Menina brinca no lixão em Santana do Parnaíba (SP) (Foto: Iolanda Huzak) |
Madalena é uma garota ativa e interessada em todo o tipo de assunto. Um dia, ao ver uma exposição sobre trabalho infantil, ela fica emocionada e resolve agir. Visita um lixão na Grande São Paulo e conhece crianças que vivem da exploração do lixo. De sua experiência, ela escreve um jornalzinho, que é afixado nos murais da escola.
É dessa maneira que o livro infanto-juvenil "Trabalho Infantil: o difícil sonho de ser criança", aborda esse assunto árduo, mais ainda existente no Brasil. No início da década de 1990, o país tinha 8,4 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e dezessete anos trabalhando, segundo dados de 2001 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, embora as práticas de combate ao trabalho infantil estejam avançando no país, ainda haja cinco milhões de crianças e adolescentes nessa situação.
A publicação é assinada pela escritora Cristina Porto, autora de muitos outros livros infantis, em parceria com a jornalista Jô Azevedo e a fotógrafa Iolanda Huzak, que fizeram toda a pesquisa e fotos e têm larga experiência no assunto. O livro integra a coleção "Que mundo é esse?", da Editora Ática e já está na terceira reimpressão.
Contágio
A partir da história de Madalena, o leitor entra em contato com o mundo que envolve o trabalho infantil. Como num efeito dominó, o engajamento de Madalena passa a envolver sua casa, seus amigos e toda a sua escola: a idéia de saber mais sobre o trabalho infantil torna-se, assim, a missão de um grupo formado por estudantes e ajudado por professores, funcionários e até pelo pipoqueiro que trabalha em frente ao colégio.
O grupo se divide para escrever várias edições do jornal, batizado de "Nosso Jornal", cada uma delas abordando um tipo de trabalho em que crianças são exploradas. Com esse recurso, o livro expõe dados sobre quantas crianças estão envolvidas no trabalho infantil e em quais regiões do país.
De forma didática, é possível conhecer a realidade dos pequenos trabalhadores que sobrevivem de lixões, olarias, britagem de pedras, produção de carvão, extração de resina e de fibras de sisal, plantações de babaçu, trabalho em fábricas, nas casas, na rua e nas lavouras de tomate, café e cana-de-açúcar.
No entanto, mais do que a dura realidade dessas crianças, que vêm expressas em entrevistas com as próprias crianças ou com seus pais, há uma preocupação de Cristina Porto em ressaltar as iniciativas que são tomadas para contribuir com a erradicação do trabalho infantil. Com isso, o livro, apesar da temática complexa e de difícil solução, deixa a sensação de que todos podem fazer algo. "O que as pessoas podem fazer é, no mínimo, denunciar, contar para todo mundo", considera Cristina. "A própria iniciativa da Madalena de fazer o jornalzinho já dá uma dica de como eles [leitores] podem fazer alguma coisa."
Ficção e Realidade
O livro "Trabalho Infantil: o difícil sonho de ser criança" se divide em ficção e realidade, inclusive com um tratamento gráfico diferente das duas partes. O assunto já havia sido abordado numa publicação da mesma equipe, em "Serafina e a criança que trabalha", mas para crianças menores. "A princípio, eu tinha apenas que transformar o material da Jô e da Iolanda num material infantil e o jeito que consegui fazer isso foi contando a história da Madalena", conta.
As informações e os dados já estavam ali para virar livro. Porém, para entender melhor como deveria transmitir a emoção para sua personagem Madalena, Cristina Porto foi a campo: visitou um lixão em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo e a extração de sisal em Valente, no interior baiano. Em Santos (SP), ela conheceu o trabalho feito na zona portuária, onde há muita prostituição infantil, às vezes com meninas de até nove anos. "O que está lá no livro, eu vi. Senti de perto como é a realidade dessas crianças que vivem e trabalham em condições desumanas."
Cristina concorda que o assunto é árduo, mas precisa ser tratado entre as crianças. "É triste, mas é a realidade, tem que mostrar, da melhor maneira que puder. Criança não tem que ouvir só coisa leve. A forma de tratar e a linguagem é outra coisa: há maneiras de falar do sentimento com certa ternura."
A escritora, que já publicou outros livros sobre esse tema, lembra que ele gera debates interessantes nas escolas e há exemplos de filhos que, ao trazer a temática para casa, conseguem uma mudança de postura dos pais. "Soube que uma menina que não sossegou enquanto seu pai, que era empresário, não abriu uma creche para os filhos dos funcionários."