Pernambuco

Mais de 250 trabalhadores são resgatados de usina de cana

Entre os 252 cortadores encontrados pelo grupo móvel, havia 27 adolescentes. Eles não tinham carteira assinada, não recebiam regularmente, viajavam em transporte irregular e ainda levavam comida e água às frentes de trabalho
Por Bianca Pyl*
 16/02/2009

A Usina Cruangi S.A, de Aliança (PE), "terceirizou" parte de sua produção de milhares de toneladas diárias de cana-de-açúcar a três intermediários, que mantinham 252 cortadores em condições degradantes. Entre os explorados, havia 27 jovens com menos de 18 anos – seis deles, por sinal, não têm sequer 16 anos de idade completos.

Os "gatos" (empreiteiros que aliciam trabalhadores) recrutaram mão-de-obra na região próxima à Usina Cruangi. Segundo integrantes do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que estiveram na área, a empresa se eximiu de providenciar as estruturas necessárias e acordou com os "empreiteiros" apenas o pagamento R$ 8,00 por cada tonelada de cana cortada. Os "gatos", que organizavam o esquema de produção, estavam "livres" para repassar o quanto quisessem aos trabalhadores.

De cada R$ 28,00 recebidos da usina (equivalente a três toneladas e meia de cana-de-açúcar cortada), os intermediários ficavam com pelo menos R$ 13,00 limpos. Os outros R$ 15,00 hipoteticamente seriam destinados aos cortadores, mas o repasse não vinha sendo feito regularmente. A remuneração acordada era semanal, mas os pagamentos estavam atrasados. Os valores pagos também são objetos de contestação, pois os fiscais não encontraram anotações relativas à produção individual. Nenhum dos 252 cortadores tinha a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CPTS) assinada.

"Dois adolescentes estavam recebendo R$ 15 por semana", confidenciou Benedito  de Lima, auditor fiscal que coordenou a ação do grupo móvel de fiscalização. Ao final do mês, os jovens somariam R$ 60,00, cerca de 13% do salário mínimo (R$ 465,00) em vigor a partir de 1º deste mês.

Até o ônibus – que não tinha permissão para transportar trabalhadores e estava em péssimas condições – foi providenciado dos aliciadores. A jornada tinha início às 4h da manhã, quando o ônibus buscava as pessoas em casa, e o corte seguia até às 17h, quando retornavam às suas residências.

Os trabalhadores iniciaram o trabalho para a usina às margens do Rio Cruangi há cerca de 20 dias. Equipamento de Proteção Individual (EPIs) não eram fornecidos e a alimentação era trazida pelos próprios empregados, assim como a água que escasseava durante o dia. Nas frentes de trabalho, não havia abrigos para proteção contra intempéries durante as refeições. "Os trabalhadores também não tinham acesso a banheiros", completa Benedito.

Em decorrência da fiscalização, a Usina Cruangi assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), proposto pelo Ministério Público Estadual (MPE) de Pernambuco – uma vez que o Ministério Público do Trabalho (MPT) não esteve representado nesta operação – juntamente com os representantes do MTE. 

Com o acordo, a usina se comprometeu a pagar meio salário mínimo por mês para que os adolescentes encontrados possam continuar frequentando a escola até a universidade. "O acordo não impede que os adolescentes maiores de 16 anos trabalhem, desde que exerçam atividade permitida pela legislação [como aprendizes] em vigor e continuem estudando", explica Benedito. O TAC também previu o pagamento de R$ 350 mil de verbas da rescisão.

Crimes ambientais
Além das irregularidades na área trabalhista, a Usina Cruangi também foi autuada e multada* por irregularidades ambientais no ano passado. Em junho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou a Operação Engenho Verde, uma das maiores ações de fiscalização no setor sucroalcooleiro nordestino. A Usina Cruangi foi uma das 24 empresas autuadas e multadas por crimes ambientais.

Entre as ilegalidades apontadas pelo Ibama que constam na ação civil pública decorrente da operação de fiscalização, estão: a falta de licenciamento ambiental, a degradação das Áreas de Preservação Permanente (APPs), ocupação das APPs pela cana, queimadas ilegais, poluição de recursos hídricos, do solo e da atmosfera relacionada ao cultivo da cana.

A Repórter Brasil entrou em contato com um representante da usina, que se comprometeu a enviar uma nota de esclarecimento por e-mail. Até o fechamento desta matéria, porém, a nota não chegou até a redação.

*A versão desta matéria publicada na última segunda-feira (16) informou erroneamente que a Usina Cruangi honrou a multa aplicadas pelo Ibama. Após rechecagem, houve uma atualização nesta quinta-feira (19): a usina de fato não pagou a multa em questão, o que não necessariamente invalida as infrações ambientais encontradas por agentes do poder público.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM