Tocantins

Grupo móvel liberta 13 de trabalho escravo em área de pecuária

Trabalhadores estavam alojados em barracas de lona na mata e no curral, junto com animais. Em duas outras ações, grupo móvel resgatou cinco pessoas de trabalho degradante e rescindiu 12 contratos em plantação de eucalipto
Texto e fotos: Beatriz Camargo
 03/06/2008

Darcinópolis (TO) e São Paulo (SP) – Mais 13 pessoas foram libertadas de trabalho análogo à escravidão no último dia 21 de maio, no norte do Tocantins. A fiscalização do grupo móvel comandado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou trabalhadores vivendo em péssimas condições, sem receber salário, submetidos a dívidas e em área de difícil acesso no interior da Fazenda Canadá, em Santa Fé do Araguaia (TO).

Os trabalhadores estavam alojados em três diferentes espaços: uns dormiam numa casa de alvenaria, outros num barraco de lona e um casal com uma criança de 10 meses de idade e mais dois trabalhadores viviam junto com alguns animais no curral da propriedade. Todos eles faziam o chamado "roço da juquira", que é a limpeza do pasto para a criação extensiva de bovinos.

O barraco de lona e madeira, que abrigava quatro trabalhadores, estava a cerca de quatro quilômetros para dentro de uma mata. Os fiscais só chegaram ao local a cavalo. Os libertados que estavam na casa de alvenaria declararam à equipe que, antes de ocupar a construção, também ficaram dois meses alojados no mesmo barraco sem condições mínimas no meio do mato.

O grupo móvel identificou descontos ilegais de alimentação e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), expediente típico para "endividar" quem é explorado. O salário não era pago regularmente e os trabalhadores recebiam apenas alguns adiantamentos, quando queriam ir para o centro de Santa Fé do Araguaia, a 30 km de estrada de terra da propriedade.

O pagamento das verbas rescisórias (pouco mais de R$ 34 mil), foi feito nesta terça-feira (3), em Araguaína (TO). O dono da Fazenda Canadá, João de Araújo Carneiro, não mora no estado. A Repórter Brasil conversou por telefone com o administrador da fazenda, que acompanhou o pagamento em nome de João. Ele declarou que a questão já estava "resolvida", com todos os contratos rescindidos e não havia mais nada a falar sobre o assunto.

Integrante do grupo móvel, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Gláucio Araújo de Oliveira firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o pagamento de R$ 40 mil em danos morais coletivos. O valor será revertido em bens para equipar a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Tocantins (SRTE-TO), com sede em Palmas, capital do estado.

MP 410
No dia 16 de maio, a mesma equipe resgatou cinco pessoas de trabalho degradante também da atividade de roço da juquira, na Fazenda Tupitinga, em Colinas (TO). A ação se encerrou em 19 de maio, com o pagamento das verbas rescisórias de cerca de R$ 10 mil. Também foi firmado TAC por danos morais coletivos no valor de R$ 10 mil, que também vai para a SRTE-TO.

Para o proprietário da Fazenda Tupitinga, Fabiano Sousa, a situação flagrada pelos fiscais não pode ser definida como degradante, pois ainda não foi finalizado o processo administrativo. "Apresentamos uma defesa de que não foi trabalho degradante e ainda estamos aguardando a decisão".

Ele frisa ainda que a ação partiu de uma denúncia falsa e que não teve a oportunidade de ir até a fazenda para se defender. "No nosso entendimento, a gente faz o trabalho da melhor forma possível", justifica Fabiano.

Os trabalhadores dormiam em redes na varanda da casa sede da Fazenda Tupitinga, na qual eram proibidos de entrar. Não havia banheiro e as necessidades eram feitas no mato. Alguns estavam há dois meses na propriedade, mas só alguns dias antes da chegada da fiscalização o empregador havia feito um contrato temporário com os trabalhadores.

Segundo o próprio fazendeiro Fabiano, o contrato feito de "última hora" se iniciou em 13 de abril e se baseou na Medida Provisória (MP) 410/2007 – que determina a dispensa de assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para trabalhos no meio rural de até dois meses

Sub-coordenador da operação, o auditor fiscal do trabalho Lucas Castro destaca, porém, que esse contrato consiste em tentativa de burlar a autuação, pois começou no dia em que o documento foi assinado, desconsiderando o tempo anterior de trabalho. "Quando começa o trabalho sem contrato nenhum, considera-se o contrato por tempo indeterminado. Não se pode fazer um contrato de tempo determinado no meio do caminho", completa Lucas.

Os trabalhadores relataram à fiscalização que, no dia em que assinaram o contrato, o dono da área chegou nervoso à Fazenda Tupitinga, querendo levar todos pra cidade para finalizar o contrato de empreitada de curta duração. De acordo com o trabalhador Joselei Gaudino de Sousa, que é analfabeto, os termos do documento não foram explicados a ele (veja vídeo).

Não foi a primeira vez que a liberação da dispensa de carteira para trabalhos de curta duração foi utilizada na tentativa de burlar a fiscalização do grupo móvel. Em fevereiro, o fazendeiro Gilberto Andrade, atualmente em prisão preventiva pelo crime de trabalho escravo, também se utilizou da MP 410 para tentar "legalizar" condutas trabalhistas irregulares.

Eucalipto

 
Ademir, como a maioria dos trabalhadores na Fazenda Santa Cecília, veio de Betânia do Piauí

 A mesma equipe do grupo móvel fiscalizou a Fazenda Santa Cecília, em Darcinópolis (TO), no dia 17 de maio. A ação foi acompanhada pela Repórter Brasil.

Quatro caminhonetes levavam o grupo móvel, com cinco auditores fiscais do trabalho, um procurador do trabalho e sete policiais federais, entre os quais um delegado.

À primeira vista, as condições na Fazenda Santa Cecília foram consideradas degradantes, mas alguns fatores – como o pagamento regular de salários e a ausência de descontos ilegais ou outras formas de restrição de liberdade – levaram os fiscais a definir a situação encontrada como um quadro de infrações trabalhistas.

Dos 15 trabalhadores encontrados, 13 tiveram seus contratos rescindidos nesta terça-feira (3), em Araguaína (TO). No momento da chegada do grupo móvel à propriedade, eles pareciam assustados e demoraram a entender o que se passava. Oito pessoas são originárias de Betânia do Piauí (PI), divisa com o estado de Pernambuco, e declararam
querer voltar para casa.

"A gente veio pra cá porque não tem alternativa", conta Ademir Pinheiro Santos, um dos que quer retornar ao Piauí. Ele tem 28 anos e a empreitada em Darcinópolis fora a sua primeira experiência de emprego fora do estado de origem. No município de Betânia do Piauí, sua família tem dez hectares de terra, que não são suficientes para sustentar todos. "A gente vive assim, uma hora na cidade, outra no campo".

"Eu saí de lá e fiquei rodando por aí", relata David José do Nascimento, que também veio de Betânia. Há muito, atua como "peão de trecho" – designação dada ao trabalhador que sai de casa em busca de trabalho e acaba emendando um serviço atrás de outro em localidades distantes e, muitas vezes, fica meses e até anos sem voltar para casa.

 
Fornos de carvão estão desativados; há hoje na área plantio e manutenção de mudas de eucalipto

A atividade principal da Fazenda Santa Cecília, segundo o seu alvará de licença, é comércio atacadista de combustível vegetal, ou seja, produção de carvão vegetal. 

A propriedade pertence aos sócios Vicente dos Reis Araújo e Márcio de Andrade Junqueira, que vivem em Ribeirão Preto (SP). Atualmente, a carvoaria está desativada. Os trabalhadores trabalhavam no plantio e na manutenção das mudas de eucalipto, aplicando agrotóxicos. Segundo relatos, ganhavam diária de R$ 20,00. Por mês, o salário ficava em torno de R$ 600,00.

Em 2007, os trabalhadores estavam desmatando a área da Fazenda Santa Cecília para transformar madeira em carvão vegetal. De acordo com alguns trabalhadores, nessa época o trabalho era muito mais pesado. As condições, reclamam, também eram mais precárias. Há dez dias, um grupo teria deixado a propriedade, pois o serviço disponível havia diminuído.

Embora não houvesse superlotação e a situação dos trabalhadores fosse melhor do que a encontrada nas outras fazendas, o alojamento e os banheiros não estavam em condição regular. Também não havia banheiro nas chamadas "frentes de trabalho", distantes do alojamento e da sede, e tampouco mesas e cadeiras na sombra para as refeições (veja vídeo).

Vídeos:
Depoimento do trabalhador na Fazenda Tupitinga, em Colinas (TO)
Trabalhadores almoçam na Fazenda Santa Cecília, em Darcinópolis (TO)

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