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Santo Dias: uma história de vida que promete não ser esquecida

Morto pela polícia militar em 1979, Santo Dias virou sinônimo da luta operária contra a desigualdade; quase 30 anos depois, uma pequena multidão ainda se reúne no local do crime para não deixar apagar a memória do militante

Amigos de Santo Dias da Silva pintam a rua para relembrar a luta do operário

Os companheiros dele ainda voltam ao local da sua morte, 28 anos após o tiro pelas costas que encurtou a sua vida, e reforçam, com tinta vermelha, a inscrição no asfalto: "Aqui foi assassinado, pela Polícia militar, às 14h, o operário Santo Dias 30-10-1979+".

O rito ocorre todos os anos desde que Santo Dias da Silva, operário e militante da Pastoral Operária, foi morto pela Polícia Militar em frente à fábrica Sylvania, na Zona Sul de São Paulo. O crime aconteceu enquanto Santo Dias distribuía panfletos convocando operários para uma greve.

Na última terça-feira (30), cerca de 80 pessoas compareceram à antiga portaria da fábrica, que nem está mais lá. A maioria tem cabelos brancos, já passando dos 60 anos, mas continua, de alguma forma, o trabalho deixado pelo operário: "É importante não deixar apagar a chama", afirma o companheiro de luta Nelson Nakamoto, 55, que hoje trabalha na Agência de Desenvolvimento Solitário da CUT.

Depois de pintar o chão, os amigos seguem para o Cemitério de Campo Grande, a poucas quadras dali. No cruzamento com a Av. Nossa Senhora do Sabará, comerciantes se aglomeravam nas portas para ouvir a música: "Companheiro Santo / você está presente / no coração do povo / na voz de nossa gente".

Estandartes de outros mártires, como Chico Mendes e Irmã Dorothy, são colocados ao pé do túmulo de Santo Dias, onde o padre Jaime Crowe, 62, reza uma missa. Quase três décadas depois do assassinato, a memória do lavrador que veio de Terra Roxa (SP), transformando-se depois em operário e lutador, ainda tira lágrimas de alguns amigos.

Desde 1979, caminhada percorre trajeto entre o local do assassinato e o túmulo de Santo Dias

Anos de chumbo
A história de Santo Dias se cruza com a de vários líderes da esquerda brasileira que fundaram o Partido dos Trabalhadores (PT), criado três meses após o assassinato do operário. Muito ligado à Igreja Católica, Santo militou, nos anos 60, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Na década seguinte, ajudou a fundar a Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo e, em plena ditadura, participou do Movimento do Custo de Vida, exigindo preços mais baixos e salários mais altos para os pobres. Em 1978, chegou a disputar, pela oposição, a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, mas não venceu.

Em outubro de 1979, pouco depois da edição da Lei da Anistia, Santo era um dos líderes de uma greve que reunia cerca de seis mil metalúrgicos em São Paulo. Em uma panfletagem em frente à fábrica Sylvania, a polícia tentou prender alguns de seus colegas. Num momento de tensão, o PM Herculano Leonel o baleou pelas costas. Santo tinha então 37 anos. Deixou dois filhos e esposa.

A morte do operário ajudou a fervilhar o clima pelo fim da ditadura. Dezenas de milhares de trabalhadores – alguns veículos citam 15 mil, outros 30 mil – compareceram ao velório de Santo Dias na Catedral da Sé, em 31 de outubro daquele mesmo ano. "Quase nada está certo nesta cidade, enquanto houver duas medidas: uma para o patrão, outra para o operário.", discursou Dom Paulo Evaristo Arns, presidindo a missa de corpo presente.

Também estiveram lá líderes da oposição ao regime militar, como Hélio Bicudo, Luiz Eduardo Greenhalgh, e Perseu Abramo, além de dois políticos que ainda iniciavam sua trajetória: Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

No cemitério de Campo Grande, lápide chama antenção entre os jazigos mais pobres

A virada do jogo
Em vez de calar  os operários, a morte de Santo Dias fortaleceu a voz e a força daqueles que trabalhavam no chão da fábrica. Família, amigos e companheiros logo criaram o Comitê Santo Dias, para pressionar pela condenação de Herculano Leonel e não deixar a história cair no esquecimento.

O PM foi condenado a seis anos de prisão em 1982, mas recorreu e o processo foi arquivado. A história de Santo Dias, não. Seu nome imortalizou-se em ruas, parques, pontes e no Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

Vida do operário foi traduzida em livro por Luciana Dias, Jô Azevedo e Nair Benedicto

Em 2004, sua filha Luciana Dias, a jornalista Jô Azevedo e a fotógrafa Nair Benedicto lançaram o livro "Santo Dias – Quando o passado se transforma em História". Na obra, elas registram a biografia do líder operário e analisam o contexto do movimento sindical no final da ditadura.

Entre as dezenas de parentes e amigos que comparecem todo dia 30 de outubro à missa sobre a lápide de Santo Dias, alguns comemoram conquistas – como a liberdade que veio com a abertura política – e muitos ainda lutam por necessidades que não foram satisfeitas. "Santo morreu pensando que 28 anos depois a violência teria diminuído, acabado. Minha prece é a de que ele realize seu sonho de paz", declara Mauro de Queirós, 75, companheiro da Pastoral Operária.

Todos, contudo, reafirmam a lição que dizem ter aprendido do operário, como lembra o ex-metalúrgico Eutrópio Barbosa, de 60 anos: "Ele sempre dizia que, se um dia faltássemos, era necessário que houvesse outras pessoas para continuar nosso trabalho.". São mais de setenta, quase três décadas depois que Santo Dias se foi.


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27 Comentários

  1. Firmina

    Que o resultado desses assassinatos que continuam acontecendo seja semente para continuarmos a luta dos nossos mártires, nunca medo e silêncio. Linda matéria! Parabéns.

  2. Carlos

    Olá, sou filho de Herculano Leonel, o PM acusado da morte de Santo Dias da Silva.Até onde eu sei meu pai foi ACUSADO e, não condenado por falta de provas; alguns sites de notícias publicam com o nome do meu pai como autor do crime, o que não aconteceu, segundo o tribunal de justiça militar da época, mas, serão devidamente processados os que acham que publicar notícias levianas dê ibope.
    Deixo aqui meus sentimentos à família de Santo Dias da Silva, pois pelo o que eu leio era um bom homem.Eu não era nascido na época do brutal crime, contudo, consigo imaginar o excelente trabalho que este bom homem realizava.

  3. Wagner

    Na verdade Carlos seu pai foi condenado e preso em primeira instância e anos depois conseguiu ser inocentado pelo Tribunal Militar porque estaria cumprindo seu dever. Infelizmente pra história, mesmo que acidentalmente, ele ficará como sendo o assassino. Pior que isso ainda, é que se não tivesse acontecido, dizem que o o Presidente do Sindicato seria o Santo e não LULA, como ocorreu, ou seja toda a historia seria diferente…

  4. alberto

    Acabei de ver o filme e é óbvio que este PM estava mancomunado com a sua Gangue PM a mesma que hoje em dia mata crianças mulheres e inocentes atirnado e perguntando depois. Que este Pm fique em cadeira de rodas e morra no inferno

  5. roberto mauro martini

    Tive a oportunidade de assistir ao documentário somente agora no dia 17/01, estou pensando em comprar o livro para me aprofundar mais na vida e luta do Santo. Com certeza o que se passou há trinta anos atrás ainda acontece hoje, mesmo com a ação dos sindicatos, o patrão intimida os trabalhadores, e estes com medo de perderem seus empregos acabam cedendo. Santo é um exemplo para essa meninada que está começando hoje, seja na empresa ou na vida sindical.

  6. Betto Ferreira

    Santo Dias também é nome de uma escola estadual que fica no Jd. Guanhembú, zona sul de São Paulo. Os alunos da escola, alíá, estarão o homenageando na Câmara de Vereadores no dia do aniversa´rio de sua morte.

  7. Vivian

    é uma pena que uma luta tão importante esteja sendo apagada da memória. Ler que poucas pessoas vão homenagea-lo eu acho até uma ofensa pra quem dedicou sua vida em prol de um ideal.

  8. nomnomnom

    O fato verdadeiro, é que na Reunião realizada na Rua Vitor Manzini esquina com a Rua Cristalino Rolim de Freitas no primeiro andar em 29/10/1979 ficou decidido que no dia seguinte (30/10/1979) teria que surgir um cadaver. O autor da Ideia chamava-se Arnaldo Alves, e Santo Dias foi o primeiro a defeder a tal ideia, obviamente não sabia que ele acabaria sendo o cadaver, e hoje o Arnaldo Alves passa pro problemas de saúde. CASTIGO DE DEUS.

  9. Luiz Carlos Ferreira Junior

    Acho muita “GRAÇA” em nenhum momento o nome do meu pai é lembrado. Se tiver q me perguntar quem é! é sianl que nao sabe de nada.

  10. arnaldo alves

    Fui amigo do Santo Dias. Conheci sua esposa e filhos após o seu assassinato. Participei da mesma greve que ele foi morto. Só que no instante estava em outro comando que se reunia na igraja da Penha. Conheci e participei de lutas e movimentos mesmo após a sua morte.Todas as lutas operárias e populares, também tive lá. Não como coadjuvante ou assistindo de camarote. Estou vivinho da silva graças à deus, mesmo a despeito de covardes que procuram por lama na hitória; minha do Santo do manuel Fiel Filho Aurélio Peres e tantos outros.

  11. Luiz Carlos Ferreira Junior

    Meu Pai viu muito bem o Herculano Atirando no Santo Dias.bom e esse filho do Herculano serve aquela velha frase “a maça nunca cai longe da Arvore”

  12. Eduardo oliveira

    sou universitario cursando serviço social assisti o filme e fiquei muito orgulhoso de um homen que deu sua propria vida em busca de um nova sociedade sem desigualdade parabens heroi

  13. Marcia Regina

    Luiz Carlos, sou filha do ACUSADO Herculano Lenel, você não sabe o que está dizendo me desculpa mais você está totalmente enganado como seu pai ao ver uma pessoa atiranto em Santo e disse ter sido meu pai, tenho todos os documentos provando a inocência dele, você tah por fora só podemos falar de alguem ou de algo quando temos certeza ,e foi provado que HERCULANO LEONEL NAO ATIROU EM Santo Dias da Silva ele foi absolvido em unânimi.

  14. HANNA SOARES

    A luta de santos Dias não foi em vão. Parabéns aos seus filhos e amigos que seguem com seu trabalho e na luta incansável contra essa raça chamada Poder. Se o policial foi inocentado, é óbvio que os mandantes eram do alto poder dos PM acumunados com o sistema capitalista podre. Ele não foi o único a morrer covardemente por essa corja. Muitos morreram e ainda morrem por essa luta.Um dia iremos ter consciencia de nossa força e venceremos por um mundo melhor, com justiça e Paz .
    “…Santo a luta vai continuar..os teus sonhos vão realizar..Por teus filhos vão contunuar..”

  15. Silvania Leite

    Eu nasci no dia 22 de novembro de 1979, poucos dias após a morte de Santo Dias,por isso que meu nome é Silvania em homenagem a esse grande homem do nosso país, que não se conformou e resistiu até sua morte, ao momento repressor e desumano da época, meu pai (que escolheu meu nome) foi metarlúgico e hoje é aposentado. Mesmo sendo criada num lar simples e humilde, cresci ouvindo os ideiais marxistas, da luta de classes socias em busca de uma sociedade democrática, por isso que escolhi trabalhar com a Educação, para continuar nesse luta, formando cidadãos críticos e que também não se conformem, mas sim transformem suas realidades.

  16. adauto pedroso

    NÃO SÓ O COMPANHEIRO SANTO TEVE SEUS SUSPEITOS ALGOZES LIVRES POR FALTA DE PROVAS,
    O QUE ME DEIXA FELZ É QUE HOJE VIVEMOS NUMA DEMOCRACÍA ESSA FRUTO DO SANGUEDERRADO POR SANTO E POR MUITOS DE NÓS E DO POVO QUE LUTAMOS TANTO POR ISTO.
    COMPANHEIRO SANTO VOCE ESTÁ PRESENTE.
    VINGANÇA NÃO LEVA A NADA.

  17. Carlos A. Bresciani

    Não tenho a intenção de defender ou acusar alguém relacionado a matéria referente a Santo Dias da Silva operário que lamentavelmente foi morto enquanto fazia a distribuição de panfletos de convocação de greve.
    Gostaria de evidenciar que nada justifica qualquer tipo de violência, contudo; gostaria de relatar que conheci Herculano Leonel e trabalhei com ele entre 1985 e 1988 e posso dizer que pessoalmente sempre me pareceu um homem dócil, tranquilo, confiável e camarada, motivo pelo qual sou movido a acreditar que ele seria incapaz de ter praticado o ato de que foi acusado

  18. wandy adriane

    adorei o reporter brasil me ajudou muito com o meu trabalho de historia.valeu mesmooooo;p.wandy

  19. wandy adriane

    adorei o reporter brasil me ajudou muito com o meu trabalho de historia.valeu mesmooooo;p.wandy

  20. Rogério Diniz

    É triste, ver que hoje em dia 2012.
    Tem pessoas que insistem em inverter os papeis, em crucificar a LEI e apoiar o CRIME.
    Lamentavel

  21. 123...456

    LUIZ CARLOS FERREIRA JUNIOR – 01/04/2010 – 15h26
    Meu Pai viu muito bem o Herculano Atirando no Santo Dias.bom e esse filho do Herculano serve aquela velha frase "a maça nunca cai longe da Arvore"……REALMENTE: KAGUETA PAI …KAGUETA FILHO"

  22. Pedro V. Sousa

    Dia 29 de Outubro de 1978, Rua Vitor Manzini esquina com Rua Cristalino Rolim de Freitas, andar superior, dia e local onde ficou decidido que no dia seguinte (30/10/1978) seria necessário um cadáver, pois o movimento estava ficando muito sosso e a imprensa já não estava dando a cobertura esperada, portanto um cadáver era a esperança de levantar o movimento, o cadáver acabou sendo o de Santo Dias, mas que poderia ser um outro qualquer, nesta reunião de 26 pessoas, não foi indicado o mártir.
    Portanto . . .
    Estes são os fatos, o resto é falação

  23. Jair Felisbino

    Gostaria de saber como posso ter acesso as musicas feitas em homenagem a morte de Santos Dias a tempos atras. Muito obrigado.

  24. rudnei de oliveira

    Pois é filho do Herculado, precisa saber mais! É difícil para um filho ADMITIR que o pai foi um ASSASSINO, compreendo! Porém, seu pai foi condenado em primeira instância e depois absolvido pela Justiça Militar (parece piada né .. Justiça Mil…num período de governo militar). Pois é, é seu fardo, o meu é de um herói!

  25. Antonio de Barros

    Herói nesse historia só se for o Papai Noel, como vc é infantil Sr.Rudei de Oliveira eu teria vergonha do seu pai…Na verdade tudo isso é meio de vcs ganharem dinheiro encima de uma historia fantasiosa, Santos Dias nunca foi nenhum herói nem aki nem na China era um bracinho curto grevista. Que deu um tiro no próprio pé quando defendeu a ideia do Sr.Arnaldo Alves que haveria de ter um cadáver, segundo nosso amigo há cima que posto isso o Sr.NOMNOMNOM no dia 31/01/2010.

  26. Donizetti Rod. Santos

    Srs: felizmente estamos falando de uma parte da historia que sem dúvidas foi muito importante para os dias de hoje, se vivemos numa democracia tudo foi em prol das lutas de pessoas como o Santo Dias e muitos outros, por isso devemos respeitar memorias deste passado e agradecer por seus feitos, pois encima destes fatos e feitos é que nossa democracia se faz, bem enraizadas, em cima de um alicerce forte e profundo, Se Santos Dias e muitos outro que derramaram seus sangue, irrigaram muito bem esta democracia por isso nossos filhos vivem em paz.
    Salve Santos Dias e outros HERÓIS anônimos Deus os cubram em seu Reino.

  27. ELIAS DE PAULA

    nossa fiquei emocionado com o relato do santo dia pessoa que lutou pelos direitos do perarios .
    hoje um marco na nossa história.
    conheci a escola ESTADUAL SANTO DIAS HOMENAGEMA ESSE LUTADOR.