Pecuária

Dez pessoas são resgatadas de trabalho degradante no Mato Grosso

Trabalhadores estavam alojados em instalações precárias e bebiam água de fonte barrenta e oleosa. Acordo prevê R$ 55 mil em danos morais coletivos; parte dos recursos pode ajudar a reativar cursos profissionalizantes na região
Por Beatriz Camargo
 17/12/2007

Dez pessoas foram resgatadas de trabalho degradante na Fazenda Pecuária Rainha da Paz, no município de Nova Monte Verde (MT), na região Norte do estado, no dia 7 de dezembro. A denúncia que resultou na fiscalização foi feita por cinco pessoas que saíram da propriedade por não concordarem com as condições oferecidas.

Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Alta Floresta (MT), Rafael Gomes, que chefiou a ação fiscalizatória, a água para beber era barrenta e tinha uma "oleosidade esquisita, provavelmente devido à proximidade de embalagens abertas de agrotóxicos". De acordo com relatos dos denunciantes, quase todos eles haviam passado mal por causa da água. Os trabalhadores, completa Rafael, não tinham qualquer tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI) para roçar o pasto e aplicar agrotóxicos. 

Os alojamentos apropriados da fazenda não eram utilizados pelos trabalhadores, que estavam instalados em barracos de lona sem energia elétrica nem sanitários em área próxima à frente de trabalho.

No dia 10 de dezembro, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o proprietário da fazenda, Milton Gaetano Junior. Além de regularizar as condições de trabalho na Rainha da Paz e em outras três fazendas de sua propriedade no estado, Milton desembolsou cerca de R$ 80 mil em rescisões trabalhistas. O descumprimento do acordo acarretará em multa de R$ 20 mil por mês.

Os cinco denunciantes tiveram seus contratos rescindidos, receberam o dinheiro devido e retornaram a Colíder (MT), município de origem dos mesmos. Para fazer a denúncia, abandonaram a fazenda após uma semana de trabalho sem receber nada. Percorreram a pé 30 km, da propriedade até a cidade de Nova Monte Verde. De lá, foram de carona até Alta Floresta. Apenas um trabalhador que estava com esse grupo decidiu ficar na fazenda.

Quando a fiscalização chegou ao local, uma nova turma de nove trabalhadores havia chegado há um dia, totalizando dez pessoas. Os resgatados foram contratados e devem continuar trabalhando até esta semana. "Garantido o local apropriado para alojamento, transporte e EPI, e considerando a vontade dos trabalhadores de permanecer, o trabalho continua. Mas se o combinado não for cumprido, a multa do TAC será pesada", avisa o procurador Rafael.

Parcerias
O acordo firmado prevê também o pagamento de R$ 55 mil em danos morais coletivos. O destino da verba ainda não está decidido, mas o MPT pretende utilizar parte desses recursos – cerca de R$ 15 mil – para reinstalar cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Alta Floresta, em parceria com a prefeitura do município. A idéia é que o Senai ofereça cursos profissionalizantes para jovens da região. O poder local já tem um terreno que poderia ser utilizado e, segundo o procurador, o Senai teria interesse em instalar uma unidade na região, mas a iniciativa está em fase de negociação.

De acordo com o procurador Jonas Moreno, coordenador nacional de combate ao trabalho escravo do MPT, não existe intenção de realizar uma parceria nacional com o "sistema S" (Sesi, Sesc e Senai), uma vez que os convênios são feitos geralmente com as prefeituras. No entanto, ele frisa que os acordos sempre trazem a preocupação de compensar o dano sofrido pelos trabalhadores, e a qualificação profissional está dentro dessa meta. "O que esperamos é que, no futuro, tenhamos trabalhadores qualificados que não se sujeitem à exploração."

Outra aplicação prevista para o dinheiro da indenização de danos morais é a compra de equipamentos para fortalecer a fiscalização estadual de trabalho – como computadores, carros e localizadores (aparelhos de GPS).

Falta de auditores 
A fiscalização foi realizada apenas pelo procurador do trabalho Rafael Gomes, acompanhado de dois policiais militares. De acordo com ele, a falta de auditores fiscais na região e a grande quantidade de denúncias fizeram com que o posto do MPT em Alta Floresta fizesse pelo menos dez operações com essa formação reduzida em 2007. "Sabemos que não é o ideal, é muito perigoso. Mas se não fosse assim essas denúncias acabariam por não serem averiguadas", relata.

O procurador espera que, em 2008, com a chegada de 92 novos fiscais pra o Mato Grosso, o grupo de fiscalização estadual possa funcionar normalmente, com procuradores, auditores fiscais e força policial. O MTE prevê que novos agentes estejam aptos a participar de fiscalizações a partir de fevereiro.

Do ponto de vista legal, o procurador tem toda a autoridade para realizar sozinho uma fiscalização, segundo Jonas Moreno. "Ele só tem que avaliar se existem condições de segurança. Por isso recomendamos que seja sempre em grupo." Ele relata que fiscalizações só com procuradores e força policial ocorreram em outros estados, mas foram casos pontuais, de urgência.

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