Enquanto multidões comemoravam o 1º de maio nos grandes centros urbanos, mais um grupo de oito trabalhadores era libertado de trabalho escravo no Sudeste de Pará. Desde fevereiro, eles foram encontrados nas Fazendas Santa Andréia e Serra Grande, a cerca de 5 km do centro de Paraupebas (PA). A propriedade pertence ao empresário Gabriel Augusto Camargos, dono de outros empreendimentos comerciais na região.
"A gente não recebia nada e trabalhava de domingo a domingo, sem descanso. Eu mesmo trabalhei doente, com febre e dor de cabeça. Mas não tinha jeito", lamenta Gedéias do Livramento, 23 anos, um dos libertados pelo grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo do governo federal. Em função das intensas chuvas na região, os fiscais tiveram que percorrer um percurso de 320 km para chegar até o local, normalmente acessível por um trecho de 160 km. Os veículos do grupo móvel atolaram quatro vezes.
Segundo os testemunhos dos trabalhadores, havia cerceamento da liberdade. "A gente era ameaçado o tempo todo. O capanga andava com a arma na cintura. Uma vez, um companheiro nosso foi pedir dinheiro para comprar remédio porque tinha levado uma picada de cobra e foi ameaçado de morte", conta Gedéias. Quando ele próprio ficou doente, recorreu ao irmão Joel, que também trabalhava no mesmo local, para comprar remédios.
O "gato" (responsável pela contratação da mão-de-obra), que tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada por Gabriel como "vigia", chegou inclusive a ser preso pela Polícia Federal (PF) por parte ilegal de arma no momento da fiscalização. Após pagamento de fiança, ele acabou sendo liberado. De acordo com o delegado responsável, será aberto um inquérito contra o "gato" pelo crime de aliciamento e também por porte ilegal de arma.
Ao chegar no local, os fiscais flagraram ainda um vaqueiro dando ordens para que os empregados deixassem o local, na tentativa de dificultar a ação dos fiscais. Os barracos que serviam de alojamentos chegaram a ser parcialmente danificados pelo fogo ateado de propósito. "Nós desconfiamos que havia mais empregados trabalhando, principalmente por causa do tamanho da fazenda", declara Guilherme Moreira, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que coordenou a ação. De acordo com um dos vaqueiros, as duas fazendas abrigam cerca de 3 mil cabeças de gado.
Uma das vítimas de trabalho escravo não foi encontrada pelo grupo móvel. "Ouvimos relatos que este empregado mora próximo ao local e não procurou a fiscalização por medo de se prejudicar futuramente na hora de buscar emprego", explica o auditor fiscal Guilherme Moreira.
Os alojamentos eram barracos de lona. A água consumida vinha de um igarapé. No local não havia instalações sanitárias. Os empregados também não tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). "Nosso barraco não tinha nada. A comida era só caldo de feijão com arroz ou farinha. A gente bebia a água do igarapé, mas ela deixava a gente muito doente", lembra Gedéias.
Além dos libertados, a fazenda tinha 26 trabalhadores com registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS). Contudo, dois fatos chamaram a atenção da equipe de fiscais: apenas quatro estavam no local na hora da fiscalização e os registros eram com funções que não condiziam com o trabalho exercido pelos empregados. Um deles, por exemplo, estava registrado como zelador de prédio. Além disso, vaqueiros registrados apenas com o salário mínimo admitiram ter recebido pagamentos ilegais "por fora".
Nos dias seguintes, os agentes públicos continuaram a fiscalizar o local e encontraram agrotóxicos armazenados de forma incorreta. O produto estava vazando e havia risco de contaminação. O galpão ficava ao lado de duas casas onde viviam uma família e outros dois empregados.
Aliciamento e indenizações
Os trabalhadores maranhenses foram aliciados no final de fevereiro nos municípios de Santa Inês (MA) e Santa Luzia (MA). "O gato disse que a gente ia receber direitinho, que o trabalho não era muito pesado. Nós fomos, né? Todo mundo estava desempregado", conta o libertado Gedéias.
Ele relata que tinha esperança de receber algum dinheiro no final da empreitada. Contudo, não havia uma data certa para o trabalho acabar. "Não tinha saída: era esperar para receber. O capanga dizia que quem saísse antes não ia receber nem um tostão", discorre. Gedéias e o irmão Joel voltaram para Santa Luzia e estão na casa do irmão Lorival, o mais velho dos três.
"Eu ajudei minha mãe a criá-los. Quando soube pelo que eles passaram, fiquei muito triste", relata Lorival. Gedéias explica que ele e Joel não telefonavam para a família no Maranhão porque o empregador não permitia.
Segundo o grupo móvel de fiscalização, Gabriel Augusto Camargos possui mais uma fazenda, em São Félix do Xingu (PA), além de um hipermercado, dois postos de gasolina e uma firma de terraplanagem. O empresário também disputa área em Parauapebas (PA), conforme a Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH), com militantes sem-teto.
O empregador assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se compromete a não manter mais trabalhadores de condições análogas à escravidão. "Não foi preciso mover uma ação civil pública porque o fazendeiro aceitou o acordo. Agora, se ele descumprir o TAC, pagará multa de R$ 10 mil por obrigação descumprida, além de R$ 10 mil por cada trabalhador que estiver em situação irregular", explica Florença Dumont Oliveira, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) que acompanhou a operação, que permaneceu no local até a última quinta-feira (7).
Os trabalhadores receberam as verbas referente a rescisão do contrato de trabalho (R$ 28 mil). O MPT determinou também o pagamento de R$ 8 mil por dano moral individual e R$ 80 mil por dano moral coletivo. Ao todo, foram lavrados 53 autos de infração.
A Repórter Brasil entrou em contato com o advogado representante do proprietário no caso, que ficou de enviar a posição de seu cliente por e-mail. Mas nada foi enviado até o fechamento desta matéria.
*colaborou Maurício Hashizume
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