O discurso defensivo de representantes do agronegócio que busca minimizar os impactos sociais e ambientais do setor só fará sentido se houver mudanças de condutas e práticas no campo. A advertência parte de Elio Neves, presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), com sede em Araraquara (SP).
"A lista de denúncias [de casos de desrespeito às legislações trabalhista e ambiental] é grande. As agendas do trabalho decente e dos direitos humanos estão aí. Não é possível fugir desse debate hoje", defende o dirigente da Feraesp. Ele participou de painel sobre o tema realizado nesta quinta-feira (29) durante a Conferência Internacional do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, junto com outros debatedores.
Para Elio Neves, a "via de duas mãos" do processo de globalização – que permite maior intercâmbio e circulação de informações – faz com que não seja mais possível ignorar a demanda por transparência e os dados da realidade. Ele ressalta que fiscalizações relacionadas ao cumprimento de normas trabalhistas, bem como que tange à saúde e segurança do trabalho, continuam flagrando diversos problemas no setor. Alguns deles, adicona Elio, "remontam ao século passado", como o trabalho escravo contemporâneo. "Não podemos conviver com uma realidade em que pactos sociais, como o respeito ao Código Florestal [que estabelece limites para o desmatamento de propriedades privadas, conforme as regiões do país] não são cumpridos".
A intervenção do presidente da Feraesp foi feita logo após uma apresentação da agenda socioambiental do diretor executivo da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Eduardo Leão de Sousa. Em defesa da indústria do etanol, ele frisou características positivas da produção (o setor alega ser responsável por 764 mil empregos diretos) e apresentou convênios como o Protocolo Agroambiental com o governo estadual de São Paulo. De acordo com o diretor da Unica, 141 das 180 usinas paulistas já aderiram voluntariamente ao programa, que prevê a antecipação em sete anos dos prazos para a eliminação das queimadas nas plantações de cana-de-açúcar.
O diretor da Unica destacou também uma parceria com a própria Feraesp, que define critérios para a melhoria das condições trabalhistas para além das exigências da lei. A redução de mão-de-obra terceirizada, incrementos em termos de transporte e a transparência na produção dos cortadores estão entre os temas tratados no acordo entre as duas entidades. Eduardo lembrou ainda a criação do Grupo de Diálogo da Cana-de-Açúcar (GDC), com participação do empresariado, de entidades representativas da sociedade civil e organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas.
O problema relacionado à "setorialização" das políticas públicas foi o aspecto enfatizado por Roberto Smeraldi, diretor do Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. "O conceito e a cultura de indústria estão vinculadas ao meio urbano", afirmou. O incremento do setor de serviços no campo, por exemplo, é um fator importante para o desenvolvimento das áreas rurais. "Falta uma abordagem territorial das políticas", adicionou, sem ignorar a necessidade de superação da idéia de "meio ambiente como empecilho".
Iniciativas ligadas ao mercado, na avaliação de Roberto Smeraldi, não resolvem por si só. A certificação de itens de sustentabilidade na agropecuária, por exemplo, terá poucos efeitos sem que haja uma melhoria da governança. "Não foi feita nem a tarefa de arrecadar e cadastrar as terras públicas da Amazônia", frisa. "O mercado não resolve a omissão do poder público".
Ao final do painel, foi lançado o manifesto do Instituto Agronegócio Responsável (Ares), formado por entidades como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação Brasileira das Indústrias de óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). O documento reafirma a importância do agronegócio e reconhece a complexidade do tema. A entidade propõe o diálogo com a sociedade civil, a busca pelo conhecimento e a conciliação do "valor do agronegócio" com o "valor da floresta".
O contexto atual tem colocado o setor em xeque, analisa Elio Neves, da Feraesp. "Não dá para aceitar que não sejam cumpridas as condições legais de trabalho", completa. Ele clama por avanços no controle e participação social no processo de produção e na política de reforma agrária. "O aquecimento global e a crise mundial dos alimentos nos levam a assumir compromissos efetivos para melhorar as condições no campo".