Artigo

Paquistão visita Brasil para conhecer combate à escravidão

Uma missão internacional levou a sensação do brutal contraste entre o potencial de riquezas disponíveis e a forma como se trata trabalhadores. Mas também a impressão animadora da mobilização de setores da sociedade e do poder público, em termos ainda difíceis de serem imaginados por lá
Por Xavier Plassat*
 23/08/2008

Acabam de retornar ao seu país três membros de uma delegação paquistanesa que esteve no Brasil de 10 a 21 de agosto, a convite da Comissão Pastoral da Terra e da Repórter Brasil, devolvendo a seus parceiros brasileiros a visita de intercâmbio que estes fizeram em 2007 ao Paquistão. em maratona de dez dias nos três estados que lideram a atual “lista suja” da escravidão. Bisharat Ali, da grdo (Green Rural Development  Organisation), Nasir Sulhai, da IRC (Interactive Resources Center) e Paul Braithwaite, da Trocaire-Pakistan, tiveram oportunidade de conhecer aspectos atuais do trabalho escravo no Brasil e formas empreendidas para combatê-lo.

Estiveram no roteiro da viagem: em Marabá (PA), famílias de trabalhadores sem-terra que afinal conseguiram seu assentamento nas terras da fazenda Cabaceiras onde parte deles foram escravizados mais de uma vez; em São Geraldo (PA), alunos e professores  da escola municipal “Raimundo Ferreira Lima” (do nome do sindicalista “Gringo” assassinado em 1980; sua viúva, Oneide, é a atual diretora),  ativos participantes do projeto  “Escravo, nem Pensar!” e do recente Festival da Abolição. Também os membros do grupo móvel de fiscalização – de volta de mais uma missão de resgate de escravos na região de Rondon do Pará -; um procurador e um juiz do trabalho da região – empenhados no combate à impunidade de que se já se beneficiaram tantos modernos escravagistas -; famílias egressas da escravidão gerando alternativas decentes de emprego e renda, cultivando hortaliças e lutando por uma terra em Ananás (TO); com o Centro de Direitos humanos de Araguaína; em Filadélfia, com o MST e a CPT regional; em Riachinho (TO), um grupo de jovens camponeses da Pastoral da Juventude Rural (PJR) gerando seu sustento e resgatando sua identidade. Assentados de Darcinópolis (TO), vivenciando na pele as contradições das políticas públicas no seu assentamento “Formosa”, expremidos entre o avanço da monocultura do eucalipto (destinado a fornecer carvão às siderúrgicas do Pólo Carajás, em Açailândia e Marabá), a construção da ferrovia Norte-Sul  cortando suas terras e acabando com suas nascentes, e a programada inundação das áreas de melhor fertilidade pelo lago da barragem de Estreito (MA). Conheceram  Ismauir, ex-escravo em São Félix do Xingu e por um curto dia palestrante no Palácio do planalto.

Já no maranhão puderam observar os resultados de 10 anos de mobilização da sociedade pelo direito à dignidade e contra o trabalho escravo, por meio das mais diversas atividades promovidas pelos incansáveis membros do CDVDH (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos) na prevenção (dança afro, capoeira, teatro, alfabetização, documentação legal, rádio comunitária), na repressão (assistência jurídica, assistência de acusação, denúncia, mediação), na busca de alternativas de inserção produtiva (cooperativa pela dignidade do trabalho) e na luta política (Coetrae-MA, Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo, Campanha contra a Corrupção Eleitoral, mobilização da comunidade de Pequia contra a poluição das siderúrgicas).

Em São Paulo, os visitantes conheceram as principais ações desenvolvidas pela Repórter Brasil: a pesquisa das cadeias produtivas dos produtos da escravidão, o estudo dos impactos dos agro-combustíveis e o acompanhamento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Na área de educação e prevenção, o prorama ” Escravo, nem pensar!”, e na de produção e divulgação de notícias, a Agência de Notícias sobre Trabalho Escravo a produção de programas do programa de rádio “Vozes da Liberdade”.

Por fim, em Brasília, discutiram com alguns dos principais responsáveis pela execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, na Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, na Procuradoria Geral do Trabalho, na Organização Internacional do Trabalho. Estiveram com o presidente da sub-comissão do  Senado de combate ao trabalho escravo, José Nery (Psol-PA), esboçando possíveis desdobramentos de cooperação entre Brasil e Paquistão.

Trabalho escravo é um assunto em que os dois países têm muito o que compartilhar, embora a partir de contextos bem diferenciados. O Paquistão, país com área dez vezes menor que o Brasil mas quase igual em população, as estimativas do número atual de escravos estão na casa dos milhões e a servidão por divida ainda carrega complicadas características feudais. Um exemplo, é uma matéria publicada no diário paquistanês The News, neste sábado (23), Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e de sua Abolição).

Daqui, os paquistaneses guardaram a sensação do brutal contraste entre o potencial de terras e de riquezas disponíveis e a forma como se trata trabalhadores dentro de um perverso modelo de desenvolvimento. Levaram também a impressão animadora da forte e eficiente mobilização de setores importantes da sociedade e do poder público, e cenas de sua eficiente cooperação, em termos ainda difíceis de ser imaginados no Paquistão.

*Xavier Plassat é economista, frei dominicano e membro da coordenação nacional da campanha da Comissão Pastoral da Terra para o combate ao trabalho escravo.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM