Amazônia

Empresas e organizações sociais buscam delinear agenda sustentável

Encontro em Belém reúne organizações da sociedade civil, empresas públicas e companhias privadas em busca de uma agenda interssetorial mínima que possa superar a lógica do desmatamento e da degradação
Por Maurício Hashizume*
 06/11/2007

Belém – Uma nova articulação formada por organizações da sociedade civil, institutos de pesquisa e empresas do setor público e privado pode dar um sentido mais prático ao que até hoje não passa de conceito: uma agenda guiada pela sustentabilidade para o bioma amazônico. Nesta segunda-feira (5), teve início, na capital do Pará, o Fórum Amazônia Sustentável, que visa a construção de um pacto pelo estabelecimento de um modelo que não seja marcado pelo desmatamento da floresta, pela degradação socioambiental e pelo descumprimento dos direitos básicos da população amazônida.

O principal desafio do Fórum, nas palavras de Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), é transformar princípios comuns numa agenda mínima pactuada. "Não há mais tempo para negociações bilaterais [entre empresas e entidades da sociedade civil]. Precisamos de rapidez e escala", reforçou. O desmatamento já consumiu 17% da floresta amazônica e cerca de 20% das áreas que já estão descobertas se encontram em estado de degradação e abandono.

Entre os avanços verificados nos últimos anos, Adalberto destacou o incremento no nível de organização da sociedade civil, a criação de Unidades de Conservação (UCs), o monitoramento ambiental mais eficaz e o aumento de pressão por melhorias de padrões vinda de parte do mercado consumidor. De acordo com o diagnóstico apresentado por ele, no entanto, alguns obstáculos permanecem: as contradições do programa de reforma agrária governamental, as incertezas geradas pelas grandes obras de infra-estrutura que estão sendo propostas na região e a fragilidade das políticas de cunho econômico pró-floresta.

Com o propósito de ajudar na contextualização, Adalberto apresentou dados do estudo "O avanço da fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso", que confirmam a tese da existência de ciclos de crescimento econômico gerados pelo desmatamento são temporários e duram apenas de 12 a 16 anos. No levantamento, Adalberto e Danielle Celentano mostram que os municípios com mais de 90% de área desmatada apresentam índice de desenvolvimento humano (IDH) semelhante às localidades que mantêm a cobertura florestal. O incentivo econômico destoa apenas nos municípios sob pressão – que apresentam atualmente altos índices de desmatamento. "Ainda vivemos uma lógica da competição regulatória. Mesmo que um município não permita o avanço sobre a mata [para além da reserva legal, que permite o desmatamento de 20% das áreas na Amazônia Legal], outro certamente permitirá", conta.

O exemplo da distribuição de recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) foi utilizado pelo pesquisador do Imazon para ilustrar a lógica atual. Quase a totalidade do FNO (99%), o que equivale a R$ 1,5 bilhão, está sendo direcionada para o financiamento subsidiado de atividades econômicas que, direta ou indiretamente, derrubam as árvores. Apenas 1% do fundo provê o manejo florestal.

Ainda de acordo com Adalberto, existe uma diferença média geral de R$ 30 milhões de Produto Interno Bruto (PIB) entre os municípios sob pressão do desmatamento e aqueles de mesmo porte que permanecem com a floresta preservada. "Como podemos diminuir essa diferença? Esse é o dilema. Cortar crédito governamental desses municípios que desmatam pode ser uma das formas…", observa. "O ciclo do boom ao colapso não é uma fatalidade. É a história da Amazônia até aqui. E pode ser mudada".

Presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Ricardo Young frisou que o fenômeno do aquecimento global pode ter conseqüências ainda mais dramáticas para a região. "No entanto, grande parte da Amazônia permanece preservada. Não estamos falando de corrigir o que já foi feito, mas de fazer diferente desde o começo. Poucos países têm essa oportunidade", salientou. "A Amazônia está para o Brasil, assim como o Brasil está para o desenvolvimento sustentável. Se conseguirmos plantar a semente de um modelo diferente na Amazônia, podemos estabelecer um novo padrão não só para o Brasil como para o planeta".

Por causa de aspectos como a frágil institucionalidade característica da região, todos acabavam reféns de "soluções" de curto prazo propostas pelo governo da ocasião, pontuou Ricardo. "Uma questão de proporções amazônicas não pode ter respostas isoladas", disse, defendendo uma aliança entre a sociedade civil organizada (ONGs, movimentos de base e setor privado) "paciente e de longo prazo". "Fora da visão interessetorial, muito pouco pode ser feito".

Conhecimento tradicional e regularização fundiária
"Há 30 anos, uma pessoa na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, já pensava assim. Se o modelo não for mudado, o rio secará, a floresta acabará e a seca consumirá tudo. O nome dele era Chico Mendes", relembrou Júlio Barbosa, vice-presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) na abertura do Fórum Amazônia Sustentável.

A relação do homem com a floresta é profunda, enfatizou o dirigente do CNS. "O seringueiro sabe qual é o melhor período para extrair látex da seringueira. Sabe também quando é melhor cortar uma árvore para construir a sua casa. Dependendo da época, a possibilidade de dar cupim na madeira é maior, assim como existem períodos em que é maior a chance do tronco rachar no meio quando a árvore tombar. Na hora em que a floresta deixar de existir, os saberes e os conhecimentos dos povos da floresta também serão perdidos".

Uma das principais conquistas dos povos da floresta e da luta do próprio Chico Mendes foi a criação das Reservas Extrativistas (Resex) para uso sustentável de comunidades tradicionais. Esses territórios, coloca Júlio Barbosa, teriam tudo para fazer germinar um modelo de desenvolvimento alternativo. Existe, porém, um outro gargalo: a regularização fundiária. "Não basta assinar o decreto para a definição da área de preservação. E nem apenas a liberação da política de plano de manejo e a formação de conselho deliberativo. É preciso garantir a posse da terra e apenas quatro Resex tem mais de 90% de sua terra regularizada".

Fazem parte da comissão executiva do Fórum Amazônia Sustentável o Banco da Amazônia (Basa), a Federação das Organizações Ind&iacut
e;genasdo Rio Negro (Foirn), a Fundação Avina, a Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), o Grupo Orsa, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Instituto Ethos, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Projeto Saúde Alegria.

* O jornalista viajou a convite da organização do Fórum Amazônia Sustentável.

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