Responsabilidade Social

Certificado para algodão mato-grossense recebe críticas

Processo de certificação não abrange toda a cadeia produtiva do algodão e não conta com a participação de todas as partes interessadas para a construção de critérios mais amplos, complexos e consensuados de responsabilidade social
Por Beatriz Camargo e Fernanda Campagnucci
 05/12/2007

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Instituto Algodão Social (IAS), que reúne produtores do Mato Grosso, firmaram uma parceria para certificar o cumprimento da lei trabalhista e a não utilização de mão-de-obra infantil ou escrava nos produtos do segmento. "Fico feliz com a confiança da ABNT no nosso trabalho. Não temos pressão de produtor, somos completamente independentes", comemora Félix Balaniuc, diretor executivo do IAS, braço da Associação Mato-grossense de Produtores de Algodão (Ampa).

A safra 2007/2008 será a primeira com fazendas certificadas pela ABNT. Segundo o IAS, 223 empresas já solicitaram adesão à certificação, de um total de 400 associadas à entidade. "O trabalho escravo é uma mancha, uma vergonha. Hoje os produtores percebem isso, enxergam de uma maneira diferente. Nosso setor é de elite, aquela figura debaixo da lona não faz parte da nossa realidade", ressalta o diretor executivo.

As normas foram elaboradas com base na Constituição Brasileira, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Código Penal e na Norma Reguladora (NR) 31."A nossa certificação vai contribuir para a erradicação do trabalho infantil e degradante, ao menos nas fazendas do setor no estado do MT", prevê Antônio Carlos de Oliveira, gerente de certificação da ABNT.

A iniciativa, porém, é vista com desconfiança por diversos setores. Segundo os críticos, a certificação que está sendo apresentada corre o risco de não ter o impacto almejado no mercado internacional, principal alvo dos produtores matogrossenses. Isso por que o selo de conformidade social – que simboliza a certificação proposta – não comporta toda a cadeia produtiva do algodão, mas apenas a parte do processo. "Na concepção moderna, está claro que o certificado não pode ser em apenas uma unidade, porque existe muita terceirização. Não adianta, por exemplo, a empresa-mãe ser modelo e ter problemas em estágios da produção fora da empresa", explica o economista Clóvis Scherer, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

Caio Magri, gerente de parcerias do Instituto Ethos, concorda. "Se não forem certificados os processos e a cadeia inteira, essa certificação terá pouca validade. A cadeia passou a ser um critério de co-responsabilidade reconhecido."

Outro problema apontado por Clóvis é que um processo de normas deve ser feito de forma transparente, envolvendo todas as partes interessadas do setor – como trabalhadores e consumidores, por exemplo. "A maneira como foram feitas as normas, partindo unicamente dos produtores, pode tirar a credibilidade dessa certificação."

Normas já existentes
Caio Magri argumenta que não haveria necessidade de criar mais um certificado, quando já existem critérios reconhecidos internacionalmente para a responsabilidade social que poderiam ser utilizados. Já Félix, do IAS, ressalta que as certificações ISO4001 e SA8000, aplicáveis ao setor, são muito caras. "O IAS está democratizando o processo, que era muito caro. Quem não tiver [certificado] vai estar em dificuldades, em dez anos o mercado vai exigir que as empresas façam isso", justifica. "Se o pretexto é o custo, esse custo é alto justamente porque é um processo muito bem feito", rebate o gerente de parcerias do Ethos.

Antônio Carlos, da ABNT, considera a iniciativa um avanço para o perfil do setor. "Deve-se olhar o segmento de mercado. A certificação de gerenciamento de responsabilidade social, a NDR16001, é impraticável no setor agrícola. É preciso dar passos. A iniciativa do IAS é pioneira e importante para o trabalho de conscientização dos produtores". O certificado, explica ele, não é apenas um selo que comprova o cumprimento das leis. "Estamos criando isso para dar mais visibilidade, o consumidor está cada vez mais exigente", conta. "Não é um selo. É muito mais importante do que isso. É um programa de responsabilidade social."

As normas de responsabilidade social, pondera Clóvis Scherer, do Dieese, são bastante complexas. "Não basta dizer que contrata trabalhador com carteira. Isso é a lei. A responsabilidade social tem um espectro grande de variáveis. Um setor não pode dizer que quer um certificado mais simples, inventar. Tem que ser fundamentado. Ou então não faz."

Auto-certificação
A iniciativa do selo surgiu em 2006 em resposta à pressão internacional, depois que auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram trabalho escravo e degradante em fazendas de algodão. As propriedades foram adicionadas à "lista suja" do trabalho escravo, que reúne empregadores que foram flagrados explorando mão-de-obra escrava. Inicialmente, o próprio IAS declarou que assumiria a tarefa de certificar seus associados, mas, diante das críticas recebidas, firmou parceria com a ABNT.

A associação trouxe sua metodologia e ajudou a definir critérios para a obtenção do certificado. São os próprios auditores do IAS, porém, que vão a campo fazer a checagem das condições e cumprimento das normas. A ABNT, então, escolhe algumas fazendas por amostragem para conferir a legitimidade dos dados coletados. "Eles escolhem as fazendas que vão visitar de acordo com a metodologia deles. O IAS não participa dessa etapa do processo", expõe Félix Balaniuc. "A ABNT é uma instituição idônea, que tem credibilidade. Confiamos no trabalho deles, que deverá ser feito da melhor forma possível. Mas a auditoria deve ser feita de forma totalmente independente", observa Caio Magri, do Ethos.

No próximo ano, o IAS pretende estender a parceria para o estabelecimento de normas para a certificação ambiental. "Esse é apenas o primeiro passo, vamos resolver os problemas gradativamente", projeta o diretor do Instituto.

Assinatura do Pacto
O Instituto Algodão Social ainda não é signatário do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Empresas e organizações que assinam esse compromisso – criado em iniciativa conjunta do Instituto Ethos, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Repórter Brasil – se comprometem a manter o trabalho escravo afastado de suas cadeias produtivas.

"Nossa posição é bem clara e definida, temos total interesse em assinar o Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo e pretendemos fazer isso em curtíssimo prazo. É só uma questão de entendimento. Faltou oportunidade. A nova diretoria assumiu há apenas um mês", justifica Félix.

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