Mobilização Popular

Plebiscito nacional contesta privatização da Vale do Rio Doce

Consulta pretende mobilizar população país afora para que uma das maiores empresas de mineração do mundo, privatizada em 1997, volte a ser controlada pelo Estado e atenda aos anseios do povo brasileiro
Por Beatriz Camargo
 10/08/2007

Questões que serão feitas no Plebiscito "A Vale é Nossa"
1. Em 1997, a companhia Vale do Rio Doce – patrimônio construído pelo povo brasileiro – foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o poder judiciário podem anular. A Vale deve continuar nas mãos do capital privado?

2. O governo deve continuar priorizando o pagamento dos juros da dívida externa e interna, em vez de investir na melhoria das condições de vida e trabalho do povo brasileiro?

3. Você concorda que a energia elétrica continue sendo explorada pelo capital privado, com o povo pagando até oito vezes mais que as grandes empresas?

4. Você concorda com uma reforma da previdência que retire direitos dos trabalhadores/as?

Durante a semana da pátria, de 1º a 7 de setembro, brasileiros poderão opinar sobre o destino da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), no plebiscito popular "A Vale é nossa". O referendo é parte da campanha de mesmo nome que pede a reestatização da empresa. Estão ocorrendo debates por todo o Brasil e a organização já produziu um vídeo, que traz o histórico, informações e depoimentos sobre o processo de privatização de uma das maiores empresas do país.

Em maio de 1997, a Vale foi vendida pelo governo federal em leilão, por R$ 3,3 bilhões. Dois anos depois, a empresa teve um lucro anual de mais de R$ 1,2 bilhão. Hoje, a Vale é uma das maiores empresas da indústria de mineração e metais no mundo: seu valor de mercado está em torno de R$ 103 bilhões, segundo a última avaliação divulgada pela própria CVRD. Em 2006, suas vendas totais atingiram US$ 9,6 bilhões, dos quais US$ 6 bilhões em exportações.

O formato de consulta popular segue um modelo já utilizado em 2000, que questionou o pagamento da dívida externa, e em 2003, que colocou em xeque a entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Locais de votação serão montados em espaços como escolas, salões paroquiais e portas de fábrica, como nas mobilizações anteriores. "O plebiscito nos dá a oportunidade de exercer a democracia direta participativa, já prevista na Constituição como forma válida de manifestação da decisão do povo", argumenta Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales (SP).

Carlos Renato Monteiro, da secretaria operativa do comitê nacional da Campanha "A Vale é nossa", explica que a escolha das quatro perguntas – sobre a venda da Vale, o pagamento da dívida, a privatização de energia elétrica e a reforma da Previdência – estão ligadas por refletirem "os resultados de mais de 20 anos da agenda neoliberal, desde 1983, 1984". O outro motivo é tático: cada uma das questões têm mais ligação com um dos movimentos sociais que participam da organização da consulta popular. "Para o MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], por exemplo, a pauta da energia está mais próxima. Por outro lado, para os sindicatos é mais fácil começar a discutir pela questão da Previdência dos trabalhadores", exemplifica. Ele ressalta que todas as perguntas guardam conexão com o cotidiano da população. "O trabalhador pagar R$ 0,60 enquanto uma empresa paga R$ 0,06 pela mesma unidade de luz é uma coisa próxima para as pessoas."

Carlos Renato justifica a parcialidade embutida já na própria redação dada às perguntas (veja quadro). "Não existe imprensa, política ou nada que seja imparcial", expõe. "Além disso, o que estamos fazendo é uma campanha para anular o leilão da Vale. Depois da eleição, a campanha continua." Ele admite que as questões estão extensas, "mas os conteúdos são importantes". "Tirar uma parte delas, para torná-las mais simples, poderia prejudicar o entendimento do contexto em que as questões se colocam – de serem resultado das soluções neoliberais para o Brasil", conclui.

Os organizadores não têm uma meta de participação definida, mas esperam ampliar os números do último plebiscito contra a Alca, realizado em 2003, que somou dez milhões de votos. Em uma pesquisa que ouviu duas mil pessoas em 17 estados brasileiros, divulgada em maio deste ano pelo Instituto GPP, 50,3% disseram ser favoráveis à retomada da Vale do Rio Doce pelo governo federal. 28,2% se declararam contrárias à retomada e 21,5% não souberam responder.

Pressão
Fátima Sandalhel, coordenadora no comitê estadual da Campanha em São Paulo, explica que o referendo quer, além de pressionar o governo para rever o leilão de 1997, realizar um "esforço pedagógico, para discutir questões como soberania nacional, gestão de recursos naturais e dívida externa". A idéia é a "formação de consciência" para que não haja outros casos como o da privatização da Vale no futuro.

Pela própria natureza da empresa (de exploração de recursos naturais subsolos), opina Dom Demétrio, a Vale deveria ter um caráter público inalienável. "As riquezas do país precisam estar a serviço de um projeto de desenvolvimento nacional." Para ele, o plebiscito é uma maneira de convocar a sociedade brasileira a se contrapor não apenas à venda da CVRD, primeira grande privatização, como à onda de neoliberalismo que se seguiu, com muitas outras vendas de estatais ao capital privado, como empresas de energia e que fornecem serviços básicos à população. "[A consulta] é um gesto salutar do ponto de vista político, porque oferece a oportunidade de se discutir um modelo de gestão do país."

No mesmo sentido, Fátima lembra que não basta que a venda da minerdora seja anulada. Para ela, é preciso assegurar que a estatal atenda aos interesses da população. "É uma maratona mesmo. Precisamos de muito fôlego porque é uma corrida de longa distância", compara. Em setembro, depois de apuradas as urnas, haverá uma grande mobilização popular para a entrega dos resultados da votação em Brasília (DF), para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ações
na Justiça

Os organizadores da campanha estimam que mais de 100 ações, de pessoas físicas ou jurídicas, questionam a legalidade do leilão da Vale do Rio Doce na Justiça federal. Todas elas foram transferidas para Belém, no Pará, ainda em 1997. Na avaliação de Fátima, essa decisão favoreceu explicitamente a CVRD, pois a empresa exerce grande poder político em nível regional. Um primeiro parecer sobre 76 processos já foi emitido, em dois blocos: sete foram julgados improcedentes e outros 69 foram extintos, sob o argumento de que os méritos das ações teriam se esgotado quando da realização do leilão.

Todas as ações, no entanto, ainda estão em andamento, mesmo dez anos após o leilão. Em 2005, uma decisão no Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília determinou, sobre os 69 processos extintos, que eles deveriam retornar à Belém para que fosse julgado o mérito. Também considerou ilegal a privatização e indicou uma auditoria para avaliar o patrimônio da Vale. A decisão trouxe boas perpectivas para os movimentos sociais que brigam para invalidar a privatização e deu fôlego à campanha do plebiscito.

As contestações judiciais do leilão da Vale do Rio Doce se baseiam em duas contestações principais. Uma é a série de ilegalidades ocorridas na privatização – como grupos que realizaram a avaliação do valor de mercado da empresa e depois participaram de sua compra. Outra é o preço pelo qual a então estatal foi privatizada na época, muito abaixo do valor real – seu patrimônio incluía dois sistemas completos de mina-ferrovia-porto e diversas jazidas de recursos minerais, sem contar recursos no caixa da empresa. "Queremos fazer valer a questão jurídica, mas com uma finalidade política", expõe Dom Demétrio.

A CVRD, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não se pronuncia sobre o plebiscito organizado pelas organizações populares. Também não comenta a ação judicial apresentada pela mineradora junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que alega que as ações tiveram tratamento diferenciado. A Vale pede, com base nesse argumento, que todas sejam consideradas improcedentes, como sete delas já o foram. O pedido pode ser julgado pelos ministros do STJ nas próximas semanas.

A campanha "a Vale é nossa" é organizada por entidades e movimentos sociais como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Via Campesina, Rede Jubileu, pastorais sociais, Central Única dos Trabalhadores (CUT), sindicatos, associações, organizações-não-governamentais (ONGs) e setores de partidos políticos – inclusive da base do governo.

Para conferir a programação nacional das atividades que preparam o plebiscito, conheça o site da campanha.

Veja o vídeo "A Vale é nossa":
Parte 1: http://br.youtube.com/watch?v=LM6oph1muCI
Parte 2: http://br.youtube.com/watch?v=qBEK1Wup0dw
Parte 3: http://br.youtube.com/watch?v=GfwlYZeVjF4

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