Trabalho II

Executivo também estuda "modernizar" legislação do trabalho

Portaria do Ministério da Justiça instituiu comissão para tratar do tema. Na opinião de acadêmicos, proposta de "consolidação" que tramita na Câmara faz parte de estratégia de "fatiar" reforma e pode gerar ainda mais confusão
Por Maurício Reimberg
 05/06/2008

Leia matéria de abertura:
Projeto de consolidação das leis trabalhistas: por que e para quê?

A iniciativa de consolidação das leis trabalhistas que está sendo proposta pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) no Parlamento não é consenso nem dentro do próprio governo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, constituiu no último dia 12 de maio, por meio da Portaria 840/08, uma comissão de alto nível para "avaliar, debater e elaborar" propostas que auxiliem o governo a aprimorar e modernizar a legislação material e processual do trabalho.

Presidida pela Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça (MJ), a comissão formada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra) terá 120 dias para realizar os trabalhos. Algumas dessas entidades como a OAB, a Anamatra e a Abrat já se posicionaram publicamente contra o PL 1.987/07 proposto pelo deputado do PT paulista.

Esta não foi a única articulação recente do governo sobre o tema. Em outubro do ano passado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também criou um grupo responsável por elaborar um anteprojeto de lei para "modernizar" a legislação trabalhista. Segundo a Portaria 463/07, nesse futuro projeto está "vedada a inclusão de normas que retirem direitos do trabalhador".

Cândido Vaccarezza declara não saber se o PL 1.987/07 – que para ele se destina apenas a "simplificar" a lei vigente – tem o apoio do governo. "Não é uma questão que precisa de chancela do governo. É um processo previsto na Constituição", coloca. "O governo pode apresentar um projeto de consolidação e tramitar na Câmara. Se apresentar, nós vamos avaliar".

O juiz trabalhista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior ressalta que a legislação trabalhista é complexa. Além disso, segundo ele, o PL consolidado pelo parlamentar petista está sendo conduzido de forma "atabalhoada" para "causar impacto na mídia". "Não me parece ser tarefa que se possa fazer a toque de caixa", diz. "Vários artigos conflitam com outros. Há textos diferentes sobre o mesmo objeto. A jurisprudência já tem entendimentos contrários ao que está previsto na legislação".

Segundo o professor especialista no tema, o ponto mais preocupante é que a proposta – que está sendo discutida no Grupo de Trabalho para Consolidação das Leis (GTCL) e aguarda parecer do deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – irá gerar mais "confusão". "Não favorece nem trabalhadores nem empregadores", pontua. "É uma desconsideração da importância das relações de trabalho na atualidade". Para ele, as prioridades do setor são outras: a garantia de emprego contra as dispensas arbitrárias, a limitação da jornada a todos os trabalhadores e a eliminação do expediente das terceirizações.

Ele enfatiza que uma atualização deveria garantir direitos (leia entrevista), e não retirá-los. "A gente não mede a eficácia de um corpo legislativo a partir de sua idade. É um despropósito falar que a legislação trabalhista no Brasil é antiga. A própria CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas, de 1943] já passou por processo de avaliação, pertinência e coerência".

Já para Marcus Orione, juiz federal e chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, o PL "ressuscita" a CLT, que deixa de ser "herança maldita" do getulismo. "Em geral, estamos vendo a depreciação das condições de trabalho. Pelo menos as condições atuais o projeto tenta manter", afirma. Na visão dele, a proposta faz a compilação de toda a normatização existente num único texto, e não chega a ser uma "codificação". Marcus Orione elogia, por exemplo, o fato do PL ter incorporado a legislação que veda práticas discriminatórias.

Flexível e fatiada
Embora defenda a proposta em linhas gerais, o juiz reconhece que o projeto assimila pontos oriundos da "saga flexibilizatória". "Há consolidação de normas que vieram esparsas a partir dos anos 90, de um período neoliberal, que trazem certa tensão ao texto", observa. Um exemplo é o Art. 286, que aborda o contrato de trabalho por prazo determinado. "Na época, o Brasil se inspirou no modelo espanhol dos anos 90. A expectativa era de que as contratações por prazo determinado aumentariam os postos de trabalho. Não foi bem sucedida, pois não houve uma quantidade significativa de contratações".

A discussão sobre a consolidação das leis trabalhistas vai além do PL, como esclarece o próprio Cândido Vaccarezza na justificativa da proposta em anexo ao texto principal. "Como conceber uma Reforma Trabalhista se não temos a dimensão exata do regramento posto? O que realmente está em vigor? Há necessidade de regular que tipo de matéria?", indaga o autor. 

A abertura sublinhada pelo deputado se encaixa à análise de Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Diante da derrota parcial por não ter conseguido implantar uma ampla reforma sindical e trabalhista no primeiro mandato, avalia, o Executivo adotou a estratégia de "mini-medidas" acerca do tema.

"O que estamos vendo de lá para cá é que o governo vem fatiando a reforma trabalhista, aqui e ali, de modo que alguns itens passem e outros, não", explica. As restrições ao direito de greve do funcionalismo público e a recente incorporação das centrais no bolo do rec
ebimento do imposto sindical são elementos que permitem caracterizar essa nova linha de ação, frisa o professor. Segundo ele, o imposto sindical, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e a presença de ex-dirigentes no aparelho do Estado colocaram as duas centrais "dominantes", a CUT e a Força Sindical, "no colo do governo".

Apesar disso, o sociólogo não acredita numa reforma trabalhista "de monta". "Não há um acordo muito claro entre as cúpulas das centrais e os representantes das várias frações do empresariado. Sem o apoio desses dois blocos que dão sustentação ao governo, a proposta abrangente se encontra em dificuldade", analisa o pesquisador. "Fatiando é mais fácil fazer com que o Parlamento assimile e o movimento sindical engula".

A respeito da CLT, o professor da Unicamp afirma que ela precisa ser vista de um modo "bifronte". "Ela é muito positiva nos direitos do trabalho e muito restritiva no capítulo do controle sindical", afirma. Ele ressalta ainda que, no contexto atual, encaminhar o conjunto da legislação protetora do trabalho no Brasil para o Congresso representa um "risco inimaginável".

"O Parlamento se encontra num descrédito raramente visto. E esse descrédito permite a prática de todo tipo de acordo, negociação e arranjo. Entre as quais uma possibilidade seria reduzir os direitos do trabalho num patamar inferior", prevê o sociólogo. Para ele, essas possíveis alterações no projeto poderiam provocar um "frankenstein muito pior do que a sua intenção original".

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