Shell e Basf devem pagar plano de saúde vitalício para expostos a contaminação

 12/01/2009

A Justiça do trabalho paulista determinou que as empresas Shell e Basf devem contratar um plano de saúde vitalício para ex-funcionários expostos a riscos de contaminação na unidade de fabricação de agrotóxicos, em Paulínia. A decisão se estende para familiares de empregados e prestadores de serviços e trabalhadores autônomos que se permaneceram no local.

A 2ª Vara do Trabalho de Paulínia concedeu tutela antecipada em favor do MPT (Ministério Público do Trabalho) de Campinas, da ACPO (Associação de Combate aos Poluentes), do Instituto "Barão de Mauá" de Defesa de Vítimas e Consumidores Contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, e da Atesq (Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas). O inquérito civil foi instaurado pela Promotoria do trabalho em 2001.

Cerca de mil ex-trabalhadores das empresas Shell e Basf se beneficiaram com a decisão, além de outras centenas de familiares, também suscetíveis à contaminação. Ficou garantida a contratação de plano de saúde vitalício por parte das empresas. O MPT também pede, ao final do processo, o pagamento do valor de R$ 620 milhões por danos morais coletivos, reversíveis ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

De todos os trabalhadores que tentam provar que foram expostos a substâncias contaminantes, ao menos cem ainda possuem ações individuais em trâmite na Justiça.

Decisão
Segundo a decisão da juíza do trabalho Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, "a prefeitura de Paulínia decretou o isolamento da área do Recanto dos Pássaros e a população antes lá residente tem o custeio de seus exames e do tratamento médico quitado pela Shell. Resta, agora, que as empresas tratem de seus trabalhadores e das crianças nascidas após a exposição de seus pais aos contaminantes, situação que requer medidas, neste momento, mais do que urgentes".

A juíza ainda destaca que a determinação já deveria ter sido feita pela Justiça há mais tempo. "É justamente essa irregularidade que se pretende corrigir com a concessão da presente antecipação de tutela que, há tempos, diga-se, já deveria ter sido deferida, mas que ficou no aguardo das tratativas de acordo entabuladas pelas partes, sem êxito, entretanto", sustenta a sentença.

A água dos poços artesianos sempre foi consumida na localidade até a empresa Shell passar a fornecê-la por meio de caminhões tanques ou tubulações. Com isso, segundo relatório do Cerest, há grandes possibilidades de que a população de trabalhadores exposta aos contaminantes ambientais apresentem um risco adicional de adoecimento no decorrer de suas vidas.

"No curso desses anos, todos nós, cidadãos, pagamos pelo tratamento que hoje é concedido tão-só pelo SUS (Sistema Único de Saúde) aos trabalhadores contaminados, com as limitações que lhe são inerentes, e que não lhe permitem a realização de exames e de tratamentos necessários à manutenção de um mínimo de bem-estar e dignidade. A conta é quitada pelos cofres públicos, por recursos de cidadãos que não usufruíram dos lucros exorbitantes gerados em favor das rés, durante décadas, inclusive com a fabricação desses produtos que já se sabia tóxicos", escreveu a juíza.

A decisão estabelece que os planos de saúde vitalícios contratados não podem ter qualquer carência, devem possuir abrangência nacional e permitir coberturas de consultas, exames, todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações.

Este direito deve ser garantido, de acordo com a juíza, em favor de todos os trabalhadores, quer tenham sido seus empregados ou empregados das empresas por elas contratadas. Estão incluídos aqueles contratados como autônomos.

Há ainda previsão de que as empresas Shell e Basf devem dar publicidade ao fato. Deve existir o anúncio na primeira página dos maiores jornais do país e nas três emissoras de TV de maior audiência, a fim de tornar pública a decisão aos beneficiários, alertando-os sobre seu direito adquirido.

A Shell e a Basf podem recorrer da decisão. No entanto, até que ela seja revertida, as rés devem cumprir a decisão, sob pena de multa diária fixada em R$ 100 mil por dia de atraso, reversível ao FAT.

Provas
A exposição das pessoas junto às substâncias contaminantes presentes no local da fábrica estudada há anos está vastamente documentada nos autos do processo. Instituições como Unicamp, MPT, Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, Ministério da Saúde, CUT, Cedec, Dieese, Unitrabalho e a empresa holandesa Haskoning/IWACO – contratada a pedido da própria Shell – deram seus pareceres quanto ao caso.

Em razão de um termo de ajustamento de conduta firmado perante a Promotoria do Trabalho em 2007, o Cerest (Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador) de Campinas examinou 69 ex-trabalhadores das empresas acusadas e enviou um relatório, juntado aos autos do inquérito, sobre os atendimentos realizados. O resultado apontou uma média de seis diagnósticos por indivíduo analisado.

Dos 17 casos de neoplasia diagnosticados, 10, ou seja, 58,8% foram de neoplasia maligna, chamando atenção os casos de cânceres de próstata e de tireóide. Houve ainda um caso de síndrome mielodisplásica. Quanto às doenças endócrinas, o Cerest verificou que 67,9% dos diagnósticos foram dislipedimias somadas às doenças da glândula tireóide.

Dos 34 casos de doenças do aparelho circulatório, 21 foram casos de doenças hipertensivas. Dentre as doenças do aparelho digestivo, destacaram-se as doenças do fígado, além da ocorrência de casos de doença diverticular do cólon e um caso de metaplasia intestinal em esôfago. Em 30 casos houve predominância de lesões por esforços repetitivos, enquanto 56 ex-trabalhadores apresentaram problemas sérios no aparelho gênito-urinário.

Histórico
No final da década de 70, a Shell instalou uma indústria química nas adjacências do bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, ao vender os seus ativos para a multinacional Cyanamid, começou a ser discutida a contaminação ambiental produzida pela empresa na localidade, até que, por exigência da empresa compradora, a Shell contratou consultoria ambiental internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis freáticos de sua planta em Paulínia, interior do Estado de São Paulo.

A Shell foi obrigada a realizar uma auto-denúncia da situação à Curadoria do Meio Ambiente d
e Paulínia. Disso, resultou um termo de ajuste de conduta. No documento, a empresa reconhece a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas – ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas.

Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras das chácaras do entorno e a passar a fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.

Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas no solo e em amostras de água subterrâneas.

A Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu integralmente as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve a exposição dos trabalhadores aos riscos de contaminação até 2002, ano em que os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego interditaram o local, de acordo com decisão tomada em audiência na sede do MPT. Apesar do recurso impetrado pela Basf, a interdição foi confirmada em decisão do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 2ª Região.

Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o risco adicional aos expostos ao desenvolvimento de diversos tipos de doença.

Serviço
Aurélio Okada, advogado de uma das co-autoras (Instituto Barão de Mauá), afirmou que segundo a decisão, os interessados para obterem o benefício deverão – no prazo único de 90 dias – encaminhar emails (habilitação eletrônica) para qualquer um dos co-autores da ação coletiva que prestarão atendimento gratuito.O endereço eletrônico do Instituto Barão de Mauá é [email protected].

Okada informa que os interessados deverão indicar no assunto do email "HABILITAÇÃO SHELL/BASF" e mencionar na correspondência eletrônica as seguintes informações: (1) nome; (2) período laborado; (3)  empresa contratante; (4) CPF; (5) RG; (6) data de nascimento; (7) nome dos pais. Também deverão encaminhado cópia da CTPS ou contrato e do RG. Aqueles que não puderem mandar os arquivos em formato PDF, poderão encaminhar pelo fone-fax 011 2091-3898.

12/01/2009

 

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