Viena – O trabalho forçado é alimentado pelo modelo de globalização adotado no mundo, em que a competitividade incentiva uma constante redução nos custos do trabalho. Com isso, leva para baixo as condições de emprego, culminando na imposição do trabalho forçado – e de um sistema para suprir esse tipo de mão-de-obra. O que acontece em países pobre ou ricos. Esse foi um dos temas discutidos no painel "Demanda por trabalho forçado e exploração sexual – como e por que isso alimenta o tráfico de seres humanos" na manhã desta quinta (14).
O evento foi parte do "Fórum de Viena", organizado pela Iniciativa Global das Nações Unidas para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos (UN.Gift), que está sendo realizado entre os dias 13 e 15 na capital austríaca. Estão presentes especialistas, entidades internacionais, governos, sociedade civil, mídia e o setor empresarial para discutir como combater o problema.
Nicola Phillips, professora de economia política da Universidade de Manchester, defendeu que o tráfico de pessoas para exploração econômica e sexual está relacionado ao modelo de globalização e de capitalismo que o mundo adota.
De acordo com ela, esse modelo é baseado em um entendimento de competitividade nos negócios que pressiona por uma redução constante nos custos do trabalho. Empregadores tentam flexibilizar ao máximo as leis e relações trabalhistas para lucrar com isso e, ao mesmo tempo, atender uma procura por produtos cada vez mais baratos por parte dos consumidores.
A pobreza, que torna populações vulneráveis socialmente, garante oferta de mão-de-obra para o tráfico – ao passo que a demanda por essa força de trabalho legitima esse tráfico de pessoas, atraindo intermediários (como os "gatos" no Brasil). Em resumo, de acordo com Phillips, "a sistemática desregulação do mercado de trabalho facilita o surgimento de trabalho forçado". Para atuar no problema, deve-se atuar tanto na oferta desse tipo de mão-de-obra quanto na demanda. No combate à pobreza e no modelo de desenvolvimento que queremos.
Simon Steyne, responsável pelo departamento de relações exteriores da TUC, central sindical britânica, trouxe a situação do trabalho forçado no Reino Unido para a discussão: "A economia do país depende de imigrantes – que vão fazer serviços como faxineiros, empregados domésticos, trabalhadores do sexo. Precisa de trabalho barato, flexível e explorável para essas funções". Dessa forma, a globalização de mercados, que traz lucros para alguns e pobreza muitos, apresenta uma de suas piores faces nos países ricos.
Esses imigrantes são os mais sujeitos ao trabalho forçado, e como não possuem documentação legal não conseguem ir atrás dos seus direitos – situação parecida com os imigrantes ilegais bolivianos que trabalham de forma degradante em pequenas oficinas de costura da cidade de São Paulo. Até as formas de coerção da liberdade se parecem entre si: manter cativo através de um endividamento ilegal, fazer ameaças ou usar da violência e utilizar o fantasma da deportação para que o sujeito permaneça no serviço.
Para Steyne, o tráfico de pessoas é um componente, uma etapa do trabalho forçado, e não o contrário. Considerando dessa forma, coloca-se em posição de destaque a utilização final do traficado e não o processo que levou ao deslocamento – ou seja – plantar, colher, limpar, construir, costurar algo para alguém – que pode, assim, ser reconhecido para uma efetiva punição.
Commodities
O embaixador Mark Lagon, responsável pelo escritório de combate ao tráfico de pessoas do Departamento de Estado norte-americano, informou que o Departamento de Trabalho está elaborando uma lista de produtos que podem conter trabalho forçado em suas cadeias de produção. Essa ferramenta deve ser usada para ajudar no combate ao problema, identificando os setores de produção mais afetados em cada país e forçando paísesa agirem. Mas também como um alerta aos importadores nos Estados Unidos para ficarem de olho nesses produtos.
A criação e implantação dessa lista é conhecida há algum tempo e causa preocupação entre os empresários de outros países. Pelo o que é possível perceber, mesmo dentro do poder executivo ou do legislativo dos EUA não há um consenso sobre quais ações adotar a partir desse instrumento. A versão mais corrente é que sirva de referência para ajudar no combate ao tráfico e ao trabalho forçado. Mas também há defensores de que ele seja utilizada para restrições comerciais.
Durante um evento realizado no Congresso norte-americano em novembro do ano passado, congressistas e representantes do poder executivo de lá elogiaram as ações brasileiras no combate ao trabalho escravo, citando como exemplo a "lista suja" – cadastro do governo federal que publica o nome dos empregadores que utilizam esse tipo de mão-de-obra. Além das ações de alguns bancos e empresas, que têm cortado de seus financiados e fornecedores os que utilizaram trabalho escravo. Em outras palavras, no Brasil já temos um instrumento que garante um corte seletivo e cirúrgico – a "lista suja" – tornando desnecessário erguer barreiras comerciais a setores inteiros. Falta ele ser adotado de forma abrangente.
Esse foi um dos temas abordados na apresentação de Andréa Bolzon, coordenadora nacional do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho no Brasil. Ela mostrou como o trabalho escravo tem sido utilizado na expansão da fronteira agrícola brasileira, principalmente na região amazônica, em atividades que vão da extração de madeira à produção de carvão e abertura ou limpeza de áreas para a implantação de fazendas de gado, de soja, algodão, entre outros produtos.
Bolzon discorreu sobre ações que vêm sendo tomadas no Brasil para atuar junto à demanda por esse tipo de trabalhadores, com destaque para o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O acordo envolve, hoje, mais de 100 empresas nacionais e multinacionais que se comprometeram a combater o trabalho escravo em suas cadeias de fornecedores, seja deixando de comprar de fazendas da "lista suja", seja conscientizando frigoríficos e indústrias a não comprarem do cadastro do governo.
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Leonardo Sakamoto viajou a convite das agências das Nações Unidas organizadores do evento, como a Unodc e a OIT.