Justiça

Indenizações direcionadas pelo MPT beneficiam comunidades

Tradicionalmente depositados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), dinheiro de ações e acordos trabalhistas concretizados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) podem financiar projetos e obras locais
Por Iberê Thenório
 20/08/2007

Sede do Instituto Cultural Flauta Mágica, em Cuiabá (MT), cuja reforma foi custeada por recursos de ações trabalhistas (foto: divulgação)

Dois terrenos e duas escolas, totalizando R$ 800 mil. Esse foi o preço que a Justiça do Trabalho cobrou da Destilaria Gameleira, localizada em Confresa (MT), por ter mantido 1003 trabalhadores em condição análoga à escravidão, no ano de 2005.

O acordo, que aconteceu em julho deste ano, reflete uma tendência que tem crescido nas ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Em vez de destinar os recursos advindos de condenações por danos morais coletivos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), como tradicionalmente sempre foi feito, os procuradores do MPT têm preferido reverter o dinheiro referente à condenação para benfeitorias diretas às comunidades locais.

No Mato Grosso, um dos estados que mais sofre com o trabalho escravo, esse tipo de destinação de verbas vem acontecendo desde 2003. Ao longo desses quatro anos, já foram beneficiados, entre outros, organizações não-governamentais (ONGs) que dão cursos de música para jovens, hospitais e delegacias regionais do trabalho. Procuradores da região afirmam que aplicar os recursos dessa forma é uma maneira de fazer uma reparação direta e imediata no local onde o dano foi causado.

"Pelo menos desde 2000, os colegas da Conaete [Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo, órgão do MPT] começaram a reverter esses valores para a compra, por exemplo, de equipamentos que complementem a ação do grupo móvel [de fiscalização]. Com o passar do tempo, fomos evoluindo nessa idéia de reverter esses valores para atender a comunidade.", explica Erlan do Prado, procurador do MPT e vice-coordenador da Conaete.

Em geral, Ações Civis Públicas (ACPs) movidas pelo MPT têm suas indenizações depositadas no FAT. Esses tipos de ações são criadas quando um empregador prejudica de forma geral os trabalhadores ou a sociedade, como acontece nos casos de trabalho escravo, e é exigida uma indenização por danos morais coletivos. Essa indenização, muitas vezes, também é paga quando o MPT faz um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que é um acordo em que o empregador se compromete a melhorar condições de trabalho e, eventualmente, a pagar um valor em dinheiro.

A lei nº 7.347/1985, que regulamenta as ACPs, prevê que esse tipo de indenização deve ser depositada em um fundo para a corrigir o prejuízo causado: "Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados." Esse fundo, contudo, nunca chegou a ser criado. "Na ausência desse fundo, historicamente os valores foram destinados ao FAT, que seria o fundo que mais é próximo à nossa realidade.", conta Erlan.

Números do FAT

R$ 31,7 bi é o orçamento previsto para 2007
R$ 120 bi já foram emprestados ao BNDES desde 1990
R$ 5,5 mi é quanto o fundo pretende gastar em 2008 em seguro-desemprego para libertados da escravidão
3.947 pessoas poderão receber esse benefício

Amparo ao Trabalhador
Criado em 1990, o FAT é ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e funciona como uma poupança que tem a finalidade de custear o seguro-desemprego, conceder abonos salariais e financiar programas de desenvolvimento econômico. Os recursos do fundo provêm, quase em sua totalidade, pelas contribuições do PIS/Pasep, além dos juros pagos pelas instituições que emprestam pelos empréstimos feitos ao FAT. De acordo com a assessoria do MTE, as indenizações provindas de ações movidas pelo MPT não são significativas para o montante do fundo.

Para este ano, o FAT tem um orçamento previsto em R$ 31,7 bilhões (clique para conhecer os orçamentos previstos para 2007 e 2008). Para se ter uma idéia de quanto representa esse valor, o orçamento do Ministério da Educação para o mesmo período é de R$ 27,6 bilhões.

Está previsto em lei que ao menos 40% dos recursos do FAT devem ser emprestados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que devolve a quantia corrigida pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que atualmente é de 6,25% ao ano. Desde que o FAT foi criado, já foram emprestados cerca de R$ 120 bilhões ao BNDES, o que representa aproximadamente 60% do total captado pelo banco nesse período.

O restante dos recursos do FAT é utilizado principalmente para o pagamento de seguro-desemprego (R$ 13,2 bilhões previstos pra 2008), abono salarial PIS/Pasep (R$ 5,5 bi para 2008) e programas de qualificação profissional (R$ 980 milhões para 2008).

Para o programa de Erradicação do Trabalho Escravo, o FAT prevê um desembolso de R$ 5,5 milhões em 2008, dos quais R$ 1 milhão seria gasto em publicidade de utilidade pública e o restante empregado no pagamento de seguro-desemprego a trabalhadores libertados. De acordo com o planejamento do Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), esse valor seria suficiente para beneficiar 3.947 pessoas.

Apesar do FAT prever investimentos no combate à escravidão, muitos procuradores do Trabalho entendem que não é uma boa opção direcionar as ind
enizações por danos morais coletivos para o fundo, já que não há garantias de que o dinheiro será canalizado para as vítimas diretas da infração. "Nos preocupamos muito ao perceber que não há nenhum programa de qualificação profissional voltado diretamente para resgatados da escravidão que utilizasse dinheiro do FAT", afirma Erlan.

Quando a opção é aplicar em projetos locais, a comunidade beneficiada tem acesso às informações e sabe como anda a aplicação dos recursos, podendo, inclusive, denunciar à Justiça do Trabalho caso haja algo saindo errado ou deixando de ser cumprido.

Benefício local

Por descumprir acordo judicial, o banco HSBC doou sete caminhonetes ao MTE (foto:MPT / Divulgação)

Uma das instituições beneficiadas com recursos judiciais foi o Instituto Cultural Flauta Mágica, que promove a cidadania por meio da música para 300 crianças e adolescentes de Cuiabá (MT). Na última quarta-feira (15), a ONG reinaugurou sua sede, reformada com R$ 120 mil provenientes de um acordo entre a Procuradoria Regional do Trabalho e um supermercado da região.

"O próprio dono do supermercado sugeriu que, em vez de pagar para o governo, o recurso fosse aplicado no Flauta Mágica. O MPT analisou a proposta, fez uma reunião, analisou as instalações e resolveu investir em obras na sede do instituto. Não tivemos nenhuma participação na administração do recurso. A prestação de contas ocorreu entre a empresa e o MPT", explica o maestro Gilberto Mendes, diretor artístico do Flauta Mágica.

Outra forma encontrada pelo MPT para aplicar esses valores é a compra de equipamentos para fiscalização. No mesmo dia em que a ONG reinaugurou sua sede, o banco HSBC entregou cinco caminhonetes ao MTE em Brasília. Por descumprimento dos termos de uma ACP, a instituição foi obrigada a doar os veículos, que serão utilizados pelo grupo móvel de fiscalização. Também serão doados mais dois veículos à Delegacia Regional do Trabalho de Porto Alegre e financiado um projeto social.

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