Programa atende 15% de libertados de condição análoga à escravidão

 18/08/2007

Bolsa Família é concedido só a 1.453 trabalhadores, apesar de promessa feita pelo governo em 2005. Acordo entre ministérios determina que libertado ganhe preferência e passe à frente de outros cidadãos que reivindicam o benefício

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA

Um ano e nove meses depois de o governo federal ter assumido o compromisso público de incluir no Bolsa Família os trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão, 85% dos libertados ainda não receberam a ajuda. Um termo de cooperação foi firmado em dezembro de 2005 entre os ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Social.

Dos 9.338 trabalhadores resgatados cujos dados foram cadastrados pelo governo, apenas 1.453 (15%) foram incluídos no programa -outros 317 não se enquadraram nos critérios e não ganharam o benefício.

O anúncio do compromisso aconteceu no lançamento da campanha "Erradicação do Trabalho Escravo", com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.

Assinaram o acordo os ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Luiz Marinho (então no Trabalho, hoje na Previdência Social).

A idéia era possibilitar que, uma vez liberto, o trabalhador tivesse uma renda mínima para poder procurar um emprego. Quando sua renda mensal ultrapassasse os R$ 120, ele deixaria de ganhar o benefício.

Para Patricia Audi, coordenadora do projeto de combate ao trabalho forçado da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, o valor dado impede que os trabalhadores aceitem emprego que possa levar a situação degradante.

"O Bolsa Família é uma das principais armas para evitar o aliciamento." Ela diz que não esperava que a promessa não fosse cumprida a curto prazo.

Até setembro passado -quase um ano após o anúncio- os resultados eram piores. Nenhum libertado havia sido incluído no programa.

Naquele mês, foi feita uma "instrução operacional" entre os ministérios. O documento especificava o que deveria ser feito para colocar em prática o acordo de dezembro de 2005. Só então a proposta deixou de ser uma promessa.

Segundo a lei que rege o Bolsa Família, cada município tem um limite de moradores que podem participar do programa. Normalmente, o número de famílias que se enquadram como possíveis beneficiárias ultrapassa esse limite. O acordo de 2005 já previa que os libertados ganhassem preferência. Eles podem "passar à frente" de outros que reivindicam o benefício. Assim, não correm o risco de, tendo o direito de receber o dinheiro, acabarem barrados.
Além disso, o ministério faz uma busca para encontrá-los -diferentemente dos outros cidadãos, que têm de buscar o governo para se inscrever.

Hoje, o cadastro dos resgatados começa no momento da libertação. São os fiscais do Trabalho que recolhem os dados e os enviam ao Desenvolvimento Social, que os repassa aos municípios. Os valores a serem recebidos vão de R$ 15 a R$ 95 mensais por mês e variam de acordo com a renda da família e com o número de crianças.

Localização do trabalhador atrasa processo

DA AGÊNCIA FOLHA

O Ministério do Desenvolvimento Social diz que o processo de inclusão dos trabalhadores libertados é demorado porque é difícil encontrá-los após o resgate.
Segundo a secretária nacional de Renda de Cidadania do ministério, Rosani Cunha, como a maioria dos trabalhadores é libertada em uma cidade, mas mora em outra, às vezes não é possível colocá-lo no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) -primeiro passo para a inclusão no Bolsa Família. "Como são resgatados em uma situação muito tensa, no meio de um ato de fiscalização, ele pode não falar o endereço correto."

Cunha diz que "demorou para que todos os processos funcionassem de maneira mais efetiva". Ela diz, no entanto, que, após a edição de uma instrução, em 2006, o trabalho "ganhou escala".

Segundo ela, os libertados são de 125 cidades diferentes, o que dificulta mais o processo, já que é preciso acionar o gestor do programa na cidade para que o trabalhador possa ser incluído.

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