Decisão – Prefeitura da São Félix do Araguaia

 28/04/2008

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO
VARA DO TRABALHO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA – MT

Aos onze dias do mês de abril, do ano 2.008, às 17:58 horas, na VARA FEDERAL DO TRABALHO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA – MT, por determinação do Juiz JOÃO HUMBERTO CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento da AÇÃO CIVIL PÚBLICA relativa aos Autos do Processo nº 00491.2007.061.23.00-8, onde contendem o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (1º REQUERENTE), o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (2º REQUERENTE), a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (3ª REQUERENTE), o MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA (1o REQUERIDO) e JOÃO ABREU LUZ (2o REQUERIDO).

Observada a praxe, o processo foi submetido a julgamento, sendo prolatada a seguinte sentença.

I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (1º REQUERENTE), o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (2º REQUERENTE) e a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (3ª REQUERENTE) ajuizaram, na qualidade de litisconsortes ativos facultativos, na data de 07.12.2007, a presente Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa, fazendo-o em face do MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA (1o REQUERIDO) e de JOÃO ABREU LUZ (2o REQUERIDO).

Postularam, em face dos fatos e fundamentos jurídicos que articularam, os pedidos elencados na petição inicial de fls. 03/50, pedindo, inclusive, a antecipação parcial dos efeitos da tutela. Instruíram a primígena com os documentos tombados às fls. 51/106.

Os autos vieram conclusos para apreciação do pleito liminar veiculado pelos autores, sendo a pretensão acolhida nos termos da interlocutória encartada às fls. 108/114.

Regularmente citados, os requeridos compareceram à sessão inicial da audiência (ata de fls. 234/235). O primeiro apresentou resposta na forma de contestação aos itens postulados, devidamente juntada às fls. 238/268, na qual eriçou questões preliminares, prejudiciais e de mérito de sentido estrito, informando, ainda, sobre o acatamento das ordens que lhe foram dirigidas no bojo da antecipação dos efeitos da tutela (fls. 108/114), inclusive com a realização de certame público de provas e títulos, instruindo-a com os documentos de fls. 269/2407. O segundo, de sua vez, também apresentou defesa escrita (fls. 2412/2454), aparelhando-a com os documentos de fls. 2455/4633.

Na esteira dos acontecimentos o 1º requerido atravessou nos autos a petição de fls. 4652/4654, acompanhada dos documentos de fls. 4655/4660, ponderando, em síntese, que não obstante tenha realizado o concurso público ordenado pelo juízo, alguns poucos cargos disponíveis não foram preenchidos, razão pela qual solicitou autorização expressa para proceder contratações pelo regime de tempo determinado, para fazer frente a excepcional interesse público.

Ato subseqüente sobreveio a réplica dos requerentes (fls. 4667 usque 4693), onde além de rebaterem as alegações defensivas dos requeridos, manifestaram-se sobre a pretensão descrita no parágrafo anterior.

Vieram os autos conclusos, mais uma vez, para a análise do pedido aviventado pelos vindicados, sendo na ocasião exarada a interlocutória de fls. 4696/4697, para se permitir, excepcionalmente, a contratação temporária, desde que respeitadas as balizas concretamente estabelecidas no decisum. Foi ainda determinado, no mesmo ato, que o 1º requerido comprovasse, nos termos do artigo 337 do CPC, o teor e a vigência das Leis Municipais que criaram os cargos e respectivos subsídios ofertados no certame público de provas e títulos realizado em cumprimento da multicitada interlocutória de fls. 108/114.

Em virtude da determinação acima relatada, o 1º requerido voltou à tona, trazendo para os autos dos documentos de fls. 4699/4701, 4724/4823 e 4826/4894, sobre os quais os requerentes se manifestaram às fls. 4901/4907, onde solicitaram novas providências, dentre elas a declaração incidental de nulidade do edital 007/2008, o qual estaria a afrontar o edital 001/2008 que deflagrou o concurso público realizado, bem como o carreamento de novas Leis Municipais para o caderno processual.

Novamente instado, o 1º requerido retornou aos autos, para anunciar que, administrativamente, valendo-se do seu poder discricionário, anulou o prefalado edital 007/2008, apresentando, ainda, a legislação solicitada pelos autores, consoante se depreende da petição de fls. 4935/4936 e dos respectivos documentos de fls. 4937/5061. Em decorrência os autos foram novamente enviados em carga aos requerentes, que de tudo se manifestaram às fls. 5075/5093.

Realizada a sessão de instrução da audiência, consoante os registros da ata de fls. 5098/5099, sem que nela as partes tivessem produzido prova oral.

Este, em apertadíssima síntese, e no que verdadeiramente importa, o relatório da sentença.

Cuidadosamente vistos e examinados, decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINARES PROCESSUAIS

1 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO: A TEORIA DA ASSERÇÃO E A RECENTÍSSIMA POSIÇÃO DO STF SOBRE A MATÉRIA

Aduzem os requeridos, em resumo, que a Justiça do Trabalho não teria competência para o processamento e julgamento da vertida ação, na medida em que todos os trabalhadores municipais teriam sido regularmente contratados (seja pelo regime estatutário ou pelo regime temporário de excepcional interesse público), não sendo da sua atribuição manifestar-se jurisdicionalmente sobre improbidade administrativa imputada ao gestor público.

Sem razão, contudo.

Para adequadamente rechaçar tal ponto de vista, discorrerei, adiante, sobre a imprescindível conduta abstracionista na fixação de competência, fazendo uma análise detida na teoria da asserção.

Ao depois, a partir do cotejo entre a mencionada teoria com os pedidos concretamente veiculados no libelo, alinhavarei os fundamentos da minha razão, demonstrando, a saciedade, que o meu ângulo de visada não desborda do estatuído no artigo 114 da CRFB, que consabidamente fixa a competência do ramo laboral do Poder Judiciário.

1.1 – A Teoria da Asserção como Critério Científico de Fixação da Competência

Como é palmar, tanto os pressupostos processuais, quanto as condições da ação, devem ser apurados em abstrato, sob pena da ciência processual retornar aos seus primórdios, com a inimaginável reabilitação da doutrina imanentista, pela qual ação e processo eram considerados simples capítulos do direito material, sem que fossem dotados de qualquer autonomia científica.

Assim é que o magistrado, quando do recebimento da inicial, deve verificar os seus pressupostos in statu assertionis, tendo por verdadeiros, a princípio, os fatos nela narrados, de forma a apurar, a partir daí, a presença dos requisitos necessários ao alcance do
provimento meritório.

Colimando corroborar o acima afirmado, trago o escólio de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, tratando, especificamente, do pressuposto processual objetivo intrínseco da competência:

"A Determinação Da Competência: Elementos da Demanda e do Processo (in statu assertionis)
Para determinar o órgão jurisdicional competente em cada caso, é nos elementos da demanda a propor e do processo a instaurar que o constituinte e o legislador foram buscar critérios norteadores. (…)
A determinação da competência faz-se sempre a partir do modo como a demanda foi concretamente concebida – quer se trate de impor critérios colhidos nos elementos da demanda (partes, causa de pedir, pedido), quer relacionados com o processo (tutelas diferenciadas: mandado de segurança, processos nos juizados especiais cíveis etc.), quer se esteja na busca do órgão competente originariamente ou para os recursos. Não importa se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu etc. Questões como essa não influem na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a conseqüência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se (sic) invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda, in statu assertionis. (…)
Os fundamentos jurídicos invocados na petição inicial, ou seja, o enquadramento dos fatos narrados em categorias de direito material (…), atuam em setores variados da problemática da competência, servindo pra determinar (a) a Justiça competente (a Justiça comum é incompetente, p. ex., se a relação invocada for de direito do trabalho: Const., art. 114) (..)
A natureza da tutela jurisdicional postulada (natureza do provimento) concorre para a determinação da competência na medida em que o pedido inicial do autor é sempre responsável pela determinação da espécie de processo a ser realizado e do procedimento que em cada caso observará. (…)" (sem destaques no origina)

É de se concluir, a partir do excerto doutrinário retro transcrito, que a competência conflitante dos diversos ramos do Poder Judiciário (Justiça do Trabalho X Justiça Estadual, por exemplo) será sempre dirimida pela natureza dos fatos, fundamentos e pedidos veiculados na petição inicial.

Vale dizer, com efeito, que todas as vezes que a primígena atribuir caráter celetista a um contrato indicado como causa de pedir remota, veiculando, na seqüência, pedidos de natureza jurídica trabalhista – seja ampla ou estrita – a competência para a cognição da demanda será iniludivelmente da Justiça do Trabalho, por força do estatuído no artigo 114 da Constituição da República.

Na sentença, pois, se o Juiz do Trabalho concluir pela inconsistência da causa de pedir (conferindo, v.g., natureza jurídica administrativa aos contratos indicados como celetistas), rejeitará os pedidos ao invés de pronunciar a incompetência, a não ser que deseje, inadvertidamente, retornar ao tempo da teoria imanentista, superada desde o longínquo século XIX.
Feitas tais considerações, elementares, mas necessárias, deverei, no próximo tópico, esmiuçar a causa de pedir e os pedidos veiculados na petição inicial, para finalmente demonstrar que o seu processamento na Justiça do Trabalho não violenta aquilo que vaticina o multicitado artigo 114 da CRFB.

1.2 – Causa de Pedir e Pedidos Contidos na Inicial

Consoante se pode aferir da leitura da petição inicial, os requerentes noticiam, em síntese, que os requeridos vêm sistematicamente desprezando o princípio constitucional do devido concurso público (artigo 37, II, da CRFB), para fraudulentamente contratar trabalhadores sob a égide do contrato por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX, da CRFB), bem como do contrato de prestação de serviços por empreitada global previsto na Lei 8.666-93.

Aduzem, na seqüência, que tais contratos na verdade são dotados de natureza jurídica celetista, embora que nulos de pleno direito. Como conseqüência, pedem ao juízo que declare a prefalada nulidade contratual, para ao depois determinar todas as medidas, sancionatórias e restauradoras, que sejam necessárias à recomposição plena dos bens lesados.

Assim é que devo dizer, com os olhos voltados para a teoria da asserção, que a competência material da Justiça do Trabalho sobressai límpida no caso concreto, pois, como já visto, a primígena pretende, em seara prejudicial, a declaração da nulidade dos contratos que denuncia possuírem natureza jurídica celetista, para no mérito de sentido estrito pugnar, tanto em face do município quanto de seu prefeito, as tutelas mandamentais e condenatórias hábeis à satisfação do interesse social-trabalhista de preservação da ordem democrática.

Somente alguém que padeça de irremediável miopia jurídica é que poderia afirmar que a Justiça do Trabalho não seria o organismo jurisdicional com competência absoluta para declarar a nulidade de contratos a que a exordial atribui natureza celetista.

Por corolário lógico, não pode ser outro, a não ser o ramo laboral do Poder Judiciário, aquele com atribuição jurisdicional para determinar as medidas necessárias à regularização da situação, tais como a substituição dos trabalhadores contratados de forma indevida e a recomposição dos bens individuais e coletivos molestados, de modo a impedir-se a continuidade da possível fraude perpetrada em face da dicção constitucional.

Pensar de modo diferente seria o mesmo que agredir o princípio da unidade de convicção, dando margem à instauração de verdadeira balbúrdia competencial sobre tema, o que por certo conspiraria contra o cumprimento sistêmico dos preceitos constitucionais que, em resumo, esclarecem que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, II), sob implicância de nulidade do ato e punição da autoridade responsável (artigo 37, § 2º), importando a prática em improbidade administrativa, da qual decorrem a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário (artigo 37, § 4º).

Não custa lembrar, no pertinente, que o artigo 114, I, da CRFB, é expresso quando diz que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", não s
endo pouco destacar, ainda, que a demanda em apreço se trata de uma ação oriunda de diversas relações de trabalho, às quais a inicial atribuiu temperamento celetista, renegando, pois, as suas pretensas feições jurídico-administrativas.

Diante de todo o exposto, posso afirmar agora, com absoluta segurança, que o processamento da vertida Ação Civil Pública no Judiciário Trabalhista não fere, de modo algum, o artigo 114 da Constituição da República. Aliás, a jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho trilha inequivocamente nesse sentido:

COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. ENTE PÚBLICO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. REGIME ESPECIAL. DESVIRTUAMENTO. (nova redação, DJ 20.04.2005)
I – Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho dirimir dissídio individual entre trabalhador e ente público se há controvérsia acerca do vínculo empregatício.
II – A simples presença de lei que disciplina a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX, da CF/1988) não é o bastante para deslocar a competência da Justiça do Trabalho se se alega desvirtuamento em tal contratação, mediante a prestação de serviços à Administração para atendimento de necessidade permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial. (sem destaque no original)

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segue igual orientação. Para comprovar o afirmado, basta sublinhar, com tintas fortes, que em decorrência específica do presente caso o 1º requerido se insurgiu perante o STF, por via da Reclamação de nº 5839, na qual solicitou o trancamento da ação em curso, sob o pálido argumento de que o seu processamento na Justiça do Trabalho estaria a malferir o liminarmente decidido na ADIn Nº 3395, recebendo, como resposta, a peremptória negativa do Ministro CARLOS AYRES BRITTO, de cuja decisão transcrevo o seguinte excerto:

"Cuida-se de reclamação, proposta pelo Município de São Félix do Araguaia, contra ato do Juiz do Trabalho daquela localidade, nos autos da Ação Civil Pública nº 491/2007. (…) quer-me parecer que o processamento da Ação Civil Pública nº 491/07 na Justiça do Trabalho não contraria o decidido na ADI 3.395-MC. Assim me posiciono porque não se me afigura deter caráter estatutário a relação jurídica mantida entre servidores temporários e o Poder Público. Tanto assim que o próprio reclamante, em sua petição de ingresso, fez questão de asseverar que a causa tem como tema de fundo a legalidade e possibilidade de a Administração valer-se, para a contratação de servidores, do regime especial temporário." (sem destaque no original)

Circunstância um tanto diferente seria se a própria exordial reconhecesse como lícitas as contratações temporárias realizadas pelo Poder Público, postulando providências outras que não tivessem um cerne trabalhista evidente. Aí sim haveria espaço para se perquirir eventual ofensa ao decidido pelo STF na MC-ADI nº 3395.

Ad argumentandum, talvez nem mesmo assim fosse o caso de se pronunciar a incompetência trabalhista. Ocorre que o STF tem sistematicamente se debruçado sobre o assunto, a ponto de vários dos seus membros avançarem para uma interpretação que reconhece a competência da Justiça do Trabalho para as causas alusivas aos temporários típicos ligados à Fazenda Pública. Em tal diapasão, transcrevo um trecho de diálogo ocorrido em recente sessão do Tribunal Pleno:

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Supero o obstáculo de ordem formal, na linha do pensamento do eminente Relator, por entender que o acréscimo que adviria da intervenção do Senado teve caráter meramente expletivo, porque ele já se contém logicamente na atual redação do Art. 114, I. Acho que o Ministro Peluso votou nessa linha e eu sigo integralmente.
Quanto à questão de fundo, tenho preocupação em precisar o alcance material da liminar agora submetida ao nosso referendo, porque o Ministro Jobim exclui, dando interpretação conforme ao art. 114, I, da competência da Justiça do Trabalho toda causa instaurada entre o Poder Público e os seus servidores por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
Esse "ou" é uma conjunção disjuntiva? Significa uma coisa ou outra?

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – Dou elemento histórico para ajudá-lo a compreender. Essa expressão foi tirada do voto do eminente Ministro Celso de Mello, intérprete autêntico. A impressão que tive é que, no voto da ADI 492, Vossa Excelência quis dizer relação jurídico-administrativo como sinônimo de relação estatutária.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – É mero reforço.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Porque se for assim, aquelas relações de trabalho instauradas entre o Poder Público e os servidores temporários ….

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – Fora de dúvida que é da Justiça do Trabalho.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Agora, porque embora ela se instaure por efeito de um contrato administrativo, não tem caráter estatutário, porque, se o tivesse, também não teria o traço da contratualidade.
Se todo cargo provido estatutariamente é de caráter jurídico-administrativo, nem toda relação de trabalho de caráter jurídico-administrativo é estatutária. Então, quero deixar bem claro que, de fora à parte as investiduras em cargo efetivo ou em cargo em comissão , tudo o mais cai sob a competência da Justiça do Trabalho.
Então, precisando o alcance material da decisão, agora posta à nossa apreciação, também referendo a decisão do Ministro Nelson Jobim"

Aliás, o posicionamento do STF é tão notório em favor da fundamentação desenvolvida, que me parece ser de bom alvitre transcrever as cinco últimas decisões do seu plenário quanto ao tema, não sem antes realçar que todas elas datam do dia 26.03.2008 (apenas dezesseis dias atrás), tendo sido tomadas de modo unânime.

1º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, perante a 2ª Vara do Trabalho de Rio Verde, com o objetivo de anular as contratações e credenciamentos de profissionais ligados a área da saúde, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator indeferiu a medida acauteladora por entender que
não há relevância no pedido formulado. A liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. E acrescentou: "Conforme se observa na inicial da ação civil pública e nos documentos juntados ao processo, a contratação temporária está ligada à Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que a ação civil pública não questionou apenas a contratação temporária, buscou também obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam um vínculo efetivo com a administração local, por meio de um regime especial, por típica relação de ordem estatutária, cujo fundamento da inicial é o art.37, II, da CF. Aduz, ainda, que a EC nº 51, também definiu que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate de Endemias terão seu regime jurídico definido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Municipais. Assim, "o mérito da ACP diz respeito a matéria suspensa pela decisão dessa Corte na ADI 3.395-6/DF".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

2º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a reclamação trabalhista em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região com o objetivo de anular a contratação de profissional que exerce trabalho efetivo, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação. Assevera que não concorre a pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que "no caso dos autos, cuida-se de uma reclamação trabalhista intentada por ex-servidores públicos, ocupantes de CARGO EM COMISSÃO, de evidente natureza estatutária". Afirma que foi nomeado para exercer o cargo comissionado de Oficial de Justiça no TJ/SE e que a causa em foco foi instaurada entre "o Poder Público e servidor que lhe era vinculado por uma relação jurídico-estatutá ria", de modo que é indiscutível o desrespeito à decisão proferida pelo STF na ADI nº 3.395
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)
3º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, perante a Vara do Trabalho de Capanema, com o objetivo de anular as contratações de profissionais sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação. Assevera que não há pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que "A contratação dos servidores foi realizada em consonância com os dispositivos constitucionais e com a legislação municipal que dá suporte a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público nos termos do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

4º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender reclamação trabalhista em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região com o objetivo de anular as contratações de profissionais para a área de saúde, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação asseverando que não concorre a pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na referida ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alegando que a ação civil pública que fundamentou a reclamação não discute apenas a contratação temporária, mas buscou, também, obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam um vínculo efetivo com a administração local por meio de um regime especial, de ordem estatutária, o que remete à decisão da ADI
nº 3.395.
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

5º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Município de Niquelândia, perante o Juízo da Vara do Trabalho de Uruaçu, com o objetivo de anular as contratações e credenciamentos de profissionais ligados à área da saúde, sem prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. A Presidência deferiu a medida liminar. Foi interposto agravo regimental pelo Ministério Público do Trabalho.
4. O Min. Relator negou seguimento à reclamação e julgou prejudicado o agravo.
5. O Município de Niquelândia interpõe agravo regimental e alega que a ação civil pública não questionou apenas a contratação temporária, buscou também obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam vínculo efetivo com a administração local, através de regime especial, por típica relação de ordem estatutária, cujo fundamento da inicial é o art.37, II, da CF. Aduz, ainda, que a EC nº 51, também definiu que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate de Endemias terão seu regime jurídico definido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Municipais. "Assim, o mérito da ACP objeto da presente Reclamação diz respeito à matéria suspensa pela decisão dessa Corte na ADI 3.395-6/DF, o que torna claro o equívoco no argumento contido na decisão agravada".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)
De qualquer ângulo que a questão seja desafiada, por conseguinte, límpida sobressai a competência absoluta da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento da ação em discussão. Vou adiante.

2 – LEGITIMIDADE ATIVA

Sustenta o 2º requerido que os autores não possuem legitimidade ativa para a propositura da presente demanda, haja vista que somente ao município, enquanto ente público responsável pelos atos dos seus agentes, é que caberia o acionamento do seu alcaide em juízo (vide o penúltimo parágrafo de fls. 2436).

Colimando o escopo de não ser demasiado contundente, valer-me-ei de um eufemismo, para adjetivar a tese do requerido como "criativa", já que chega a ser um tanto inusitado – talvez exótico -, pensar-se que somente ao próprio município seria dado processar o seu prefeito por ato de improbidade.

A impropriedade da preliminar eriçada é gritante, não demandando fundamentação demasiado alongada para ser suplantada.

Ocorre que o objeto da presente ação é centrado na preservação de interesses sociais-trabalhistas difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da demanda vertida, ex vi do artigo 83, I e III, da Lei Complementar 75-93.

Do mesmo tanto é também eloqüente a legitimidade do parquet estadual. Para tanto basta ver que nos termos do artigo 127 da CRFB o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo dois dos seus princípios institucionais a "unidade e indivisibilidade".

Demais disso, o fato é que o § 5º do artigo 5º da Lei 7.347-85-(Lei da Ação Civil Pública) é inequívoco ao estatuir que "admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei" [referindo-se à Lei da Ação Civil Pública].

Como se não bastasse, é de se sublinhar que o artigo 25, IV, "b", da Lei Estadual 8.625-93 dita incumbir ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso a promoção de ação civil pública "para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem".

Não menos legitimada, ainda, é a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, já que o artigo 5º, II, da Lei 7.347-85 (com a redação atribuída pela Lei 11.448-07), dirige às Defensorias a responsabilidade pela propositura de ações civis públicas, estando tal preceptivo em absoluta consonância com o fundamento constitucional-republicano de proporcionar à população carente o mais amplo acesso à jurisdição (seja ela individual ou coletiva), mormente em casos como o agora enfrentado, onde se almeja proporcionar aos cidadãos menos afortunados, difusamente considerados, o mais amplo e democrático acesso ao emprego público.

3 – LEGITIMIDADE PASSIVA

Logo depois de pontuar que somente o município poderia processar-lhe em casos como tais, o 2º requerido volta à tona, contraditoriamente, para sustentar que não possuiria legitimidade para figurar como litisconsorte no pólo passivo da demanda, fundamentando sua tese na inexistência de responsabilidade de indenizar o erário, mesmo porque os seus atos de gestão teriam sido regulares. Como lastro do seu arrazoado, afirma que a jurisprudência do TRT da 23ª Região seria sólida nesse sentido.

A sobredita tese, além de contraditória, confunde o aferimento abstrato das condições da ação com o julgamento concreto do mérito de sentido estrito.

É evidente que, abstratamente falando, o argüente deve permanecer na polaridade passiva da ação, até porque não seria plausível que a pessoa jurídica de direito público interno respondesse pela possível improbidade administrativa e conseqüente responsabilidade aquiliana emanada dos seus atos pessoais de gestão.

Entretanto tal fato não impedirá, pelo seu ângulo concreto, que uma vez ultrapassada a questão preliminar, o réu possa ser absolvido quando do julgamento de fundo, bastando, para tanto, que d
emonstre a impropriedade jurídica da sua condenação.

Demais disso, é ainda importante realçar que ao contrário do afirmado pelo vindicado, a jurisprudência do TRT da 23ª Região não lhe respalda.

Para corroborar o asseverado, colho a ementa de recentíssimo Acórdão da 1ª Turma do Regional, relatado pelo Desembargador TARCÍSIO VALENTE:

ADMISSÃO DE SERVIDOR SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PÚBLICO PELA CONTRATAÇÃO IRREGULAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. Reconhece-se a legitimidade passiva ad causam do ex-gestor público para figurar no pólo passivo da demanda que busca indenização por danos materiais decorrentes da contratação ao arrepio da norma constitucional, porquanto existe no ordenamento jurídico a figura da responsabilização do agente público pela contratação irregular, nos termos do art. 37, II, § 2º, da C.F., e, ainda, da responsabilidade civil pelos danos que causar, nos moldes do artigo 186 do Novo Código Civil. O gestor público que, mesmo conhecedor da vedação legal, admite servidor sem concurso público, age com dolo e possui propósito deliberado de favorecer alguém em detrimento do interesse público, de modo que se torna cabível a sua responsabilização pelos danos materiais causados ao trabalhador, desde que presentes os pressupostos configuradores do instituto da responsabilidade civil.

Rejeito, pois.

4 – NULIDADES

Asseveram os vindicados, arrimados em três diferentes motivos, que o processo estaria eivado de nulidade, uma vez que as suas respectivas defesas haveriam sido cerceadas.

Suas assertivas não merecem prosperar.

Para melhor explicitação dos fundamentos da decisão, desdobrarei a análise da aludida preliminar em tópicos distintos.

4.1 – Defesa Prévia

Observada a defesa, denoto que ambos os vindicados se insurgem contra a não observância do rito previsto no artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92, que, em síntese, aduz que após a autuação da inicial o juiz ordenará a notificação do requerido para oferecer manifestação por escrito, dentro do prazo de quinze dias, podendo ao depois, no prazo de trinta dias, contados do recebimento da mencionada manifestação, rejeitar liminarmente a ação, se ficar convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

Em decorrência de tal rito, portanto, o magistrado somente ordenaria a citação do réu para apresentação de contestação formal, após o efetivo recebimento da primígena (§ 9º, do artigo 17, da Lei 8.429-92).

Tenho para comigo que a observância do mencionado procedimento não é imperativa, podendo o magistrado afastá-lo se ficar convencido da plausibilidade da demanda, não importando a sua preterição em vício absoluto, mas tão-somente em nulidade relativa, desde que a parte comprove, cabalmente, o prejuízo para a sua defesa.

A fim de respaldar o meu ponto de vista, buscarei interpretar teleologicamente o preceito em discussão, valendo-me, para tanto, do o escólio de EMERSON GARCIA et al:

"(…) Buscou aqui o legislador criar uma importante barreira processual ao processamento de lides temerárias e injustas, destituídas de base razoável (indícios suficientes da existência do ato de improbidade, na dicção do § 6º), preservando não só o agente público e a própria administração, cuja honorabilidade se vê também afetada, como também o Poder Judiciário, órgão da soberania estatal que deve ser preservado de aventuras processuais.
Não se pode perder de vista, contudo, que a maioria esmagadora das ações por improbidade administrativa são precedidas de um momento administrativo de investigação, levado a cabo quer pela pessoa jurídica lesada, quer, o que é mais freqüente, pelo Ministério Público (…).
De toda sorte, a inobservância da regra da notificação prévia, por demandar a demonstração de prejuízo (art. 250 do CPC), gera nulidade meramente relativa, sendo também neste sentido a jurisprudência do STF e do STJ quanto ao procedimento especial estabelecido no art. 513 e segs. do CPP. Em arrimo a tal conclusão deve-se ter em vista que a ratio da normativa provisoriamente instituída é a de evitar o nascimento de relação processual destituída de justa causa, não se voltando a defesa prévia, unicamente, ao exercício do contraditório, que será posteriormente exercido na forma do § 9º, daí se concluindo, pelo menos em regra, que nenhum prejuízo advirá ao réu. Trata-se muito mais de um mecanismo de resguardo da jurisdição, por assim dizer, do que, propriamente, de um momento de defesa, até porque – repita-se -, recebida a inicial será o réu citado para o oferecimento de contestação (§ 9º), sendo esta a melhor oportunidade para a apresentação das teses defensivas e a juntada de documentos (art. 396 do CPC)." (sem destaques no original)

Vale repisar, dessarte, que muito mais do que um procedimento de defesa, o rito previsto no artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92 é na verdade um mecanismo amparo da jurisdição, do qual o magistrado pode se afastar quando estiver convencido da plausibilidade da pretensão, sem com isso gerar qualquer prejuízo aos réus, a quem o contraditório será oportunamente garantido, não havendo que se falar de nulidade processual em situações como tais.

Feitas tais digressões, volto aos trilhos do caso em exame.

Nele, mais do que a plausibilidade da pretensão, já havia, desde o início, prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações noticiadas na inicial, bem como o manifesto receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao interesse social. Tanto é assim, que como assentado no relatório da presente sentença, deferi, inaudita altera pars, a antecipação dos efeitos da tutela aos requerentes (vide, a respeito, a fundamentação da interlocutória de fls. 108/114).

Ora, num caso em que a prova dos autos gritava de forma tão ruidosa, seria no mínimo um despropósito a observância do procedimento traçado do artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92, cuja implementação somente conspiraria contra o princípio da celeridade, que deve ser cultivado com todo o respeito na hipótese vertida, haja vista a existência do instituto da prescrição intercorrente no âmbito das ações de improbidade.

Demais disso, o fato é que o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes foram todos garantidos aos requeridos, que deles se valeram à exaustão, a ponto da matéria ter sido enfrentada e rechaçada po
r este magistrado na sessão instrutória da audiência, sem que os interessados tivessem eriçado seus protestos contra o encerramento da instrução processual (vide, a respeito, a ata de fls. 5098).

Pas de nullité sans grief. Seria uma heresia, com efeito, declarar-se a nulidade do feito em tais circunstâncias.

4.2 – Concessão de Liminar Satisfativa Inaudita Altera Pars

Alega o 1º requerido, no prosseguimento das suas ponderações anulatórias, que no âmbito das ações civis públicas as liminares somente podem ser concedidas, ex vi do artigo 2º da Lei 8437-92, após a oitiva do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas, procedimento este que não foi respeitado quando da antecipação dos efeitos da tutela de fls. 108/114.

Creio, com todo o respeito, que o suscitante busca elastecer, sem razão e em benefício próprio, o conteúdo do preceptivo invocado, já que no preâmbulo da Lei 8437-92 está indicado, com todas as letras, que as suas regras "dispõem sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público" (sem destaque no original).

É de se entender, por corolário lógico, que as liminares a que se refere o artigo 2º da Lei 8437-92 são aquelas de conteúdo acautelatório, não abrangendo, dessarte, as de natureza satisfativa, como a esmagadora maioria daquelas concedidas na interlocutória atacada.

Ainda que assim não fosse, o fato é que o multicitado preceito padece de manifesta inconstitucionalidade material, suscetível de ser pronunciada em controle difuso, já que maltrata impiedosamente o princípio constitucional da isonomia, porquanto defere ao Poder Público, em detrimento dos particulares, mais um dos infindáveis e odiosos privilégios que a legislação recente vem casuisticamente outorgando à administração.

Demais disso, é de se observar que a sua inconstitucionalidade ainda deflui de ofensa ao princípio da proporcionalidade, na medida em que priva o Poder Judiciário do mais eficiente mecanismo que possui para fazer prevalecer, de modo imediato, o interesse social legítimo, em detrimento das práticas administrativas espúrias.

Há de se ressaltar, por fim, que a liminar deferida no presente caso foi desafiada pelo TRT em sede de mandado de segurança ajuizado pelo vindicado, ocasião em que foi rechaçado o argumento em debate. Trago, a respeito, as sempre judiciosas palavras do Desembargador ROBERTO BENATAR:

"No que tange à alegação de nulidade por ausência de oitiva do representante da pessoa jurídica de direito público interno antes da concessão da tutela antecipada em Ação Civil Pública, prevista no art. 2º da Lei n.º 8.437/92, tenho comigo que as informações apresentadas na petição inicial pelo Ministério Público do Trabalho, bem como os documentos colacionados a ela foram suficientes para formar o convencimento do Magistrado a quo, sendo certo que a realização da referida oitiva propiciaria que fossem alegados os mesmos argumentos ora ventilados na presente impetração, os quais não se afiguram de porte a alterar o convencimento que levou à concessão da antecipação de tutela em questão, não trazendo, assim, a ausência de tal audiência prévia qualquer prejuízo ao processado."

Dou por superada a insurgência.

4.3 – Exaurimento do Objeto da Ação

Não satisfeito, o 1º requerido ainda objeta que a liminar deferida malferiu o artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437-92, na medida em que os pedidos aviados no libelo teriam sido integralmente deferidos em antecipação de tutela, com o conseqüente exaurimento do objeto da ação, (vide o antepenúltimo e o penúltimo parágrafo de fls. 261).

Cabe frisar aqui, de modo direto e sem eufemismos, que o preceptivo invocado não é mais do que inconstitucional, por tratar com absoluto desdém o preceito constitucional-republicano da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CRFB), que dita, na sua máxima inteligência, que a legislação infraconstitucional não poderá criar embaraços para que o Estado-juiz venha a repelir todas – e não somente algumas – as lesões e ameaças a direito.

Trago, sobre o tema, a desconcertante lição de LUIZ GUILHERME MARINONI, que embora tratando de hipótese ligeiramente distinta, demonstra, de modo nu e cru, os fundamentos jurídico-filosóficos que justificam a plenitude da antecipação de tutela em face do Poder Público:

"Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso de fundado receio de dano é o mesmo que afirmar que o direito do cidadão pode ser lesado quando a Fazenda Pública é ré.
Por outro lado, não admitir a tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa contra a Fazenda Pública significa aceitar que a Fazenda pode abusar do seu direito de defesa e que o autor que demanda contra ela é obrigado a suportar, além da conta, o tempo de demora do processo. Não é preciso lembrar, porém, que a distribuição do tempo do processo é uma necessidade que decorre do princípio da isonomia e que o princípio constitucional da efetividade deve ser lido através de regra que estabelece que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão." (sem destaques no original)

Não bastasse toda essa construção argumentativa, o fato é que, ao revés do afirmado pelo vindicado, a interlocutória de fls. 108/114 não acolheu integralmente os pedidos formulados como antecipação de tutela, bastando ver, para comprovar o asseverado, que o mandato do prefeito foi mantido (apesar do pedido de afastamento), não havendo, ainda, v.g., qualquer pronunciamento sobre os pleitos de condenação em danos morais individuais e coletivos. Rejeito mais uma vez.

4.4 – Razões Finais Orais

Analisada a ata de encerramento da instrução (fls. 5098), denoto que o 1º requerido requereu a concessão de prazo para apresentação de razões finais na forma de memoriais, o que foi por mim indeferido.

Observo, ainda, que o interessado não lançou seus protestos em ata, sendo certo, em decorrência, que a rigor não se me impõe o enfrentamento do episódio, diante da ausência formal de argüição de nulidade.

Esclareço, de toda sorte, movido por pura cautela, que nos termos da inteligência ampliada da IN 27/TST, as lacunas dos procedimentos especiais devem ser colmatadas, no âmbito da Justiça do Trabalho, a partir do rito processual trabalhista ordinário.

Assim é que diante do artigo 850, caput, da CLT, que regula exaustivamente a temática, não há que se falar na possibilidade de uso dos memoriais no ramo laboral do Poder Judiciário.

Demais disso, como demonstrei ainda em audiência, mesmo no Processo Civil a concessão de prazo para veiculação de razõ
es finais escritas não é um direito absoluto da parte, haja vista que o artigo 454, § 3º, do codex adjetivo é no mínimo sintomático ao dizer que "o debate oral poderá ser substituído por memoriais", deste modo outorgando ao magistrado ampla liberdade para indeferir a sua utilização.

Caminho para as prejudiciais.

PREJUDICIAIS DE MÉRITO

Superadas todas as preliminares, passo ao desafio das prejudiciais suscitadas.

1 – PRESCRIÇÃO

Os vindicados argúem prejudicial de prescrição bienal trabalhista, relativamente aos contratos firmados no ano de 2005.

É interessante notar que, ao agirem assim, os réus implicitamente admitem que a primígena atribui caráter celetista aos contratos indicados como causa de pedir remota, nela estando veiculados pedidos de natureza jurídica trabalhista ampla (não estrita), por via dos quais se colimam as tutelas mandamentais e condenatórias hábeis à satisfação do interesse social-trabalhista de preservação da ordem democrática.

Ao assumirem tal conduta os requeridos acabam por se trair, já que por vias transversas admitem – demarcadas as balizas da teoria da asserção – a inequívoca competência da Justiça do Trabalho para o deslinde da matéria, jogando por terra, eles próprios, toda a construção argumentativa que alinhavaram em outro tópico da defesa.

De qualquer modo, a razão não lhes acompanha. Ocorre que muito embora a inicial veicule pedidos de iniludível natureza jurídica trabalhista, o fato é que estou diante de Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, regida por regime prescricional próprio.

De se destacar, aliás, que ex vi do artigo 37, § 5º, da CRFB , tal modalidade de demanda é imprescritível no que diz respeito ao ressarcimento de danos ao erário. Colho, nesse sentido, a jurisprudência do Pleno do e. TRT da 23ª Região , construída a partir de leading case relatado pelo Desembargador TARCÍSIO VALENTE:

"RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. ATOS DECORRENTES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRETENSÃO NÃO SUJEITA A PRESCRIÇÃO. A Carta Magna vigente, por expressa disposição em seu texto (art. 37, § 5º), excepcionou da sistemática legal dos prazos prescricionais as ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos de improbidade, razão pela qual a pretensão do Estado de Mato Grosso não está sujeita ao instituto jurídico em evidência."

Já quanto aos pleitos que desbordam da pretensão ressarcitória, melhor sorte não assiste aos vindicados, pois a matéria é regida pelo disposto no artigo 23, caput, I, da Lei 8429-92, a ditar que as ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas na lei de improbidade podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.

Ademais, mesmo no que diz respeito aos interesses individuais homogêneos (danos morais e materiais individuais) a prejudicial não pode ser acolhida, na medida em que os contratos se sucederam no tempo em relação aos mesmos trabalhadores, sendo únicos, a rigor. Assim é que, no pertinente, as discussões pontuais poderão ser relegadas para eventual procedimento de liquidação por artigos.

Rejeito, por todas as suas polifaces, a prejudicial em tela.

2 – DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Reverbera o 1º vindicado, ainda em seara prejudicial, que seria inconstitucional a prática que cognomina pelo epíteto de "ingerência do Poder Judiciário" nos assuntos administrativos, os quais, ao seu ver, estariam resguardados da jurisdição pela discricionariedade da administração pública, levados em conta os critérios de conveniência e oportunidade, mormente no que diz respeito à realização de concurso para o provimento de cargos e empregos públicos.

Evidente que sem razão. Para desmontar a sobredita tese, basta rememorar o princípio constitucional-republicano da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º XXXV, da CRFB, a ditar que nenhuma lesão ou ameaça a direito escapará da apreciação do Poder Judiciário.

Não bastasse o truísmo que emana da dicção constitucional, tenho por bem em colacionar a doutrina de ponta sobre o tema. Transcrevo, primeiramente, a preleção de EMERSON GARCIAL et al:

De logo, cabe lembrar que discricionariedade não guarda similitude com arbitrariedade. Discricionário é o poder outorgado às autoridades nacionais de escolher, entre dois ou mais comportamentos possíveis, quer sejam omissivos ou comissivos, estando todos amparados pelo Direito, aquele que, in casu, se mostre mais adequado aos fins visados pela norma. Arbitrário, por sua vez, será o ato que resulte de uma escolha não amparada pelo Direito. A partir dessa singela distinção, é possível afirmar que o exercício do poder discricionário, qualquer que seja a escolha realizada, sempre deve estar em harmonia com a noção de juridicidade, em especial com as regras e os princípios jurídicos.
Com isso, pode-se concluir pela existência, tão-somente, de atos preponderantemente discricionários, já que inúmeros os balizamentos a serem necessariamente observados pelo administrador, o que em muito restringe a sua margem de liberdade.

Ainda mais enfático e específico, tem-se o escólio de MARINO PAZZAGLINI FILHO:

Ante o exposto, toda a atividade administrativa está sujeita ao controle jurisdicional irrestrito.
Não se pode falar em Estado de Direito real, sem que haja uma ampla proteção jurisdicional da sociedade, segmentos sociais e indivíduos contra a atuação ilegal ou abusiva da Administração Pública, impedindo, prevenindo ou anulando qualquer comportamento administrativo, decorrente, ou não, de juízo discricionário, que afronte o ordenamento jurídico.
A atividade jurisdicional incide sobre todo o desempenho estatal, seja qual for o grau de discricionariedade que o determinou. Cabe ao Poder Judiciário, quando acionado, examiná-lo sob a ótica de sua legitimidade. (…)
Em decorrência disso, o Poder Judiciário pode e deve anular ações, atos e contratos administrativos, originados de juízo discricionário, que contrariem o sistema normativo, envolvendo desvio de finalidade, ineficiência, desproporcionalidade, ou excesso em relação ao fim específico ou ao resultado prático que a Administração Pública pretende alcançar ao aplicar, no âmbito de sua competência, norma jurídica a uma dada situação concreta. (…)
É defeso, assim, ao Poder Judiciário deixar de apreciar medidas administrativas sob o fundamento de que elas derivam do poder discricionário do agente público. (…)
Logo, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, a idoneidade da atuação do agente p&
uacute;blico, aspectos compreendido

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