Lupi: Senadores intimidam, mas não impedem fiscalização

 27/09/2007

Em entrevista exclusiva a Paulo Henrique Amorim nesta quinta-feira, dia 27, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, disse que, apesar da intimidação dos senadores, o Grupo de Fiscalização Móvel do ministério continuará a autuar fazendas onde há trabalhadores em situação análoga à de escravos (clique aqui para ouvir o áudio). "Os fiscais fizeram a sua tarefa", afirmou Lupi.

Em junho, o Grupo de Fiscalização autuou uma fazenda em Ulianópolis (Pará) e libertaram 1.064 trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão. Na quarta-feira, dia 26, um grupo de senadores visitou essa fazenda e criticaram os fiscais, já que não encontraram nenhuma ilegalidade no local.

Lupi disse que os senadores não viram nada de errado porque visitaram a fazenda quatro meses depois da visita dos fiscais. "É claro que depois de quatro meses (…) os trabalhadores não estão mais lá, porque eles foram libertados e não é permitido voltar", explicou Lupi.

"Está tudo filmado, fotografado, os fiscais geraram 18 volumes com mais de 500 páginas cada volume, com todos os depoimentos", disse Lupi sobre a autuação da fazenda pelos fiscais.

A comissão que visitou a fazenda é formada pelos seguintes senadores:
Kátia Abreu (DEM-TO)
Flexa Ribeiro (PSDB-PA)
Romeu Tuma (DEM- SP)
Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE)
Cícero Lucena (PSDB-PB)

Leia a íntegra da entrevista com o ministro Carlos Lupi:

Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi do PDT. Ministro, como vai o senhor, o senhor vai bem?

Carlos Lupi – Graças a Deus muito bem, com saúde e o resto é trabalho.

Paulo Henrique Amorim – Ministro é o seguinte. Diante do que aconteceu com a visita de senadores à uma fazenda numa região suspeita de estar havendo trabalho escravo eu pergunto: existe o perigo de o trabalho do Ministério do Trabalho de coibir o trabalho escravo no Brasil acabar?

Carlos Lupi – Nenhuma hipótese, Paulo. Porque, o que aconteceu foi uma constatação feita a cerca de quatro meses atrás do que nós chamamos de Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, que é composto de auditores ficais, sempre acompanhados pelo Ministério Público, Polícia Federal, OAB, sempre acompanham essas atuações do Ministério do Trabalho com sua equipe móvel, órgãos e entidades civis organizadas. Então, esse ato feito lá nessa fazenda, no interior do Pará, foi a décima incursão da atividade do grupo móvel nessa região, especificamente nessa empresa. Já tinham sido encontradas, em outros momentos outro tipo de transgressões, mas todas elas que não davam ainda conotação de trabalho, análogo, escravo, parecido com escravo ou semi-escravo. Dessa vez, os auditores fiscais, que são fiscais de carreira, são quadros de carreira de Estado, eles não podem ter nem interferência do ministro, eu como ministro que sou o chefe imediato deles não posso dizer a um fiscal onde ele deve e onde ele não deve fiscalizar, porque se não eu estou tolhendo a sua atuação na fiscalização, eu estou direcionando ou evitando que eles atuem com independência. Então, essa foi uma atuação de rotina, foi constatada nessa fazenda que é mais ou menos uma hora a pé o local onde estão os canaviais para a usina de açúcar. Então, nesse local foram autuados mais de mil e cem trabalhadores que registraram com a presença de delegado da Polícia, de escrivão da Polícia, da Polícia Federal, Ministério Público, todos esses órgãos juntos um depoimento filmado, fotografado, geraram 18 volumes com mais de 500 páginas em cada volume com todos esses depoimentos, com vários tipos de constatações, de infrações na legislação, que vão desde água suja que colocavam para o trabalhador beber até aposentos onde passava o esgoto aberto, dentro do aposento do trabalhador e assim por diante. Farmácia interna da empresa que vendia produto custando duas três, quatro, cinco vezes o preço normal, armazéns que vendiam o produto para o trabalhador e, no final do mês, o trabalhador em vez de receber o salário tinha que pagar ainda uma diferença que devia à empresa. Coincidiu na época da Amazônia, aquele seriado que passou na televisão. Então, esse foi um trabalho sério, um trabalho feito com um acompanhamento público. Inclusive ontem, por coincidência, no dia em que eu fui lá prestar alguns esclarecimentos para a subcomissão de combate ao trabalho escravo a juíza Federal lá da cidade do Pará, na cidade de Macapá, ela acatou a denúncia do Ministério Público ele hoje eles têm uma ação criminal contra essa empresa. Então, os auditores fiscais fizeram a sua tarefa. É claro, depois da visita, foi quatro meses do ocorrido, eles visitaram a usina. A usina é realmente de primeiro mundo, a usina, para você ter uma idéia, tem o chão dela de pedras, você tem ar condicionado. Mas não é na usina onde libertamos esses trabalhadores. Esses trabalhadores foram libertados há uma hora a pé que eles que tinham que andar aonde eles cortavam a cana-de-açúcar. É claro que hoje eles não estão mais lá porque eles foram libertados e não é permitido voltar a esse tipo de atividade enquanto estiver a interdição do Ministério do Trabalho. Então, se sentindo ameaçados por essa presença, de fora, estranha atuação normal dos auditores fiscais é que eles fizeram uma reunião, fizeram um comunicado a mim, como ministro, que estavam se sentindo inseguros em continuar nesse trabalho do Grupo Móvel por causa dessa ação externa que tolhe a sua liberdade de ação. Então, eu fui ontem na Subcomissão de Trabalho, apresentei esses 18 livros de relatório, fotos, livros, toda a comprovação, está demonstrado inequivocamente a idoneidade do trabalho feito pelo grupo de apoio, que são os auditores fiscais. Estou agora reunido com a Advocacia Geral da União, vamos pedir garantias para que o trabalho dos auditores possa continuar e após dar essa continuidade, se eles tiverem garantias da Polícia Federal, da Advocacia Geral da União, porque se não eles não se sentem seguros para continuar esse trabalho. Depois da conversa com eles, eu acho que na semana que vem, teremos essa situação definida.

Paulo Henrique Amorim – Agora, uma pergunta, eu estou tendo dificuldade de ouvi-lo perfeitamente, então eu vou fazer mais uma pergunta só e não quero abusar da sua paciência. Mas, esse grupo liderado pela senadora Kátia Abreu, e do qual faz parte também o senador Flexa Ribeiro, um de Tocantins e outro do Pará, esse grupo pode, de alguma maneira, tolher o trabalho que o seu Ministério vem fazendo ou não?

Carlos Lupi – Não tem esse pode, porque essa tarefa é do Poder Executivo e
os auditores, com já lhe falei, são cargos de carreira de Estado que não podem ser impedidos da sua atuação. É a mesma coisa do que eu, como ministro, impedir a atuação dos fiscais da Fazenda, ou qualquer ministro fazer isso, não é republicano, isso não é possível. O que acontece é uma intimidação pública, porque, a partir do momento que alguns senadores vão e dizem que aquilo é a oitava maravilha do mundo isso está, praticamente, condenando a ação dos auditores ficais feitas há quatro meses atrás. Então, nós agora estamos dando todas as garantias, temos hoje aqui a presença de seis senadores da Comissão de Combate ao Trabalho Escravo, alguns deputados federais, tivemos o apelo de várias instituições federais, Ministério Público, Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e vamos, agora dialogando com os auditores ficais, tentar ver se a gente agora volta o mais rápido possível ao trabalho do combate ao trabalho escravo que ainda existe, infelizmente, no Brasil.

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