Merkel apóia o Brasil, mas pede medidas a Lula

 15/05/2008

Envolvida em uma forte disputa na sociedade e no governo da Alemanha sobre as vantagens e problemas dos biocombustíveis, a primeira-ministra do país, Angela Merkel, garantiu apoio e financiamento ao programa brasileiro de combustíveis renováveis, mas cobrou medidas de "sustentabilidade" e proteção ao meio ambiente e à produção de alimentos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao lado de Merkel, garantiu estar disposto a discutir a preservação da biodiversidade com a produção de biocombustível, tema de uma conferência internacional em novembro.

"Não podemos aceitar é que esta questão seja uma discussão truncada, com meias-verdades, em função de interesses meramente comerciais", reagiu Lula. "Não é justo, não é politicamente correto, não é socialmente correto." A conferência convocada em 20 e 21 de novembro pelo Brasil deve discutir as mudanças climáticas, a crise na produção de alimentos e os biocombustíveis, explicou.

A primeira-ministra alemã assegurou que a Alemanha deverá manter as metas de substituição progressiva de parte do combustível usado nos automóveis por biocombustíveis. "Tudo depende da sustentabilidade, é importante que seja assegurada", avisou. Merkel, que hoje visita a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, veio ao Brasil a caminho da reunião de cúpula União Européia-América Latina, que também levou outros chefes de Estado europeus a fazer uma escala em Brasília nesta semana. Hoje, Lula toma café da manhã com o primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero. O Brasil não espera nenhuma decisão importante da cúpula, mas tenta extrair dos chefes de Estado uma manifestação em favor do etanol.

Antes do encontro com Lula, Merkel teve uma reunião com representantes da sociedade civil e ouviu fortes críticas à indústria do etanol, do secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, e do presidente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel José dos Santos. Dom Dimas informou a Merkel que trabalhadores da indústria de cana são obrigados a cumprir metas de produção de até 12 toneladas de colheita diárias e que grandes projetos agroindustriais deslocam propriedades de agricultura familiar, produtoras de alimentos. O presidente da Contag queixou-se de trabalho escravo no setor e acusou o etanol de não ser "nem ambientalmente nem socialmente sustentável".

Com esses dados e outros do governo alemão de que plantações de soja vêm ocupando áreas de mata amazônica, Merkel pediu informações a Lula. Ouviu, como resposta, que o governo vem combatendo as irregularidades e decidiu fazer um zoneamento ecológico da Amazônia, que orientará as atividades produtivas na região.

O tema biocombustíveis é tratado com fortes reservas pela diplomacia alemã, devido às repercussões internas no país, onde é forte a oposição ao programa, acusado de provocar escassez de alimentos e estimular a expansão de fronteiras agrícolas nas florestas tropicais. Merkel, porém, foi enfática, após a conversa com Lula, em assegurar que o Brasil está "na vanguarda" da questão dos biocombustíveis e que a produção do país respeita os critérios de "sustentabilidade".

"Fiquei surpreso quando vi a manchete nos jornais de que o preço dos alimentos estava subindo por causa dos biocombustíveis", disse Lula. "A mesma pessoa… não explicou qual é a importância, no custo dos alimentos, do preço do petróleo, que saiu de US$ 30 para US$ 124", criticou, lembrando do aumento nos custos do transporte com a alta do petróleo.

Mais tarde, ao discursar para uma platéia de empresários em São Paulo, em jantar promovido pela Câmara de Comércio Brasil – Alemanha, Merkel pediu transparência ao Brasil nas questões relacionadas aos biocombustíveis e ao meio ambiente. "Temos que ter transparência para que não haja confusões, mas também para que os problemas não sejam varridos para baixo do tapete", disse. Ela enfatizou que a Alemanha é a favor dos biocombustíveis como forma de proteger o clima, mas ressaltou que há alguns problemas envolvendo a questão.

Merkel afirmou que está ciente de que a cana-de-açúcar é produzida em São Paulo, região distante da Amazônia, e que as áreas desvastadas da floresta não podem ser utilizadas para essa cultura imediatamente. Mas reforçou que devem ser desenvolvidos mecanismos para acompanhar o avanço da produção de soja e da pecuária na floresta. "É necessário ter transparência, clareza e abertura".

A chanceler alemã afirmou que seu país "fez de tudo" para proteger as florestas tropicais desde a conferência ECO-92 no Rio de Janeiro. "E nossas promessas não foram ocas", afirmou. Ela também manifestou preocupação com as condições de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar.

Pouco antes do discurso da chanceler alemã, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, reclamou que o Brasil tem sido alvo de acusações "injustas" de que a produção de etanol do país poderia ser responsável pelo desabastecimento de alimentos. Ele afirmou que a cana ocupa apenas 1% da área agricultável do país, que também está aumentando muito sua produção de grãos.

Para Skaf, o problema da alta do preço dos alimentos deve ser atacado com reduções dos subsídios para os fazendeiros dos países ricos e queda das tarifas de importação de produtos agrícolas. "Temos uma boa oportunidade em Doha. E precisamos do apoio da Alemanha para concluir a rodada", afirmou.

Merkel mencionou as discussões da Organização Mundial de Comércio (OMC) em seu discurso. Ela afirmou que seu país está ciente de que a negociação agrícola tem de avançar, mas que quer vantagens na área industrial.

Sergio Leo e Raquel Landim
15/5/2008

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM