RN faz manifesto contra escravidão

 16/10/2008

Juízes, procuradores e advogados reuniram-se ontem pela manhã, na sede da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, para participar de um movimento nacional pela aprovação de uma proposta de emenda à Constituição, que prevê a desapropriação de terras nas quais sejam comprovadas condições de trabalho análogas à de escravidão. A PEC tramita no Congresso Nacional desde 2001, mas ainda não tem previsão de ser aprovada em definitivo. Pela proposta, as terras desapropriadas seriam destinadas à reforma agrária.

A PEC número 243, de autoria do ex-senador Ademir Andrade (PSB/PA), já passou pelo Senado e aguarda votação em segundo turno na Câmara dos Deputados. Como sofreu alterações na Câmara, a proposta, se aprovada, terá de ser apreciada novamente pelos senadores.

Durante a reunião de ontem, as autoridades assinaram um manifesto nacional que pede agilidade no trâmite da proposta. O encontro fez parte da programação do dia de mobilização nacional de coleta de assinaturas em favor da PEC, que acontece hoje em todo o país. No Rio Grande do Norte, a programação foi antecipada para ontem em virtude da agenda das autoridades locais.

As vítimas do trabalho escravo não têm direitos trabalhistas nem condições de higiene e segurança. Essas pessoas são impedidas de deixar as propriedades por homens armados e se endividam cada vez mais com os patrões, porque são obrigadas a comprar apenas na mercearia do fazendeiro a a pagar pelo alojamento e até pelo transporte até a fazenda, quando acontece o aliciamento, que costuma ser feito por intermediários chamados de ‘‘gatos’’.

A procuradora do trabalho Liliane Neiva informa que atualmente há três inquéritos abertos para apurar situações de trabalho análogas à escravidão no Rio Grande do Norte, em propriedades rurais nas regiões do Seridó e do Agreste. Ela acrescenta que o Ministério Público do Trabalho vem trabalhando em parceria com órgãos como a Polícia Rodoviária Federal e a Superintendência Regional do Trabalho, que detectam denunciam casos de trabalho escravo. No entanto, Liliane reconhece que há dificuldades no controle. ‘‘A PRF reteve alguns ônibus que transportavam trabalhadores em situação suspeita. Mas aí os responsáveis pelo trasnporte passaram a disfarçar o tráfego, distribuindo os trabalhadores em vários veículos’’, exemplifica.

Ela comenta que os trabalhadores submetem-se a essa situação em virtude da falta de meios de vida no campo. ‘‘É a falta de trabalho. A pessoa está passando fome no campo, daí não tem outra alternativa’’, reforça. Liliane acha que um trabalho de divulgação na mídia, a exemplo do que foi feito sobre o problema do Assédio Moral, seria interessante, mas lamenta que faltem recursos. ‘‘A campanha na TV contra o assédio moral só foi viabilizada por causa de uma condenação contra a Ambev, em mais de R$ 1 milhão’’, relembra.

Trabalho escravo só cresce no país
O juiz federal Walter Nunes lembra que a legislação atual contra o trabalho escravo prevê multas e penas de reclusão. No entanto, ele julga importante a entrada de um novo elemento punitivo.

Nunes acrescenta que para garantir maior celeridade na aprovação da lei, será necessária uma articulação com os parlamentares. O juiz afirma que o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT/SP), já assumiu esse compromisso mas que as bancadas de cada estado terão de ser mobilizadas. ‘‘Naturalmente haverá resistências no congresso’’, pondera.

O juiz também reconhece que o Estado não tem aparato policial e de fiscais do Ministério do Trabalho suficiente para dar conta de todos os casos de escravidão, sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde o trabalho escravo é mais comum e também mais difícil de ser coibido, em função das vastas regiões ermas.

O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional RN), Ricardo Wagner, acredita que a aprovação da PEC pode aumentar a disposição dos movimentos sociais do meio rural em relação a essa questão. ‘‘A possibilidade de confisco de terras para fins de reforma agrária certamente vai fazer com que organizações como o MST (Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra) se interessem mais em fiscalizar e denunciar casos de abusos’’, opina.

O advogado acredita que as pessoas submetidas ao regime de escravidão e as populações das regiões onde o problema persiste também poderão sentir-se mais à vontade para denunciar. ‘‘Quem está sendo submetido a esse regime pode não ter a dimensão da irregularidade do ponto de vista legal, mas sabe que é errado. Os proprietários que mantêm os trabalhadores dessa forma também sabem’’, opina.

O presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 21ªRegião, Décio Teixeira de Carvalho, esclarece que estarão sujeitos à desapropriação somente os proprietários que foram condenados em última instância por manter trabalho escravo. ‘‘É claro que todos terão direito à defesa e a recursos e os processos poderão ser demorados. Mas a simples existência da nova legislação é um instrumento importante contra esse tipo de abuso’’, reforça. O magistrado lembra que a PEC também prevê o confisco de terras de quem for condenado por plantar entorpecentes em sua propriedade.

O desembargador João Batista Rebouças classifica de ‘‘louvável’’ a iniciativa de cobrar celeridade na aprovação da PEC. Ele lembra que os abusos na relações de trabalho no campo são seculares no Brasil e que o problema de cerceamento da liberdade persiste mesmo 120 anos após a promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravatura oficialmente, ‘‘É uma questão cultural que precisa ser mudada. Mas acho que a maior possibilidade de punição vai trazer uma mudança de atitude’’, comenta.

Segundo um relatório da Comissão Pastoral da Terra, 31.726 pessoas foram retiradas do trabalho escravo no Brasil, entre 1995 e agosto de 2008. Somente neste ano foram 204 denúncias, que culminaram na libertação de 3.402 pessoas. O relatório diz que 207 empresas brasileiras estão na ‘‘lista-suja’’ do trabalho escravo e que o problema vem crescendo.

GABRIEL TRIGUEIRO
16/10/2008

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