Consciência Negra

Para quilombolas, desenvolvimento depende de acesso à terra

Em seminário sobre desenvolvimento sustentável e geração de renda, comunidades quilombolas expõem dificuldade de obtenção do título de propriedade, que impede a implementação de projetos e políticas públicas
Por Beatriz Camargo
 21/11/2007
Quilombolas foram à Av. Paulista, em ato que reuniu 12 mil (Foto: Iberê Thenório)

Conseguir o título das terras e acesso a seus recursos, gerar renda e manter a identidade. Os três desafios da população quilombola foram discutidos, nesta quarta-feira (21), no seminário "Desenvolvimento sustentável e geração de renda", organizado pelo Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), na Secretaria de Justiça, em São Paulo (SP).

Como parte da programação de atividades do Dia da Consciência Negra, comemorado na última terça-feira (20), o evento contou com a presença de representantes de comunidades remanescentes de quilombos, acadêmicos, membros do governo federal, estadual e de organizações não-governamentais (ONGs).

Na visão dos quilombolas – que também participaram da manifestação do Dia da Consciência Negra na Avenida Paulista, venderam produtos e fizeram apresentações culturais na feira organizada no Parque da Água Branca -,
o conceito de desenvolvimento sustentável se mescla com o saber tradicional, nas práticas de uso e ocupação do solo. No entanto, eles sabem que a posse da terra é fundamental para a melhoria das condições de vida.

"Como podemos desenvolver um projeto de desenvolvimento sustentável sem a terra?", indaga Benedito Alves, o "Ditão", da Coordenação Estadual Quilombola e membro da comunidade de Ivapurunduva, no município de Eldorado, no Vale do Ribeira. Lea Sales, coordenadora-geral de apoio a grupos vulneráveis do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), endossa a raciocínio de Ditão. "Sem o título das terras, não dá para o governo federal construir nem uma casa de farinha."

A população quilombola, define Marcos Gamberini, coordenador técnico do projeto Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA), é protagonista da proteção da biodiversidade na região e de um novo tipo de desenvolvimento. "Cada comunidade tem uma característica e um potencial na Mata Atlântica a ser explorado. É um caminho novo, mas que só vai ser trilhado se as comunidades estiverem com o título da terra em mãos".

Novos caminhos
A sobreposição de territórios quilombolas e Unidades de Conservação (UCs) surge freqüentemente como um problema para a titulação. "Hoje se fala que o quilombo está dentro de um parque, e não o contrário. Nós ocupamos aquela área há 400 anos", critica Ditão. Para ele, contudo, mesmo com a posse terra, é preciso encontrar novos caminhos. "A nossa tradição de roça de sustento não comporta a situação de hoje".

Para desenvolver atividades sustentáveis e que gerem renda, porém, muitos obstáculos precisam ser contornados. A maneira como está redigida a versão original da Lei da Mata Atlântica, por exemplo, impede o manejo de diversas espécies nativas, entre elas a palmeira jussara, considerada a grande riqueza do Vale do Ribeira. "Ela sempre foi a riqueza daqueles de fora do Vale. O desenvolvimento sustentável na região passa por novos planos de manejo e pela exploração do palmito da jussara", aposta o professor Celso Lopes, coordenador do projeto de extensão "Comunidades Quilombolas" da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Enquanto a lei está sendo modificada no sentido de permitir manejos sustentáveis, já existem estudos sobre o uso da polpa da fruta da palmeira, parecida com o açaí.

Hoje, os principais projetos de geração de renda estão relacionados à produção de palmito da jussara e banana orgânica – sobretudo no Vale do Ribeira -, ao artesanato e ao turismo étnico-cultural. "As comunidades precisam transformar essa manifestação cultural importante em negócio", pontua Marta Maria Mendes, coordenadora de artesanato do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). "O artesanato quando comercializado dentro da comunidade, para turistas que viveram a experiência ali, tem um alto valor. Fora da comunidade, o produto tem o valor que o mercado quer" No evento, Marta se comprometeu a buscar alternativas de programas específicos para comunidades quilombolas.

Agenda quilombola
Ditão lembrou a diferença entre assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e quilombolas e pediu um tratamento diferenciado. "Nós que somos de lá é que somos os técnicos de lá. Não adianta levar técnico para ensinar a gente a trabalhar", critica João Forte, da comunidade de Bombas, localizada no município de Iporanga, também no Vale do Ribeira

Isabel dos Santos, gerente de desenvolvimento de produção e renda do Itesp, admitiu que essa é uma preocupação do órgão, que vai investir na formação dos técnicos para trabalhar no contexto de remanescentes de quilombos. "Assentados são pessoas unidas pela vontade de ter terra para plantar. São essencialmente agricultores. Os quilombolas estão unidos por uma identidade e vivem lá há séculos. Não somos nós que vamos dizer o que vai ser plantado". O Itesp contará em 2008 com um orçamento de R$ 6 milhões, valor que o próprio órgão considera insuficiente para atender quilombolas e assentados em todo o estado. "Precisamos da força política das comunidades quilombolas para pressionar o governo a aumentar esse repasse", comenta Isabel.

No plano federal, o governo fez do Dia da Consciência Negra a data de lançamento da "Agenda Quilombola", que vai destinar R$ 2 bilhões do orçamento para o cumprimento de metas por parte de 14 órgãos federais até 2011. Serão investimentos em acesso à terra, infra-estrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos de cidadania. A rubrica de regularização fundiária contém cerca de R$ 300 milhões para reconhecimento, demarcação, titulação de terra e pagamento de indenização aos ocupantes.

"Esperamos que boa parte deste dinheiro venha para o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] desapropriar os fazendeiros que estão em terras quilombolas", afirma Marcelo, do Isa. Até agora, o Incra não fez nenhuma desapropriação em prol de comunidades quilombolas no estado de São Paulo. O Itesp concedeu títulos a seis comunidades em terras devolutas (públicas) e reconhece, no total, 21 – em processo de titulação. De acordo com o movimento quilombola porém, há cerca de 100 territórios remanescentes de quilombos no Estado de São Paulo.

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