Câmara Federal

Ruralistas questionam PL que traz pena maior para escravagistas

Debates no Congresso revelam clima desfavorável para avanço de projetos sobre trabalho escravo. Nelson Marquezelli (PTB-SP), vice-presidente da Comissão de Trabalho, criticou atuação dos fiscais do governo federal
Por André Campos
 02/04/2008

Prevista originalmente para março, foi adiada a votação, na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) nº. 5016/2005, que prevê mudanças na definição do crime de trabalho escravo e penas maiores para quem o pratica. Seu relator, deputado Vicentinho (PT-SP), retirou-o da pauta no último dia 26, quando o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), que foi presidente da comissão durante 2007, apresentou voto em separado contrário à proposta. "Hoje aqui na comissão nós tínhamos a presença maciça dos ruralistas e eu não posso pôr em risco um projeto tão importante como esse", disse Vicentinho.

Discursos proferidos na CTASP neste dia indicam um cenário desfavorável para a aprovação de novas leis sobre trabalho escravo. Marquezelli criticou o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que resgata  trabalhadores vítimas dessa prática no país. Segundo ele, sua atuação prejudica a imagem do Brasil no exterior. "Escravos nos já tivemos, não temos mais", afirmou.

Presente na CTASP, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, defendeu a fiscalização do governo federal e acenou apoio ao confisco de fazendas em que foi flagrado esse tipo de mão-de-obra – medida prevista pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 438/2001, que aguarda votação em segundo turno na Câmara. "Se ficar comprovado que o trabalho escravo é recorrente na propriedade, eu sou favorável à sua expropriação", opinou o ministro. Organizações da sociedade civil, parlamentares e setores do governo realizaram ato público em 12 de março e coletam adesões ao abaixo-assinado que pede a aprovação da chamada "PEC do Trabalho Escravo".

"A correlação de forças está pesada na Comissão", avalia o deputado Paulo Rocha (PT-PA). Em outubro do ano passado, proposta de sua autoria criou na CTASP a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, Degradante e Infantil. Ele espera, a partir de abril, promover debates através dela que alavanquem a aprovação de projetos sobre o tema – com especial ênfase à PEC 438/2001.

Além do recuo na CTASP, o PL 5016/2005 pode ter ainda que enfrentar caminhos burocráticos inesperados. Na semana passada, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) apresentou requerimento para que ele seja analisado também pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), notório reduto da bancada ruralista na Câmara, antes de ir à Plenário. A solicitação foi encampada pelo presidente da Comissão, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). De acordo ele, o projeto traz "sérios prejuízos ao segmento empresarial rural, já que mais uma vez se busca punir situações trabalhistas que não estão definidas de forma clara na legislação."

Criado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o PL já foi aprovado no Senado em 2005 e precisa passar ainda pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) antes de ser votado. Seu texto, modificado por substitutivo do relator Vicentinho, estabelece pena de mínima de cinco e máxima de dez anos para quem utiliza trabalhadores reduzidos a escravos. A lei atual prevê prisão de dois a oito anos para os praticantes do crime.

Outra inovação é a suspensão, por uma década, do direito a crédito ou benefícios fiscais – concedidos pelo poder público ou agentes financeiros – a quem for condenado por trabalho escravo, seja em processo administrativo ou judicial. Tal restrição também se estende, por igual período, à participação em licitações promovidas pelo poder público.

Tanto o aumento da pena quanto as restrições fiscais contam com o apoio do frei Xavier Plassat, membro da coordenação nacional da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ele ressalta que ambas são medidas previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo presidente da República em 2003. "É importante que a condenação não permita penas substitutivas", acredita.

A lei brasileira prevê a possibilidade de penas alternativas em casos de veredictos não superiores a quatro anos de reclusão. "Hoje praticamente não temos escravocratas presos e as condenações não passam de pequenas prestações de serviço ou entrega de produtos", destaca o procurador Jonas Ratier Moreno, coordenador nacional de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Tipificação do crime
Em seu voto pela rejeição, Marquezelli critica pontos do PL como o confisco, pela fiscalização, de equipamentos utilizados no trabalho forçado e dos produtos dele resultantes – que deverão ser leiloados em prol dos cofres públicos. Para ele, o projeto não pode prosperar, pois "repassa poderes ilimitados a Secretaria de Inspeção do Trabalho, órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, colocados no mesmo patamar do Poder Judiciário." Além disso, ele alfineta as ações de campo feitas pelo MTE. "A subjetividade para o enquadramento de proprietários rurais em delito de crime de condição análoga é uma constante em todo o país."

Críticas ao Art. 149 do Código Penal, que define o que vem a ser "reduzir alguém a condição análoga à de escravo", são hoje o principal alicerce de representantes do Legislativo que atuam contra projetos sobre a questão. Aprovada em 2003, a redação atual engloba também situações identificadas como trabalho degradante. Há divergência sobre o artigo inclusive entre as instituições envolvidas na erradicação da escravidão.

O próprio PL 5016/2005, no entanto, traz alterações nessa definição. A proposta determina que o crime caracteriza-se pela "relação de trabalho que sujeita o trabalhador a empregador, tomador de serviços ou preposto, mediante fraude, violência, ameaça ou coação de quaisquer espécies." Para o procurador Jonas, tal redação torna mais claro o tipo penal. "Explicita o conceito, atendo-se à questão da liberdade de locomoção e autodeterminação." Outro avanço destacado por ele é a tipificação de situações para o agravamento das penas – como, por exemplo, a retenção de salários ou documentos
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Com informações da Agência Câmara e da Agência Brasil

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