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Mais de 450 pessoas são resgatadas de fazendas em Alagoas

Na Usina Laginha, 53 pessoas trabalhavam em em situação degradante; empresa pertence ao tradicional Grupo João Lyra, de Alagoas. Na mesma operação, fiscais libertaram mais de 400 trabalhadores em outra fazenda

Aos pés da Serra da Barriga, em Alagoas, nas cercanias do local que abrigou o Quilombo de Palmares, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertaram, na última sexta-feira (22), 53 pessoas que trabalhavam em condições degradantes. Elas eram empregadas da usina de cana Laginha, que fica em União dos Palmares (AL) e faz parte do Grupo João Lyra, tradicional conglomerado de empresas da região.

"O alojamento é de alvenaria, mas é muito sujo, fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro.", relata o auditor fiscal do trabalho Dercides Pires da Silva, que chefiou a operação na fazenda que fica no município a cerca de 85 km da capital Maceió.

De acordo com o auditor, outro problema grave encontrado foi a condição dos equipamentos de proteção individual (EPIs). "Eles estavam muito danificados. Eram botas furadas, luvas, toucas e mangotes rasgados. Encontramos trabalhadores que não tinham um equipamento sequer", conta.

Na mesma operação, os fiscais também encontraram condições de trabalho degradantes na Usina Santa Clotilde, localizada no município de Rio Largo (AL), onde foram resgatadas mais de 400 pessoas. Como a fiscalização ainda está em curso, os auditores do MTE ainda não calcularam o número exato de trabalhadores libertados na usina.

Em ambas as empresas, havia centenas de empregados que moravam na região, e a condição deles não foi considerada degradante porque não utilizavam os alojamentos. Para os trabalhadores resgatados, os auditores propuseram uma rescisão indireta do contrato de trabalho, o que obriga a empresa a demitir os funcionários em condição degradante e a pagar os direitos trabalhistas no ato do desligamento. Também é garantido aos libertados o recebimento de cinco parcelas do seguro-desemprego. As empresas, contudo, não concordaram com essa decisão, e vão recorrer à Justiça.

Liminares
A primeira providência do grupo móvel em ambas as usinas foi a interdição do corte da cana até que as irregularidades trabalhistas fossem resolvidas. Porém, as duas empresas conseguiram liminares para autorizar a continuidade dos trabalhos. A liberação na Santa Clotilde foi obtida junto à Justiça do Trabalho; e a da Laginha, na Justiça Federal.

Para o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas, Rodrigo Alencar, a liminar concedida pela Justiça Federal é irregular. "A Constituição é claríssima nesse ponto: compete à Justiça do Trabalho julgar as penalidades impostas pelo MTE", argumenta. O procurador também informa que o MPT ajuizará uma ação contra as usinas pedindo indenização por danos morais coletivos. Rodrigo e mais sete procuradores do MPT estiveram presentes na fiscalização. Eles integram uma força-tarefa que a instituição criou para apurar irregularidades no setor sucroalcooleiro no Brasil.

Em novembro de 2007, o MPT já havia firmado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a usina Laginha, depois que trabalhadores fizeram um protesto bloqueando a rodovia BR-104 por mais de 10 horas. Entre os 20 itens de compromisso assumidos pela empresa estava o fornecimento de equipamentos de proteção novos assim que os velhos se desgastassem. O documento ainda previa multa de R$ 10 mil por cada item descumprido.

Poder econômico
O ex-deputado João Lyra é o dono do grupo que leva seu nome. O conglomerado reúne dez empresas e, além da cana, também atua nos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar. Em 2006, quando concorreu ao governo de Alagoas pelo PTB, Lyra era o segundo candidato mais rico do país, com bens declarados no valor de R$ 236 milhões. Ele ficou em segundo lugar nas eleições, com 30,5% dos votos, perdendo no 1o turno para o atual governador, Teotonio Vilela, do PSDB, que obteve 55,8%.

A família Lyra é centenária e uma das mais ricas de Alagoas. O irmão do empresário, Carlos Lyra, é dono de outro grupo empresarial, que se declara o segundo maior produtor de açúcar do país. João Lyra também é pai de Thereza Collor, viúva de Pedro Collor, irmão do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, e pai de Lurdinha Lyra, vice-prefeita de Maceió.

Em seu site oficial, o Grupo João Lyra declara que, na usina Laginha, "o processo produtivo segue rigoroso controle agrícola e industrial com base na política de produção do Grupo, que tem entre seus valores quesitos como qualidade, produtividade, respeito ao meio ambiente e retorno social."

A Repórter Brasil procurou os representantes das duas usinas fiscalizadas, mas foi informada que os responsáveis já não se encontravam mais na empresa no horário da ligação.

* Matéria atualizada em 27/02/2008, às 14h30. Na versão original, o número de resgatados em cada uma das fazendas foi invertido.


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10 Comentários

  1. antonio carlos

    Mais uma atuação ilegal e absurda. Ao menos estão parando de usar a expressão trabalho escravo. Eles querem julgar e aplicar a pena. Incitam os trabalhadores a sair, com os valores das rescisões e seguro-desemprego. Agiram certo as empresa em não se submeter e procurar a justiça. Os abusos dos fiscais ficam cada vez mais claros, e os prejudicados são os trabalhadores, que ficam desempregados e têm de retornar para a miséria que a condução do País lhes proporciona. E o País que vê o risco da atividade econômica no campo ser cada vez maior.

  2. marcos vinicio Marin

    Bom dia.
    Estão de parabens os fiscais de trabalho que fazem um ótomo trabalho, no combate a esta pratica tão odiósa que é o trabalho escravo. Os coronéis não aprendem que a escravidão ja foi abolida e ainda usam esta prstica para aumentar seu capital. Aqui no meu estado esta pratica tambem é usada nos canaviais e nas carvoarias. Temos que denunciar,temos que fazer o nosso papel em não aceitar esta pratica. Parabens novamente a equipe movel.

  3. CanjaQuente

    Se as matérias do Reporter Brasil fossem escritas também em Inglês (sem abrir mão do Português, claro) seria uma referência mundial. Mais pessoas de fora leriam e aumentaria ainda mais as pressões internacionais sobre o Brasil, o que para a causa defendida seria muito bom.

  4. Ana Luiza

    Vejam que inconsistência: ” … havia centenas de empregados que moravam na região, e a condição deles não foi considerada degradante porque não utilizavam os alojamentos.” Ou seja, a condição de vida do trabalhador pode ser muito pior na sua casa. O empregador tenta dar uma vantagem e prejudica a si próprio. Solução: Não dar alojamento em hipótese alguma, e nem alimentação, que a lei também não obriga. Outro ponto, trabalho escravo é crime, e portanto, fiscais auditores e porcuradores do trabalho não tem competência para tratar do assunto, e todos são inocentes até julgamento, portanto ilegal fazer lista de explorador de trabalho escravo, sem condenção criminal prévia.

  5. jorge luiz ferreira da silva

    boa tarde.realmete é o que acontece.parabens a voçes e parabens à todos que com boa fé realmete luta para tornar a vidas desses empresários mais difiçil.porque acabar realmente vai levar tempo. porque eu só tyenho 47 anos e só vejo em quase todos os segmentos, aexploração do homem pelo homem..grato jorge luiz

  6. Antonio Barbosa Lúcio

    Como alagoano, vejo como tardia a resposta governamental(antes tarde do que nunca!). Há anos que esses senhores controlam o Estado e utilizam trabalho "degradante". Infelizmente, apenas no final da safra de cana tal situação foi denunciada. Os trabalhadores, abandonados por seus sindicatos, insistem em denunciar. DRT e FETAG/AL parecem desconhecer o problema. Mas o que é mais grave, sabem e não tomam medidas satisfatórias. Ao trabalhador canavieiro, resta a esperança. Entretanto, o setor sucroalcooleiro alagoano não se intimida tão facilmente. Se duvidam, busquem como ficou rico e poderoso nas ultimas décadas. Ainda vai aparecer alguém culpando os trabalhadores e inocentando as usinas

  7. Wilson

    A ideia de preservar a Lei Aurea é justificável e até concordo em enfeita-la nos livros de escola, porem na realidade é outra coisa muito pior. Pergunto; e agora?? nesse exato momento, quem irá sustentar esses trabalhadores? O estado? O sindicato deles ? As procurações nas mãos dos advogados trabalhistas? Realmente tem mais oportunistas explorando o sistema, do que propriamente vitimas de escravidão.

  8. andre oliveira

    É certo, que as empresa devem cumprir a lei. Todavia relação empregado/empregador, vai além disso. A legislação trabalhista é pobre e em muitos casos emperra essa relação, atrofiando o crescimento. Exploração do homem p/a o homem é jargão comunista ultrapassado. É preciso encontrar um meio termo, um precisa do outro. O capital precisa do trabalho e vice versa. Fechar uma empresa é por em risco a existência de todos os demais postos de trabalho. E aqueles trabalhadores que tem EPI, como fica ? E o pessoal que trabalha no escritório? Para ajudar uma parte que está com probelmas não se pode prejudicar todo o resto. Para curar um braço não precisa amputar todo o corpo. Vamos deixar de oba oba

  9. Rosangela Caetano

    O mais importante nestas ações é que toda a sociedade tome conhecimento de quem são estes indivíduos.
    Deve fazer listas sim, divulgação ampla e geral do nome destes criminosos, se de fato, comprovado o trabalho escravo.
    Nós precisamos ver que este tipo de crime tem “cara” !

  10. sonia

    isto n~]ao é novidade. Como alagoan, e de uni~]ao dos Palmares, apesar de morar fora, sempre se soube das condições dos trabalhadores de cana, não apenas nestas Usinas, mas em todo Brasil, esta categoria de trabalhador continua se submetendo a trabalho escravo. O brasil sabe disto há anos…Sõnia

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