Tráfico de Pessoas

Plano acumula participação social, mas não ousa nas metas

O principal desafio do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP) é a estruturação de um sistema nacional em parceria com governos estaduais e entidades civis nas diferentes regiões do país
Por Maurício Hashizume
 22/01/2008

O primeiro Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP) do país tem como ponto forte a participação de múltiplas organizações da sociedade civil, mas o conjunto de suas metas pode ficar aquém do necessário para desestruturar o problema no prazo definido de dois anos.

"O tráfico de pessoas era associado somente à exploração sexual de mulheres e nunca foi pensado nessas dimensões, reunindo diversos atores com agendas diferentes", destaca a coordenadora do Programa para o Enfrentamento do Tráfico de Pessoas da Secretaria Nacional de Justiça do MJ, Bárbara Campos. Ativistas do combate à exploração sexual, entidades engajadas na erradicação do trabalho escravo (entre elas a Repórter Brasil) e militantes feministas etiveram lado a lado ao longo do processo que resultou no decreto presidencial que aprova o Plano do último dia 8 de janeiro.

O próprio governo federal reconhece, no entanto, as limitações do PNETP. "O Plano não é o ideal. Foi o consenso possível no momento", ressalta a coordenadora. Ela frisa, porém, que o documento aprovado contém metas importantes como a elaboração de anteprojetos que possam estabelecer uma nova legislação sobre o tema, em substituição ao atual Art. 231 do Código Penal que vincula o tráfico exclusivamente à prostituição. "Não queremos inventar a roda. As metas foram inspiradas na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas [aprovada em outubro de 2006]", coloca.

O PNTEP assume a proposta de elaboração e implementação de um projeto-piloto de centro público de intermediação de mão-de-obra rural em município identificado como foco de aliciamento para o trabalho escravo. Representante do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na equipe que elaborou o PNETP, Luciano Maduro declara que já houve uma pré-seleção de seis a oito municípios beneficiados pela instalação desses centros e que a medida ainda depende de articulações com secretarias estaduais, entidades patronais e de trabalhadores. "Nas áreas urbanas, os agentes do Sine [Sistema Nacional de Emprego] vão até as empresas para coletar dados de postos de trabalho. Na área rural, isso não será possível. Os empregadores precisarão encaminhar os dados e os trabalhadores terão de ir até a cidade atrás das vagas no Sine, que precisam ser equipados para assumir essa função", conta.

A previsão de medidas mais voltadas à repressão econômica dos agentes que exploram o tráfico de pessoas – como o mapeamento de cadeias produtivas ligadas às redes criminosas que tem promovido avanços no âmbito do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo -, entretanto, ficou de fora do PNETP. "A caracterização da conduta é mais complicada no caso do tráfico de pessoas do que no de trabalho escravo", analisa Luciano Maduro. Ele afirma ainda que existe um processo administrativo transitado em julgado antes da inclusão do nome de algum empregador na "lista suja" do trabalho escravo e que grande parte dos exploradores do tráfico de pessoas não têm como praxe contrair financiamentos públicos, como no caso dos fazendeiros.

Segundo Bárbara, o Plano reflete a visão dos gestores envolvidos e será publicado e distribuído em breve pela pasta juntamente com o decreto e a memória do processo de elaboração. "Na área da repressão, a preocupação do chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal (PF), por exemplo, era a necessidade de criação de uma estrutura específica para esse fim".

A maioria das onze prioridades definidas no PNETP está vinculada a atividades-meio como o levantamento de dados e acúmulo de conhecimento, a capacitação e sensibilização de atores acerca do problema, o aperfeiçoamento da legislação brasileira, a padronização de troca de informações entre órgãos, o aprimoramento de instrumentos, a estruturação de órgãos responsáveis e o fomento à cooperação internacional. Algumas metas específicas como a proposta de formação de um grupo de trabalho específico para tratar do banco de dados, explica Bárbara, carregam por trás delas discussões substantivas e não são tão simples quanto aparentam. "Escuto comentários dos dois lados. Uns dizem que as metas são pouco ousadas. Tem gente que acha um exagero um plano para apenas dois anos com 20 páginas", conta a coordenadora.

Sistema nacional
O principal desafio do Plano consiste na estruturação de um sistema nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas em parceria com governos estaduais e entidades da sociedade civil nas diferentes regiões do país. É nesse contexto que o PNETP entra como parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que incentivará a incorporação do tema nas políticas estaduais e tentará facilitar a criação de núcleos específicos sobre o tema que atuarão conforme prioridades locais próprias e diferenciadas. "Não queremos chegar com um ´pacote pronto´. A ação no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), uma das principais portas de saída do país, precisa ser uma. No Recife, a estratégia é outra", destaca Bárbara.

O Ministério da Justiça deve iniciar visitas institucionais aos estados justamente para conferir esses diferentes contextos para a maturação de planos estaduais. "Em alguns estados, as articulações estão em estágio bastante avançado. Em outros, porém, ainda é preciso investir na conscientização do que é tráfico de pessoas", pondera a gestora do Programa no MJ.

Marca registrada
Os ajustes do PNETP para "fazer com que a engrenagem funcione bem para e não haja descompassos" será de de responsabilidade do o Grupo Assessor de Avaliação e Disseminação, que reúne representantes de 12 ministérios.

A coordenadora Bárbara garante que a sociedade civil e o Ministério Público receberão convites regulares para acompanhar de perto a aplicação do Plano e que só não foram incluídos oficialmente no Grupo – como ocorre em outros conselhos e comissões vinculadas a políticas públicas – por opção de "técnica legislativa". Por decreto, explica Bárbara, o Poder Executivo não pode obrigar órgãos externos a fazer parte de
qualquer tipo de instância. "A sociedade civil levou sozinha durante muito tempo a bandeira do tráfico de pessoas. Esse processo tem essa marca registrada e isso não vai mudar", assegura.

Leia a íntegra do decreto do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP)

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*matéria atualizada na tarde desta terça-feira (22/01).

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