Ásia

Diários do Paquistão: o trabalho forçado neste lado do mundo

No Paquistão, há casos em que a dívida é passada de geração em geração, aumentada por mecanismos que a tornam impagável, ligando essas pessoas e seus filhos à terra e a seus senhores por anos
Por Leonardo Sakamoto
 17/08/2007

Islamabad – Cheguei hoje ao Paquistão, no Sudoeste da Ásia, para uma visita de nove dias a projetos de combate e prevenção ao trabalho forçado desenvolvidos por organizações da sociedade civil. O convite foi feito pela Trôcaire, agência da igreja católica irlandesa para o desenvolvimento e a justiça social, que apóia organizações sociais que atuam nessa área no Paquistão e no Brasil. Estimativas apontam que há pelo menos um milhão de trabalhadores nessas condições por aqui, devido a uma antiga prática de endividamento denominada peshgi: pessoas pobres tomam dinheiro ou mantimentos emprestados de proprietários rurais, empenhando o próprio trabalho e de sua família como garantia. Essa forma de exploração foi declarada ilegal em 1992, mas a sua erradicação ainda está longe de acontecer devido ao interesse da manutenção da situação pelos poderosos senhores de terra e a falta de empenho dos governos central e locais.

Apesar de mecanismos de endividamento também serem usados por latifundiários brasileiros para manter trabalhadores cativos em fazendas de gado, cana, algodão e soja, por exemplo, a situação nos dois países é diferente. O trabalho escravo brasileiro é empregado em serviços temporários, sejam de expansão de empreendimentos agropecuários (derrubada de floresta, limpeza da terra, produção de cercas, implantação de pastos), seja em fases de plantio e colheita ou na produção de carvão vegetal. A relação de patrão e empregado dura, em média, três meses. Quando o serviço acaba, a maioria dos trabalhadores é dispensada – sem nenhum pagamento.

No Paquistão, há casos em que a dívida é passada de geração em geração, aumentada por mecanismos que a tornam impagável, ligando essas pessoas e seus filhos à terra e a seus senhores por anos. Há trabalho escravo também na mineração, na produção de tijolos e de carpetes, em muitos casos envolvendo crianças.

Por aqui, a situação se assemelha à servidão existente na Europa durante o feudalismo, com o senhor de terras recebendo parte da produção de seus servos. No Brasil, a prática é usada para a obtenção do lucro e para a expansão de empreendimentos agrícolas através da superexploração do trabalho. O trabalhador é um instrumento usado em um momento da produção e depois descartado. Por aqui, o trabalhador é quase um patrimônio.

Outra diferença é a quantidade de vítimas. Apesar de não haver dados precisos e científicos em nenhum dos países, trabalhamos no Brasil com a estimativa de algumas dezenas de milhares – um universo pequeno, se comparado com a situação daqui. No Paquistão, o problema se concentra no centro/sul do país, nas províncias de Punjab e Sindh.

O país tem 163 milhões de habitantes (está na cola do Brasil, que tem 180 milhões), mas, ao mesmo tempo, tem uma área dez vezes menor. Cerca de 45% da sua população está na agricultura e 44% das terras estão nas mãos de apenas 5 mil famílias. Uma das conseqüências de tamanha concentração: 35% do país está abaixo da linha da pobreza.

Em um mundo globalizado, em que a exploração não conhece fronteiras, é claro que tanto no Brasil quanto no Paquistão, essas formas de exploração possuem conexão com o capitalismo e sua busca desenfreada pelo lucro.

Vou tentar postar aqui neste espaço minhas impressões e as do meu companheiro de viagem, Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra. Não posso prometer uma atualização diária devido à dificuldade de se encontrar um acesso à internet em alguns locais pelas quais passaremos, como o deserto ao sul ou pequenos vilarejos. Mas estarei por aqui sempre que possível.

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