Trabalho Escravo I

Entidades condenam interferência do Senado em fiscalização

Organizações lamentam interrupção das ações do governo e desqualificam lobby de senadores em favor da Pagrisa, de onde foram libertados 1.064 trabalhadores. Senador José Nery (PSol-PA) critica a postura dos colegas
Por Beatriz Camargo
 24/09/2007

Entidades do poder público e da sociedade civil envolvidas no combate ao trabalho escravo no Brasil reprovaram a manobra de um grupo de senadores que tenta deslegitimar a atuação do grupo móvel de fiscalização do trabalho do governo federal. Nesta segunda-feira (24), o Instituto Ethos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) se posicionaram publicamente contra o pedido de integrantes do Senado solicitando a abertura de um inquérito para investigar a ação fiscalizatória do grupo móvel, realizada em junho, que libertou 1.064 trabalhadores da fazenda Pagrisa, em Ulianópolis (PA).

Na última quinta-feira (20), cinco senadores – Jarbas Vasconcelos (PSDB-PE), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Kátia Abreu (DEM-TO), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Romeu Tuma (DEM-SP), que fazem parte de comissão externa formada especialmente para tratar da questão da Pagrisa – visitaram as instalações da fazenda, que cultiva cana-de-açúcar e mantém usinas de produção de álcool e de açúcar. Ao final da visita, porta-vozes do grupo declararam que as condições de trabalho na fazenda eram adequadas e colocaram em xeque o trabalho do grupo móvel. Em resposta à pressão sofrida pelos congressistas, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) suspendeu as operações do grupo móvel, que tinha inclusive operações marcadas para esta semana.

Em comentário à Rádio CBN, na tarde desta segunda-feira (24), o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Ricardo Young, definiu a atitude da comissão externa do Senado como um grande retrocesso. "Quando o Estado está justamente zelando pelas regras internacionais de trabalho decente, que foram estabelecidas inclusive pela OIT [Organização Internacional do Trabalho], o Senado, por causa de lobby empresarial, interfere nessa ação", critica. "A sociedade brasileira tem que estar bastante atenta aos desdobramentos dessa ação, porque não aceitamos mais o trabalho escravo e não podemos mais ser coniventes com a impunidade."

A coordenação nacional da CPT afirmou, em nota pública, que "o caso Pagrisa se tornou a bola da vez para os detratores do combate ao trabalho escravo, empenhados há tempo numa queda de braços com o governo federal visando acabar de vez com o poder de fogo da fiscalização do trabalho escravo nas terras do agronegócio". A entidade condenou ainda "a opção enganosa imaginada pelos detratores do combate ao trabalho escravo entre produzir a contento e garantir a dignidade do trabalho". "O auge do enfrentamento ocorre exatamente no momento em que vários estados, tambem interessados em se livrar da mancha vergonhosa da escravidão moderna associada à sua principal pauta de exportação têm anunciado planos para se juntarem à política federal de combate ao trabalho escravo e, com ela, somar forças (Maranhão, Tocantins, Bahia, Pará, Piauí e até Mato Grosso)", completou a nota da CPT.

"A Anamatra repudia qualquer forma de interferência do poder político na atuação de fiscalização do grupo móvel no Brasil, importante instrumento de efetivação dos direitos humanos", sustentou o presidente da entidade, Cláudio José Montesso. De acordo com o magistrado, com o anúncio de suspensão das atividades do MTE, "o Brasil e a Justiça do Trabalho perdem seus maiores aliados no combate à grande chaga social, o trabalho escravo". Cláudio lembrou ainda que todos os acusados da exploração criminosa do trabalho alheio têm ampla oportunidade de defesa perante a Justiça.

Rosa Campos Jorge, presidente do Sinait, também se declarou indignada com o tratamento dado aos auditores do trabalho "justamente quando eles cumprem sua missão". Para ela, a suspensão das ações do grupo móvel mostra o importante papel dos auditores fiscais e desmascara a intervenção "indevida, ilegal e injusta" do Senado sobre as atribuições de outro Poder.

"Aqueles que se arriscam para verificar o cumprimento da lei é que se transformaram em algozes? Fazer uma visita ao local já totalmente maquiado, meses depois de uma ação que flagrou trabalho escravo, e ainda acusar a fiscalização de falsidade ideológica é no mínimo um absurdo". Os auditores fiscais do trabalho estão reunidos no encontro anual da categoria, o Enafit, em Belo Horizente (MG). Uma nota oficial com o posicionamento do conjunto dos auditores deve ser divulgada nos próximos dias. Rosa Jorge disse ainda que a categoria vai cobrar de parceiros na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e de outras entidades sindicais que se juntem ao Sinait "pela defesa do trabalhador".

No próprio Senado
A postura do grupo de senadores recebeu críticas dentro da própria Casa Legislativa. Em comunicado oficial, o senador José Nery (PSol-PA), presidente da Subcomissão Temporária do Trabalho Escravo, foi incisivo: "Na contramão do esforço nacional contra o trabalho escravo, infelizmente, a Comissão Externa do Senado optou por uma postura de alinhamento incondicional aos interesses da empresa denunciada, sem que houvesse o menor senso de equilíbrio e pluralidade que um caso desta complexidade exigia".

Segundo José Nery, a recusa da maioria dos integrantes da comissão externa temporária em aceitar a presença de representantes do próprio grupo móvel, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Conatrae na visita à Pagrisa causou-lhe "consternação". "Recusada essa preliminar básica, julguei que não estavam dadas as mínimas condições para que pudesse me integrar aos trabalhos da Comissão, posto que se orquestrava um palco para a desqualificação e enfraquecimento das ações desenvolvidas no âmbito da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho, tão competentemente coordenada pela secretária Ruth Vilela", prosseguiu.

O senador se comprometeu ainda a convocar, para esta semana, uma reunião em caráter de emergência da subcomissão que preside para debater e deliberar um conjunto de medidas que contribua para o imediato restabelecimento das ações de combate ao trabalho escravo. Anunciou também que entrará em contato com o ministro-chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi, para solicitar a convocação, no prazo mais curto possível, de uma reunião da Conatrae, a fim de adotar providências para garantir as condições de segurança e de respaldo institucional ao grupo móvel de fiscalização.

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