Divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nesta terça-feira (15), a atualização semestral da "lista suja" de empregadores que exploraram trabalho escravo incluiu três grupos principais de infratores: uma maioria de pecuaristas, grande parte deles com fazendas situadas no chamado Arco do Desmatamento, que pressiona a Floresta Amazônica; empresas sucroalcooleiras da Região Centro-Oeste; e carvoeiros espalhados por diversos municípios do Mato Grosso do Sul. A inclusão da pessoa física ou jurídica na "lista suja" se dá somente após a conclusão de processo administrativo (instaurado a partir dos autos de infração lavrados no ato das fiscalizações), ao longo do qual os infratores têm a possibilidade de apresentar as suas posições com relação ao ocorrido.
Dos 43 novos nomes incluídos na "lista suja" (confira a relação completa e o quadro de entradas e saídas, abaixo), 20 (46,5%) foram flagrados explorando mão-de-obra escrava na atividade de pecuária bovina. Um total de 15 – dessas 20 propriedades de criação de gado – se localiza em municípios da fronteira agrícola da Amazônia, nos estados do Pará (11), Maranhão (3) e Mato Grosso (1). Ou seja, 37,2% das ocorrências incluídas na relação de escravocratas se deram na faixa de derrubada da maior floresta do mundo.
Com a atualização, são agora 212 nomes na "lista suja". A inserção no cadastro implica não só em restrições de incentivos fiscais e de operações de crédito junto a instituições públicas federais, determinadas por portaria do Ministério da Integração Nacional (MIN) do final de 2003, como também a sanções por parte das mais de 180 empresas e associações setoriais signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Entradas e Saídas da "Lista Suja" do Trabalho Escravo |
Entraram em 15/07/2008 |
– Adelino Gomes de Freitas – Faz. Campelobo – Santana do Araguia (PA) |
Saíram em 15/07/2008 |
– João Batista de Jesus Ribeiro – Faz. Ouro Verde – Piçarra (PA) |
A nova "lista suja" traz o nome do presidente da Câmara Municipal de Marabá (PA), vereador Miguel Gomes Filho (PP). Representante da classe política numa das principais cidades da região de Carajás, "Miguelito" – como é conhecido – manteve três trabalhadores em condições precárias na fazenda que lhe pertence, localizada à altura do km 62 da Rodovia Transamazônica, no município de Itupiranga (PA). Outra propriedade em Itupiranga foi adicionada à relação do MTE: a Fazenda Rio Grande, de Humberto Eustáquio de Queir
oz, onde 20 pessoas foram libertadas em abril do ano passado.
A única fazenda do Mato Grosso incluída nesta atualização de julho de 2008 pertence a um produtor de grande porte: Gilson Mueller Berneck, que vive em Araucária (PR), dono das Fazendas Paraná e São Bernardo, em Brasnorte (MT). A Fazenda Paraná possui 40 mil hectares – que equivalem a cerca de 43 mil campos de futebol do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro – e abriga 20 mil cabeças de gado. Gilson cultiva teca, da qual se extrai madeira para a fabricação de móveis. Flagrado por uma operação do grupo móvel em abril de 2007, o fazendeiro mantinha 47 pessoas em condição análoga à escravidão. O grupo era forçado a permanecer na propriedade (a cerca de 200 km do núcleo urbano mais próximo) pelo sistema de servidão por dívida e alguns deles estavam desde 2005 sem receber salários regularmente.
As fazendas dos outros pecuaristas da nova "lista suja" estão concentradas no sudeste do Pará e oeste do Maranhão: Santana do Araguaia (PA), Açailândia (MA), Paragominas (PA), Rondon do Pará (PA), Ulianópolis (PA), Monção (MA), Brejo Grande do Araguaia (PA), Pacajá (PA), Santa Luzia (MA) e São Domingos do Araguaia (PA). Duas propriedades de São Félix do Xingu (PA), município campeão de desmatamento, também entraram na relação: a Fazenda Santa Terezinha (de pecuária bovina), de Enivaldo Canêdo, e a Fazenda Progresso (de extração de madeira), pertencente a Nei Amâncio da Costa.
Cana-de-açúcar
Levando-se em conta apenas o número de libertações, foram 1.559 apenas nas lavouras de cana, que corresponde 67,7% do total de 2.302 pessoas retiradas dos casos de escravidão contemporânea que foram inseridos na relação de infratores mantida pelo governo federal. Alguns grandes empreendimentos do setor de açúcar e álcool foram incorporados à "lista suja".
Excluído definitivamente do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho na semana passada por reincidir na prática de trabalho degradante, o Grupo José Pessoa, por meio da empresa Agrisul Agrícola Ltda., entrou para a relação de empregadores vinculados à exploração de mão-de-obra escrava por causa do resgate de 1.011 cortadores de cana, a maioria deles indígenas, da Fazenda e Usina Debrasa, em Brasilândia (MS). Em junho deste ano, o grupo de fiscalização móvel encontrou documentos retidos numa mercearia de 55 trabalhadores vindos do Vale do Jequitinhonha que trabalhavam na unidade da mesma Agrisul em Icém (SP), divisa de São Paulo com Minas Gerais.
Igualmente responsabilizado pela exploração ilegal de cerca de 150 indígenas dos povos Guarani e Terena, o médico do trabalho Nelson Donadel, dono da Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda. (Dcoil), instalada no município de Iguatemi (MS), agora também faz parte da "lista suja". Oriundos de três núcleos indígenas, os índios dividiam um alojamento que poderia abrigar no máximo 90 pessoas. Foram agregadas ainda duas usinas de Goiás: a Agrocana JFS Ltda., de Ceres (GO) – de onde foram resgatadas 36 pessoas – e a Ipê Agro-Milho Industrial Ltda., de Inhumas (GO) – que mantinha 14 trabalhadores em situação grave, oriundos do Maranhão, que recebiam abaixo do piso da região.
Com atuação nos ramos de reflorestamento, fundição e siderurgia, a empresa Brasil Verde Agroindústrias Ltda. foi agregada à "lista suja" por conta de uma fiscalização que resgatou 19 trabalhadores do cultivo de eucalipto em março de 2007. A mesma Brasil Verde foi agraciada em 2005 com o 3º lugar na categoria atividade agrosilvipastoril do prêmio Gestão Ambiental – concedido pela Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), pela Agência Ambiental de Goiás, pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e de Ciência e Tecnologia e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Os eucaliptos que dominam 16 mil hectares da propriedade-sede da Brasil Verde, em Ipameri (GO), são convertidos em carvão vegetal, matéria-prima essencial para a produção do ferro-gusa.
Carvão vegetal e outros
Nove produtores de carvão vegetal flagrados no Mato Grosso do Sul entraram para a "lista suja". Distribuídas por oito municípios – Água Clara, Alcinópolis (2), Amambaí, Aquidauana, Bandeirantes, Camapuã, Figueirão e Selvíria -, essas propriedades mantiveram 109 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Outras duas áreas carvoeiras também foram adicionadas ao grupo oficial de envolvidos do trabalho escravo: a Fazenda Patrícia, em Wanderley (BA), pertencente à Antônio Carlos Osório Filho, de onde foram libertadas 22 pessoas (sete delas adolescentes); e a carvoaria pertencente a Weslei Lafaiette Ferreira Guimarães, em Goianésia do Pará (PA), onde houve 7 libertados.
Entraram pela primeira vez na "lista suja" duas empresas da Região Sul produtoras de erva-mate – a Ervateira Tradição da Palmeira Ltda., de Petrolândia (SC), e a Indústria Ervateira Anzolin Ltda., de Vargem Bonita (SC). Propriedades que cultivavam algodão – Fazenda Correntina, da Rio Pratudão Agropecuária Ltda., em Jaborandi (BA) -, café – Sítio Zanotelli, de Fernando César Zanotelli, em Pancas (ES), cebola – Fazenda Paineiras, de Ariovaldo Vignoto Peres, em Campo Alegre de Goiás (GO) – e semente de capim para pecuária bovina – Fazenda Santa Maria, de João Emídio Vaz, em Trindade (GO) – também foram inseridas nesta atualização de julho de 2008.
Exclusões e suspensões
Depois de honrar todas as multas, de pagar todos os débitos trabalhistas e previdenciários, de cumprir todas as medidas corretivas e de não reincidir no crime de trabalho escravo ao longo de dois anos, nove nomes foram excluídos da "lista suja". Um deles foi o senador João Ribeiro (PR-TO), que entrara na lista em julho de 2006, por conta de operação na Fazenda Ouro Verde, em Piçarra (PA). Não fazem mais parte do cadastro a Siderúrgica do Maranhão S. A. (Simasa), que havia sido flagrada em Brasilândia (TO) e Dom Eliseu (PA), a Tobasa – Bioindustrial de Babaçu S. A., de Tocanti
nópolis (TO) e a Rezil Extração, Comércio e Exportação Ltda., em Iaras (SP), cuja principal atividade é a extração de resina de pinus.
Mais cinco fazendeiros deixaram a "lista suja": João Batista Lopes, da Fazenda Serra Bonita, em Xambioá (TO); José Rodrigues Alves, da Fazenda São Lourenço, de Santa Maria das Barreiras (PA); Lívio José Andrighetti , das Fazendas Tucano e Java, de Campo Novo dos Parecis (MT); Maria José das Neves, da Fazenda Araguaia, de Araguaína (TO); e Milton Ribeiro de Oliveira, da Fazenda Sossego, de Canaã dos Carajás (PA). Um total de 66 produtores poderiam ter sido excluídos após a permanência de dois anos na "lista suja". Esses últimos, porém, deixaram de cumprir todas as exigências e ainda permanecem no cadastro. Uma série de liminares concedidas pela Justiça nos últimos anos também determinaram a suspensão temporária de fazendeiros e empresas da "lista suja" do trabalho escravo.