Pólo Carajás

Vale do Rio Doce anuncia corte de fornecimento a siderúrgicas

A partir de setembro, de acordo com a mineradora, terá início o corte do minério de ferro fornecido às guseiras que desrespeitam leis ambientais e trabalhistas. Cosipar e Usimar são as primeiras atingidas
Por André Campos
 23/08/2007

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), responsável pela extração do minério de ferro que abastece as siderúrgicas do Pólo Carajás, anunciou nesta quarta-feira (22) o corte no fornecimento para usinas que não respeitam as legislações ambientais e trabalhistas em vigor no Brasil. A decisão, válida a partir de setembro, terá a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e a Usina Siderúrgica de Marabá S/A (Usimar) como primeiras atingidas.

 
De acordo com o Ibama, uso de carvão de desmatamentos ilegais é problema generalizado na produção de ferro-gusa das siderúrgicas do Pólo Carajás (Foto: Carlos Juliano Barros) 

A posição da Vale se baseia em fiscalizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que apontaram passivos ambientais nessas duas empresas. De acordo com nota divulgada pela empresa, "a CVRD reafirma seu compromisso com o desenvolvimento sustentável das regiões onde atua, bem como o respeito às legislações em vigor."

Em abril deste ano, a Operação Apiti, encabeçada pelo Ibama, culminou na emissão de mais de R$ 150 milhões em multas às siderúrgicas produtoras de ferro-gusa de Marabá (PA), relacionadas principalmente à aquisição de carvão sem origem comprovada. No total, oito empresas foram inspecionadas, das quais cinco tiveram carvão apreendido – Cosipar, Usimar, Sidenorte, Simara e Sidepar. Em 2005, ilegalidades relacionadas ao carvão vegetal já haviam gerado multas ambientais de mais de R$ 500 milhões envolvendo guseiras tanto do Pará quanto do Maranhão.

A fabricação de ferro-gusa – matéria-prima para o aço – utiliza grandes quantidades carvão vegetal em seu processo produtivo. Levantamentos do próprio Ibama indicam que as siderúrgicas do Pólo Carajás consomem aproximadamente sete milhões de metros cúbicos anuais do produto, dos quais grande parte seria proveniente de desmatamentos ilegais.

"As empresas para as quais estaremos cortando o fornecimento de minério a partir do dia 1 de setembro são as mais reincidentes em termos de infrações no Ibama, e também são as que têm demonstrado, na prática, menos atenção para a correção, por exemplo, da questão do reflorestamento", afirma José Carlos Martins, diretor-executivo de Ferrosos da CVRD.

Ele próprio admite que boa parte desse pólo guseiro está operando na irregularidade, sendo o carvão de origem legal insuficiente para atender 50% da produção. De acordo com o diretor da CVRD, há a possibilidade de que a Vale do Rio Doce aumentar o número de empresas que não receberão minérios, caso elas não procurem se enquadrar à legislação. "Pela nossa avaliação, há empresas que estão muito comprometidas em regularizar a situação", diz. "E há empresas que não plantaram uma árvore até agora."

A diretoria da Cosipar, por meio de nota de esclarecimento, declara que o consumo de carvão da empresa não corresponde aos números levantados pelo Ibama. Segundo a empresa, a contabilidade do Instituto que aponta déficit de carvão vegetal regularizado é inadequada por não levar em conta, entre outros fatores, projetos de reflorestamento desenvolvidos pela companhia e novas tecnologias que permitem menor consumo dessa matéria-prima.

"A Cosipar afirma que está regular perante os órgãos ambientais Federal e Estadual e que acredita no entendimento com a CVRD para manter o seu relacionamento comercial existente há 21 anos", diz a nota. Procurada pela reportagem, a Usimar não retornou os pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.

Trabalho escravo
Além dos problemas ambientais, o fornecimento de carvão às siderúrgicas também é freqüentemente associado ao emprego de trabalhadores em condição análoga a escravidão na sua produção. Parcela considerável das libertações realizadas pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) têm ocorrido em carvoarias terceirizadas que, não raro, são fornecedoras das siderúrgicas. José Carlos afirma que as fiscalizações do MTE também serão utilizadas como base para possíveis decisões de corte no fornecimento.

A Vale do Rio Doce é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O documento reúne mais de cem empresas, entidades representativas e organizações da sociedade civil que se comprometem a dignificar as relações trabalhistas nas cadeias produtivas dos setores que tenham se envolvido com esse crime. A "lista suja" do trabalho escravo – cadastro mantido pelo MTE com os empregadores flagrados utilizando esse tipo de mão-de-obra – tem sido o principal instrumento de informação das ações dos signatários do Pacto.

Atualmente, quatro guseiras do Pólo Carajás – Viena Siderúrgica do Maranhão, Siderúrgica Marabá (Simara), Siderúrgica do Maranhão (Simasa) e Ferro Gusa do Maranhão (Fergumar) – estão presentes na "lista suja" do trabalho devido à prática desse crime em carvoarias que abasteciam seus fornos. Até o momento, no entanto, a Vale não anunciou nenhum corte no fornecimento de minério a essas empresas. Indagada pela Repórter Brasil se vai realizar cortes com base na "lista suja", a CVRD não se pronunciou sobre o assunto.

Os problemas trabalhistas enfrentados pelas siderúrgicas motivaram criação do Instituo Carvão Cidadão (ICC), entidade que congrega 14 empresas e que tem como objetivo central a regularização das relações de trabalho nas carvoarias fornecedoras do Pólo Carajás. Desde que foi criado, em 2004, o ICC já flagrou, nas fiscalizações que realiza, mais de 300 carvoarias desrespeitando a legislação trabalhista.

Em dezembro do ano passado, o diretor executivo da Vale, Tito Martins, já havia declarado que a empresa iria parar de vender minério às guseiras suspeitas de adquirir matéria-prima proveniente de mão-de-obra escrava. A renovação dos contratos de fornecimento para as siderúrgicas, segundo a mineradora, só seria feita com aquelas que possuíssem situação ambiental e trabalhista regularizadas. Segundo a Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), a maioria desses contratos termina e
m 31 de dezembro de 2008.

Signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo

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