos pensar que a pior doença e afome a sede DEUS abençoe esta obra.
Meu amigo, você, infelizmente, não sabe o que é passar sede, com tantos perdendo o pouco que têm. Bom mesmo é morar nas capitais, com ar condicionado, enquanto milhares de irmãos padecem de fome e de sede. Abramos os olhos para os outros, para os nossos irmãos nordestinos tão discriminados sofrendo com os intelectuais como você.
Caro Marcos Cartaxo, a essa altura do campeonato, já dá pra perceber que os que passam sede vão continuar passando, ou não? Quem vai se beneficiar com essa transposição são os figurões, que vão comprar as terras dos pobres que vão morar à beira do "Novo Chico". Além disso, já chegou a hora de percebermos que tirar água do Velho Chico vai transformá-lo em nada.
Hemofílico não doa sangue. Como podem querer que o rio São Francisco doe água? O rio está pior que hemofílico: seco, sem peixes, assoreado. Doente que só vendo. A única coisa de que se pode ter certeza nesta questão da transposição é que a corrupção vai rolar solta. Muito político vai ficar ainda mais rico com as propinas que serão pagas por empreiteiras.
Até quando vamos ficar discutindo os desatinos e a desfaçatez em torno dos problemas do semi-árido? A questão da transposição criminosa do Rio São Francisco em função dos interesses econômicos dos grandes empresários e políticos corruptos? Até quando …? O desgaste dos discursos dos poucos que realmente se preocupam com as questões sociais deste país, gente essa que se encontra, também, nas salas de aulas esclarecendo e conscientizando seus alunos da necessidade de se preservar, lutar pelo meio ambiente. O desgaste: é produto da retórica dessa corja que domina, também, a mídia e, infelizmente, convence.
muito legal mas quero que me mande um email de vouta bl
Certo vereador do interior queria revogar uma lei que possibilitasse a construção de um aeroporto. Sabe que lei é essa? A lei da gravidade. Da mesma forma que essa lei não pode ser revogada, tampouco se pode revogar a lei da oferta e da procura. Ao se mandar mais água para o Nordeste, não há como encarecer esse insumo. Água não tem carimbo e dizer que a água da transposição será usada apenas pelos grandes proprietários de terra é um desatino. Lembro que a ANA autorizou a transposição sob condicionantes bem definidas: a prioridade é o abastecimento das cidades. O uso econômico da água só pode ser feito com a água excedente. Cabe a nós fiscalizarmos se haverá desvio de água.
Gostaria de comentar o texto do Sr. Cláudio Fuente.
Brilhante a sua sugestão de desapropriar as terras às margens dos canais de transposição para evitar especulação.
Essa providência já foi tomada: será desapropriada uma faixa de 25 metros de cada lado dos canais.
Há apenas dois problemas que o Ministério da Integração terá que resolver juntamente com o INCRA: um dos canais passa em terra de quilombolas e em reserva indígena.
Sou contra a transposição porque o total das reservas hidrogeológica dos aqüíferos mais as reservas de água superficial dos açudes em disponibilidade para os quatro estados CE, RN, PB, PE somam 22,9 bilhões de m³ gerando um excedente hídrico fantástico para os quatros estados de 15,3 bilhões de m³.
Sou contra a Transposição porque o projeto vai entregar a água bruta ao longo de quatro eixos lineares ( leitos dos rios, Jaguaribe, Piranhas – Açu, Apodi e Rio Paraíba), já perenizados a mais de 25 anos, deixando de contemplar as áreas de maior escassez hídrica como a Região do Serido, não atendendo a população dispersa fora do eixo da transposição
NÃO EXISTE FALTA D´ÁGUA NA REGIÃO NORDESTE
Dilermando, em Hidrologia não se considera disponibilidade em volumes, mas em vazão. O volume de água do subsolo, ao ser retirado, tem que ser reposto. Na maior parte do Nordeste Setentrional, há déficit hídrico, ou seja, as perdas por evaporação superam o volume precipitado. É como você ter muito dinheiro na conta e for retirando se, repor. A utilização dos rios Jaguaribe, Piranhas – Açu, Apodi e Paraíba é apenas para economizar canais. Se há o leito do rio, para que fazer mais canais? O projeto prevê tomadas difusas para abastecimento da população dispersa.
Respondendo ao amigo Paulo Machado, os defensores do Projeto de Transposição vêem alegando para justificar a obra, que existe um déficit hídrico entre o índice de precipitação pluviométrico médio anual de 700 mm e os 80% que se perde por evapotranspiração estimado em 2.000 mm.
Na realidade, não há como negar a assertiva desse fenômeno climático. Entretanto, os defensores da transposição não podem e nem devem afirmar categoricamente que, os baixos índices pluviométricos, o altíssimo índice de insolação plena de 300 dias/ano, as altas taxas de evaporação e as irregularidades temporais das chuvas, sejam os principais ingredientes causadores da escassez hídrica e da falta de água na região.
Tamanho é o absurdo deste raciocínio que induz as pessoas a pensar de forma exígua , fazendo juízo de que esta tese apresentada seja verdadeira, quando na realidade, os defensores da transposição estão fazendo uma interpretação errônea e confusa, as vezes intencional e maliciosa, afirmando que a causa da falta d´água no Nordeste esteja relacionada com o desequilíbrio negativo existente no balanço hídrico da região. Continua…
A relação entre o índice de precipitação media anual de 700 mm sendo bem inferior ao índice de evapotranspiração de até 3.000 mm/ano é uma realidade, gera realmente um déficit de 2.300 mm/ano. Todavia este fenômeno climático não significa dizer que não vai sobrar nenhuma gota d´água após as chuvas para ser captada e estocada. Este falso déficit hídrico não pode, e nem deve ser contabilizado como sendo o fator determinante da escassez hídrica no Nordeste. No fundo, o que interessa mesmo, é a quantidade de água do escoamento superficial que deve ser captada e retida nos reservatórios, açudes, cisternas e nas recargas dos aqüíferos, ademais é pura “matemágica”.
Peço desculpas ao meu amigo Paulo e aos demais leitores, postei meus comentários na ordem inversa, por favor, leiam no sentido de baixo para cima, obrigado.
Dilermando, a altura de precipitação é medida em toda a bacia e a altura de evaporação se dá apenas nos espelhos de água. É por isso que não podemos subtrair uma da outra. Quando nos referimos a déficit hídrico, estamos dizendo que o volume evaporado foi maior que o volume precipitado. Isso acontece com freqüência no Nordeste Setentrional. Pior: como as chuvas são concentradas, quando elas caem, provocam enchentes como está ocorrendo agora.
O Projeto de Integração de Bacias tem um erro grave de concepção: ao invés de criar rios artificiais, que ajudariam a amenizar as condições ambientais em seu percurso no semi-árido, optou por criar canais de concreto armado, indicando uma falta de visão de futuro.
O Projeto visa a reter o homem na terra. Particularmente com relação às margens dos canais, onde o Incra fará distribuição de terras, espera-se um grande aumento populacional. É possível que novas cidades cresçam as margens dos eixos norte e leste.
Para onde escoarão o esgoto e a drenagem pluvial das comunidades que surgirão às margens desses eixos? Certamente será para os canais, provocando inundações.
Fico a cogitar o resultado que se poderia obter aplicando a verba destinada à transposição do São Francisco à recuperação das matas ciliares nas margens do São Francisco e à execução dos projetos alternativos – muito mais abrangentes e eficientes e o exemplo típico é o da captação da água da chuva.
Fernando, nós não precisamos desvestir um santo para vestir outro. Basta acabar com a corrupção no país e teremos dinheiro para tudo isso.