Agronegócio

Maiores produtores de grãos já tiveram trabalho escravo

Em seis entre os dez municípios que mais ganharam dinheiro produzindo grãos em 2006 já foi encontrado trabalho escravo; veja mapa interativo com informações sobre libertações e imagens de satélite desses locais
Por Iberê Thenório
 02/08/2007
Clique para ver mapa interativo com os seis municípios que são grandes produtores de grãos e que têm problemas com trabalho escravo

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, no último dia 19, uma pesquisa que mediu a produção municipal de grãos em 2006. Entre os dez municípios com maior renda agrícola estão seis em que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) já flagrou trabalho análogo à escravidão. Na pesquisa do IBGE são considerados "grãos" os cereais, leguminosas e oleaginosas, tais como soja, milho, arroz, feijão e algodão. A renda obtida pela produção é medida multiplicando-se o preço médio recebido pelo produtor ao longo do ano pela quantidade de grãos produzida.

Os seis municípios ficam no Mato Grosso e na Bahia, estados que aparecem, respectivamente, em segundo e terceiro colocados no ranking de libertações de trabalho escravo. A liderança absoluta cabe ao Pará. As fiscalizações ocorridas em São Desidério (BA), Sorriso (MT), Campo Verde (MT), Campo Novo do Parecis (MT), Diamantino (MT) e Barreiras (BA) aconteceram entre 2000 e 2007, e libertaram, no total, 1.272 trabalhadores.

Apesar dessas fiscalizações terem ocorrido em várias atividades agrícolas, e não somente no cultivo de grãos, o cruzamento de dados mostra que a riqueza gerada na região nem sempre é revertida em boas condições de trabalho no campo.

Municípios que obtiveram maior renda agrícola com a produção de grãos em 2006
Posição no ranking Município Valor da produção (em R$ 1000) Ano em que foi encontrado trabalho escravo Total de trabalhadores libertados
São Desidério (BA) 659 269 2003 e 2007 802
Sapezal (MT) 599 866
Sorriso (MT) 585 105 2003 57
Campo Verde (MT) 421 922 2001 e 2002 23
Campo Novo do Parecis (MT) 378 095 2004 27
Nova Mutum (MT) 366 152
Jataí (GO) 318 402
Diamantino (MT) 317 383 2000 134
Lucas do Rio Verde (MT) 313 420
10º Barreiras (BA) 302 179 2003, 2005, 2006 e 2007 351

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). As libertações não ocorreram necessariamente no cultivo de grãos.

O município líder do ranking de produtividade é São Desidério, no Oeste baiano, onde o plantio de grãos gerou R$ 659 milhões. A história recente mostra que a localidade tem sido foco de problemas graves de trabalho escravo. Entre 2003 e 2007, lá foram libertados 802 trabalhadores pelos fiscais do MTE. No município vizinho de Barreiras, que é o 10º local onde mais foi gerada renda pelo plantio de grãos, 351 pessoas ganharam a liberdade no mesmo período.

A produção de grãos que mais traz renda a essa região é o algodão, sendo que São Desidério é responsável por 12,9% do que foi colhido no país em 2006. De acordo com o auditor-fiscal Edvaldo Santos da Rocha, da Subdelegacia do Trabalho de Barreiras, os problemas trabalhistas acontecem principalmente na capina (limpeza de ervas daninhas) na cultura do algodão. "A mão-de-obra vem de fora, é pouco qualificada, não tem alojamento suficiente e é trazida por gatos." Segundo o auditor, houve fortalecimento na fiscalização rural, inclusive com a instalação de um ofício do Ministério Público do Trabalho na Região, e isso tem inibido a ocorrência de novos casos. "Houve melhoras, mas não a erradicação.", afirma.

Outro foco de trabalho escravo que também lidera o ranking do IBGE é o estado do Mato Grosso, onde a produção de soja e algodão são expressivas. Para Xavier Plassat, membro da coordenação nacional da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a imagem de um agronegócio da soja moderno e mecanizado nem sempre corresponde à realidade.

"Esquecemos que antes da colheita e da aplicação dos venenos, antes mesmo do plantio, é preciso preparar o solo. Como muitas vezes se trata de
terras onde o Cerrado e a floresta foram arrancados, há necessidade de catar as raízes que sobram. É nessa atividade, que até hoje continua sendo feita à mão, que encontramos com freqüência grandes turmas de trabalhadores aliciados no Piauí, Tocantins ou Maranhão e explorados na Bahia, Mato Grosso, Goiás, ou mesmo no mesmo estado, como acontece no Maranhão, Piauí e Tocantins", explica Xavier.

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