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Empresária se recusa a pagar trabalhadores escravizados

Propriedade flagrada com 5 pessoas submetidas à escravidão pertence a Coracy Machado Kern. Dona de milhares de cabeças de gado e de um hotel três estrelas em Natal (RN), ela se nega a assumir suas responsabilidades

O martírio das cinco pessoas submetidas a condições análogas à escravidão na Fazenda São Judas Tadeu, em São Félix do Xingu (PA), não se encerrou com a libertação promovida no final de outubro pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Elas ainda não receberam os devidos direitos trabalhistas nem indenizações por dano moral. Só conseguiram voltar às suas cidades de origem com seus poucos pertences graças a um fundo de suprimento mantido pelos próprios fiscais para casos de emergência e terão direito ao seguro-desemprego para o trabalhador resgatado.

A propriedade fiscalizada de cinco mil hectares pertence a Coracy Machado Kern, que se recusou a assumir as responsabilidades referentes ao flagrante de exploração dos trabalhadores. Ela também é dona não só da Fazenda Vida Nova, em Ourilândia de Norte (PA), como também do Hotel Natal Dunnas, estabelecimento turístico classificado com três estrelas na Praia de Ponta Negra, em Natal (RN). Só nas duas propriedades rurais no Pará, Coracy mantém aproximadamente sete mil cabeças de gado.

De acordo com a equipe de fiscalização, a proprietária alega (por meio de sua advogada) que não mantinha relações empregatícias com os cinco libertados. Na tentativa de se afastar do problema, Coracy argumenta que a fiscalização deve cobrar a situação encontrada de um dos empregados escravizados – ele próprio em situação de miséria e portador de uma dívida de R$ 10 mil para com a proprietária. Para o procurador Roberto Gomes de Souza, representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) no grupo móvel que fez as inspeções, os fatos contradizem a versão da fazendeira, pois a existência de vínculo empregatício era evidente.

Além disso, equipamentos de proteção individual (EPIs), ferramentas de trabalho, materiais de limpeza e outros artigos de uso pessoal eram "vendidos" por um gerente de Coaracy e descontados dos trabalhadores, que não recebiam salários regularmente. "Houve caracterização de coação moral por dívida", conta Klinger Moreira, auditor fiscal e coordenador da operação.

Um dos vaqueiros da fazenda, que vivia com três crianças numa barraca de lona, não tinha nem conta bancária. O dinheiro ficava "guardado" com Coracy que, de acordo com Klinger, atuava "como uma instituição bancária", fazendo o controle dos débitos da conta do funcionário. "Estava tudo no poder dela", complementa o auditor fiscal. A Repórter Brasil tentou entrar em contato com Coracy, mas recebeu a informação de que ela está "em viagem pelo interior" e não comparece ao hotel em Natal há pelo menos duas semanas.

A água e o barraco "não prestavam", detalha um dos libertados. Era comum ter coceiras depois de tomar banho. Numa das ocasiões, a roda por onde passava a água vinda do açude parou, entalada pelos restos de uma capivara morta. "Tudo o que tínhamos lá era comprado da cantina", adiciona. Houve um período em que os empregados tiveram que sair pedindo arroz e feijão em outras fazendas porque a venda da São Judas Tadeu estava trancada.

O quadro encontrado foi descrito como "gravíssimo" pelo auditor fiscal Klinger. A água do dique que refrescava os banhos dos bovinos era a única disponível para consumo e utilização das pessoas. Não havia instalações sanitárias e as necessidades fisiológicas eram feitas no mato. A alimentação precária incluía até carne estragada; trabalhadores disseram que houve até casos de doença (não socorridas) em conseqüência da comida ruim. Nos barracos de madeira em chão de terra batida, morcegos e ratos eram comuns. O grupo móvel lavrou ao todo 48 autos de infração na propriedade.

A proprietária pagou apenas a hospedagem dos libertados em Água Azul do Norte (PA). As contas da acomodação em Xinguara (PA) e do serviço de transporte da mudança das famílias (que custou R$ 1 mil) foram pagas com recursos do mesmo fundo de contingência dos fiscais. Houve negociação entre Coracy e o MPT para o pagamento dos trabalhadores, mas a empresária não aceitou compensar o acerto de cerca de R$ 100 mil.

Pouco antes da chegada dos fiscais, um outro grupo de 14 trabalhadores deixara a Fazenda São Judas. Eles vinham da região de Esperantinópolis (MA) e voltaram para casa apenas com R$ 200 da condução, com menos de um mês nas frentes de trabalho. O trabalhador entrevistado pela Repórter Brasil relata que, no momento da dispensa, Coracy deixou o grupo passando fome "sem merenda" e chegou a servir leite aos porcos da fazenda. As "dívidas" dos que desistiram da empreitada foram transferidas para o trabalhador acusado pela dona como "empregador culpado", portador de uma dívida total de R$ 10 mil para com ela mesma. "Ele não era necessariamente um ´gato´ (aliciador de mão-de-obra). Acabou trazendo essas pessoas do Maranhão, mas era mais um escravizado", avalia Klinger.

Além dos maranhenses, trabalhadores de São Geraldo do Araguaia (PA) também foram explorados na Fazenda São Judas Tadeu, que fica a 18 km da rodovia mais próxima e a cerca de 170 km do povoado de Tucumã. Alguns dos que conseguiram deixar a propriedade fizeram denúncias em junho e setembro deste ano, expondo as condições desumanas experimentadas no local. Segundo essas denúncias, pelo menos 22 pessoas chegaram a ser mantidas na área em condições análogas à de escravo.

Os trabalhadores ainda aguardam decisão da Justiça do Trabalho para receber os seus direitos. Logo após a fiscalização, o MPT solicitou o bloqueio das contas bancárias de Coracy para viabilizar a quitação. Como forma de impedir o bloqueio, a proprietária entrou com uma petição na Justiça oferecendo uma caminhonete como forma de garantir o pagamento. O pedido dela foi negado pelo juiz. Diante da postura evasiva de Coracy, o procurador Roberto Gomes de Souza, do Ministério Público do Trabalho (MPT), ingressou com uma medida cautelar exigindo o pagamento dos libertados.

De acordo com a Vara do Trabalho de Xinguara (PA) – instância em que a peça foi protocolada em 5 de novembro -, porém, o pedido apresentava somas destoantes relativas à cobrança da fazendeira e empresária. O item conflitante já foi sanado pelo procurador Roberto, do Ofício de Marabá (PA), e a medida cautelar do MPT pedindo que Coracy destine R$ 100 mil aos trabalhadores  aguarda análise do juiz local. "Não havia obrigação de pagar. Negociamos bastante, mas não houve acordo. Entrei na Justiça e isso agora demora um tempo", explica Roberto, que deve protocolar também ação civil pública sobre mais este caso de crime de trabalho escravo.


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18 Comentários

  1. Ailton Pererira Lobo

    Gracas a trabalhos como esses,de pessoas honestas e copetentes que ainda destinam seu trabalho a ajudas serias ao proximo e mais fraco,e que ainda vejo que ja esperancas para a atual situacao de degredacao em que se encontra nosso querido Brasil.Forca gente,temos que mudar,temos que lutar para que esse habito de se aproveitar do proximo mais fraco e humilde se acabe.
    Parabens aos membros da equipe movel !!Tenho certeza que milhoes de brasileiros ,assim como eu,aprovam com orgulho o trabalho de voces.

  2. Francisco dos Santos Alves

    Uma vergonha para o Poder Judiciário, em pleno século 21.
    Pparabens e vida longa para esses bravos fiscais.
    E a mídia televisiva que gosta tanto de sensacionalismo, a onde anda? Estão aguardando repercução internacional para se manifestar.

  3. antonio miranda

    Enquanto não houver uma séria reforma de nosso código penal, isso continuará a se repetir.Temos um código penal antiquado, feito para não punir quem tem bons advogados, ou seja quem tem dinheiro. Alguem conhece algum rico preso neste país? Lembrando que toda a criminalidade é comandada por quem tem muito dinheiro e quem paga são os pequenos. Precisamos urgente de uma reforma ampla das leis e do judiciário para que possamos dizer um dia que vivemos em uma Nação.

  4. jorge cordeiro

    Ela tinha que perder suas terras e tomar uma pesada multa, daquelas que faz a sujeita ter que voltar pro mercado de trabalho por baixo… mas querem apostar como nada disso vai acontecer? (www.escriba.org)

  5. Azarias Esaú dos Santos

    Vai aguardar análise do juiz local? É ruim ,hein?

  6. alex ribeiro

    Escravidão deve ser punida com prisão. Deveria ser considerado crime ediondo. A questão é que quem sempre escraviza é a classe dominante, e aí, quem tem mais poder faz as regras.

  7. Manoel Bomfim

    Aqui em Natal, deveríamos levar ao conhecimento da população e dos hóspedes do Hotel Natal Dunnas e pedirmos punição para a proprietária. Um fato desse não pode ficar impune e abafado.

  8. Sandra Grilo

    Simplesmente um absurdo … um sentimento me assalta: o de impotência diante de um fato desse … e as autoridades onde estão? É preciso fazer valer os direitos humanos…. ou eles não devem ser aplicados a trabalhadoreds?????

  9. Fabiano Silva

    Aqui em Natal, ninguém sabe disso! pena que a justiça não a depene deixando com as calças na mão…

    Importante Natal Dunnas Hotel em Ponta Negra – Nata – RN, cuidado hóspedes vocês pode estar financiando o trabalho escravo!

  10. Gilberto Toledo Garcia de Almeida

    Mais uma vez fica provado que a justiça brasileira, tem suas vendas de plásticos transparente, e só enxerga o prato da balança em que estão os talentos de ouro – Como dizem: Os bons advogados são os profundos conhecedores das leis. Já os advogados geniais conhecem e são amigos de juízes – em que classe de advogados enquadra-se a defensensora dessa escravocata? Conclamo aos donos de figroríficos a não comprar gados de escravocata. E onde estão a solidariedade do povo de Natal – vamos fazer uma passeata alertando ao povo e aos turistas com faixas para não se hospedarem em hotel da malvada escravocata. Vai aqui uma perguntinha; será que neste hotel todos os empregados tem carteira assinada?

  11. Sandra

    As pessoas precisam saber disso. Vou divulgar.

  12. Lucinda Rolnic Rodrigues

    A lei do homem vive sonhando com o direito e acorda com a injustiça, porém à amplitude e a grandeza da Justiça Maior jamais dorme.

  13. henrique de oliveira

    Essa porcaria de justiça fica de brincadeira , se escravisou e ficou provado cana nessa senhora , depois a gente vê os direitos a que ela tem.

  14. Rose

    Gente, o que seria o ideal neste caso, além é claro das medidas judiciais contra esta sujeita? Divulgar o nome de seu respectivo Hotel em Natal , já que ele é três estrelas o ideal era um tremendo boicote a este estabelecimento.
    Acredito que a divulgação destes fatos fará com que a sociedade tenha consciência e comece a boicotar qualquer tipo de produto ou serviço destes criminosos.
    Ninguém divulga este tipo de noticia, infelizmente.

  15. Rose

    PESSOAL , QUE TAL DEIXARMOS UMA MENSAGEM PARA ESTA SENHORA ? VAMOS LÁ : http://www.nataldunnas.com.br.
    UM PEQUENO DETALHE, O SALÃO DE JOGOS ESTÁ EM OBRA, É PRECISO VER SE LÁ TAMBÉM TEM GENTE ESCRAVISADA COMO EM SUA FAZENDA

  16. Amarildo.

    Cassos como ese acontece aos montes no Pará, Mato Grosso, Tocantins e muitos outros estados, só que a justiça da muitas brechas pra pessoas como essa Senhora continue impune e os trabalhadores a ver navios. Dizem que existe um projeto em andamento para que as propriedade que exprore pessoas como escravos seja destinadas a reforma AGRARIA so que tem muitos pulíticos qeu tem rabo preso e e não aprovam.
    QUE REPRESENTANTES TEMOS LÁ EM CIMA !

  17. luiz

    eu só acho que a justiça é muito ingrata, deveria prender essa safada, pois ela não passa de uma bandida que gosta de explorar as pessoas menos favorecidas. deveria juntar uma equipe de pessoas e incendiar o hotel dela, pois para quem tem 7000 cabeças de gado não vai fazer falta. essa energúmina já deveria ter sido presa

  18. deolila

    Ate que enfim esta mulher chamada Coraci esta sendo punida. Ela ficou rica esplorando os pobres. Funcionaria da Embratel, montou uma loja em Brasilia onde emprestava dinheiro aos endividados que penhoravam seus telefones. As pobres criatura quase nunca conseguiam reaver o bem. Ela entao o vendia e retinha as acoes que mais tarde lhe renderam fortuna. Esta mulher ficou rica a custa do empobrecimento dos outros. A estoria dela se for investigada a fundo e uma estoria de horror. E o marido dela Carlos que foi morto misteriosamente apos ele ter tido um caso etraconjugal?