Carvoarias que abastecem siderúrgicas do Pólo Carajás foram flagradas com trabalho escravo |
A partir de setembro, cinco das siderúrgicas que integram a "lista suja" do trabalho escravo terão 30 dias para mostrar que estão regulares perante as autoridades trabalhistas. Caso contrário, informa a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), elas deixarão de receber minério de ferro da empresa. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (29) por meio de nota divulgada pela empresa mineradora.
As guseiras citadas pela Vale são a Siderúrgica do Maranhão S/A (Simasa), Siderúrgica Marabá S.A (Simara), Viena Siderúrgica do Maranhão S.A (Viena), Itasider Usina Siderúrgica Itaminas S/A e Ferro Gusa do Maranhão Ltda (Fergumar). Essas empresas foram incluídas no cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por utilizarem carvão vegetal proveniente de carvoarias onde a fiscalização encontrou trabalhadores escravos.
À exceção da mineira Itasider, todas fazem parte do Pólo Carajás, que congrega siderúrgicas produtoras de ferro-gusa – matéria-prima para a fabricação de aço – localizadas no Maranhão e no Pará. A produção dessas empresas é vendida essencialmente ao mercado externo, sendo a Vale do Rio Doce responsável pelo fornecimento do minério beneficiado por essas usinas.
Os empregadores que são incluídos na "lista suja" permanecem nela por dois anos. A exclusão, por sua vez, depende de monitoramento do infrator durante esse período. Se não houver reincidência do crime e forem pagas todas as multas resultantes da ação de fiscalização – além de quitados os débitos trabalhistas e previdenciários -, o nome será retirado. De acordo com a Vale do Rio Doce, são exigidas das empresas documentos referendados pelo MTE que atestem o ajustamento das condutas caracterizadas como irregulares.
O ultimato às siderúrgicas da "lista suja" dá continuidade à política de restrições anunciada quarta-feira passada (22) às clientes da Vale que não respeitam as legislações ambientais e trabalhistas em vigor no Brasil. Na ocasião, a Vale do Rio Doce já havia anunciado corte a partir de 1º de setembro no fornecimento de ferro a duas companhias do Pólo Carajás – Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e Usina Siderúrgica de Marabá S/A (Usimar). Os motivos apontados são os passivos ambientais, também relacionados ao carvão vegetal, verificados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nessas duas siderúrgicas.
Nessa quarta-feira (28), contudo, a Vale voltou atrás e anunciou que também concederá prazo de 30 dias para Cosipar e Usimar comprovarem regularização ambiental e trabalhista em suas atividades. A Siderúrgica Ibérica do Pará S/A (Ibérica) – que não está presente na "lista suja" – é outra empresa de quem a Vale passou a cobrar as mesmas comprovações.
Além das empresas citadas, a Indústria e Comércio de Ferro Gusa União Ltda (Cofergusa) completa a lista das siderúrgicas presentes na "lista suja" do MTE. Ela não é, contudo, cliente da Vale do Rio Doce, de acordo com informações da própria mineradora.
Medida tardia
Presidente do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) – cidade maranhense que abriga algumas das siderúrgicas do Pólo Carajás – Carmem Bascarán acredita que, a médio prazo, a posição adotada pela Vale pode trazer reflexos positivos no combate ao trabalho escravo em carvoarias da região. "Essa medida já devia ter sido tomada há muito tempo", cobra.
Ela diz, no entanto, ter dúvidas se a real intenção da iniciativa é induzir melhorias trabalhistas, ou se, na verdade, trata-se de uma política de competitividade da CVRD – já que a própria Vale controla uma siderúrgica na região, a Ferro Gusa Carajás, e possui projetos para expansão de suas atividades na produção de ferro-gusa. Carmem acredita ainda que as sanções impostas pela mineradora devem ter como alvo todas as siderúrgicas da "lista suja". "Elas tiveram tempo suficiente para adequar-se às normas, fazer uma distinção agora não teria razão de ser", argumenta.
André Câncio, diretor presidente do Instituto Carvão Cidadão (ICC), defende a necessidade de que a CVRD analise aquilo que cada uma das siderúrgicas está fazendo para banir a escravidão de suas cadeias produtivas. Para ele, o setor vem se empenhando em buscar melhorias, compromisso assumido em maior ou menor grau dependendo de cada guseira. Entre as empresas mais comprometidas atualmente com o combate ao trabalho escravo, segundo ele, estão justamente as que integram da "lista suja" por conta de irregularidades verificadas no passado.
O ICC foi criado em 2004 e realiza fiscalizações periódicas nas carvoarias fornecedoras do Pólo Carajás. O diretor presidente do Instituto destaca que, desde então, mais de 300 carvoarias já foram descredenciadas por conta de problemas trabalhistas constatados pela entidade. "Os números mostram que o setor está fazendo investimentos maciços em infra-estrutura", defende. Ele afirma também que cresceu muito, nos últimos anos, a formalização dos trabalhadores nas carvoarias.
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