Especial – FSM 2009

Impasses globais e realidade local se fundem nas discussões

Encontro internacional de organizações da sociedade civil permite o cruzamento de negociações de escala mundial com a busca de melhorias causadas pelos "efeitos colaterais" do sistema nas periferias das grandes cidades
Por Maurício Hashizume
 29/01/2009

Belém – Uma das peculiaridades do Fórum Social Mundial está na possibilidade que o encontro proporciona de aproximar demandas locais com causas globais. Duas discussões realizadas na tarde desta quinta-feira (28) no campus da capital paraense da Universidade Federal do Pará (UFPA), ilustram bem essa vocação.

Numa delas, o debate girava em torno do mecanismo de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação de florestas (Redd), que está sendo proposto por países desenvolvidos como parte de um novo acordo sobre mudanças climáticas no âmbito Organização das Nações Unidas (ONU).

O assunto foi um dos temas centrais da 14ª Conferencia das Nações Unidas (ONU) sobre Mudança Climática (COP14/MOP4), realizada em Poznan, na Polônia, em dezembro do ano passado. E um dos principais pontos de impasse para a implementação do novo acordo climático em substituição ao Protocolo de Quioto consiste justamente na concirdância dos povos originários dos países. O Protocolo de Quioto estabelecia limites às nações no tocante ao volume de emissão de gases de efeito estufa, mas acabou não sendo cumprido, especialmente pelos Estados Unidos, país que mais polui no mundo.

Um dos pontos nevrálgicos do Redd está na ausência de diferenciação entre plantações de reslorestamento com espécies exóticas (como o eucalipto) e as florestas nativas. Organizações indígenas – inclusive do Brasil – têm condicionado a aprovação do novo mecanismo ao reconhecimento de direitos. Com uma simples troca de salas, é possível mergulhar numa realidade completamente diversa, porém conectada com a discussão do aquecimento global, que no caso brasileiro está intimamente ligado ao desmatamento.

Tema de uma outra discussão que reuniu dezenas de participantes do Fórum, o inchaço nas periferias das grandes cidades da Amazônia e a luta semelhante pelo reconhecimento dos direitos básicos nesses espaços urbanos têm a ver com o modelo de intervenção do homem no meio ambiente, que devasta a floresta e expulsa os moradores das áreas rurais. Em busca de alternativas de sustento, a população vai se concentrando nas cidades.

Organizado com vistas ao Fórum, o coletivo Resistência Guamazônica, que reúne grupos de bairros do entorno da UFPA (Guamá, Terra Firme, Cremação e Marco), apresentou a situação e os problemas que afligem os "vizinhos" do Fórum. Tereza Máximo, da localidade de Sebastião do Mearim, no Igarapé Tucunduba, ressalta que a regularização da posse das áreas permanece como uma questão a ser resolvida pelo poder público. Apenas 40 títulos a moradores foram concedidos pelo governo estadual e pela UFPA recentemente.

Segundo ela, a região carece de equipamentos culturais, esportivos e de lazer, como praças, bibliotecas e quadras. Poucas ruas são pavimentadas e a estrutura de abastecimento de água é precária. A falta de água é recorrente. E quando sai das torneiras, vem cheia de ferrugem, pois os canos são velhos. Ela conta que já houve avanços, pois aintes havia muitas palafitasm que foram aterradas. Mas mesmo assim, avalia que ainda há muito o que se melhorar.

Raimundo Oliveira nasceu no local, chegou a mudar para outro ponto de Belém, mas voltou e mora há 28 anos no Guamá. Ele conta que, na década 1960, a UFPA foi instalada na região para dar início a ocupação de uma partenova da cidade. Por isso, a avenida que conduz à UFPA e também passa pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) foi batizada de Perimetral do Conhecimento. A construção desses novos pólos incentivou a fixação de pessoas na área. "Nos anos 1970, havia aqui cerca de 25 mil habitantes. Hoje, são 125 mil.

"É a mesma população do município de Castanhal (PA), por exemplo, mas com uma área dez vezes menor", relata Raimundo. Ele afasta o estigma de bairros com alto índice de criminalidade e ressalta que os números da violência são apenas resultados do nível de exclusão dos moradores. As lideranças locais confirmam que novos moradores continuam chegando aos bairros, migrando do campo para a cidade e deixando claro a dimensão real dos desafios colocados para os que buscam "um outro mundo possível".

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