O Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, apoiado por agentes da Polícia Federal, libertou na manhã de ontem, na cidade de São Francisco de Itabapoana, norte do Rio de Janeiro, 105 trabalhadores – 80 deles baianos – que nos últimos quatro meses foram submetidos à situação semelhante a de trabalho escravo.
Os empregadores – os irmãos Amaro Barros Fernandes e Jorge Fernandes Francisco – responderão a processo na Justiça do Trabalho e podem enfrentar processo criminal se for aberto inquérito pela Polícia Federal. Sem carteira de trabalho assinada e vivendo em condição considerada degradante pelo procurador do trabalho Jorsinei Nascimento, os homens foram contratados para cortar cana que abastecia a Usina Paineiras S/A, no município de Itapemirim, no Espírito Santo, segundo documentos encontrados pelos auditores.
Além da falta de registros dos trabalhadores, os dois são acusados de descontar dos salários despesas que legalmente cabem ao empregador, como a passagem da terra natal para o norte fluminense, os equipamentos de proteção individual e o alojamento.
Os irmãos Fernandes descontavam de cada um dos trabalhadores o equivalente a R$ 90 mensais a título de pagamento do salário desemprego. Diziam que o valor seria pago quando fossem dispensados, no término da safra. Como o seguro só é pago ao trabalhador demitido com registro, nenhum deles fará jus ao benefício.
Para evitar as constantes blitze que os auditores do trabalho têm feito em fazendas de plantações e de gado, os empresários que assumem a empreitada do corte de cana estão adotando novos critérios de trabalho, segundo os auditores federais e o procurador Nascimento. Eles já não mantêm o trabalhador em alojamentos degradantes dentro das fazendas, mas os espalham por casas alugadas, preferencialmente em municípios ou mesmo Estados diferentes do local do trabalho.
Os trabalhadores libertados ontem, por exemplo, estavam alojados em casas em péssimas condições e desenvolviam suas atividades em outras cidades. Uma delas era um bar, cujo balcão divide as duas camas ali colocadas. Os mosquiteiros sobre as camas foram entregues pelos chamados "gatos". "Eles já avisaram que vão descontar. São R$ 9", explicou Florisvaldo Suzart, de 39 anos, que veio do município de Água Fina , na Bahia, em maio passado.
Oito outros trabalhadores ocupam o antigo bar. João Pinheiro da Cruz, de 43 anos, faz parte do grupo e ontem dizia aos auditores estar satisfeito "porque quando a gente veio, sabia que era assim". Porém, ao saber que estava havendo um cadastramento para aqueles que quisessem receber os atrasados e as passagens de volta, ele correu para fila.
Os trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo foram descobertos na sexta-feira passada após uma denúncia feita por telefonema à Superintendência do Trabalho do Rio. No mesmo dia, os auditores comandados por Leandro de Andrade Carvalho e apoiados pelo procurador Jorsinei Nascimento, de Roraima, localizaram os empregados e gravaram em DVD os depoimentos de alguns deles. Com o material, obtiveram do juiz Claudio Aurélio Azevedo Freitas, da 2ª Vara do Trabalho de Campos dos Goytacazes, os mandados de busca e apreensão de documentos que foram cumpridos ontem pela manhã.
As buscas foram feitas no escritório de Amaro, na casa dele e do irmão Jorge e no minimercado que pertence a um irmão da dupla, José Barros Francisco. Segundo algumas denúncias, os trabalhadores eram obrigados a fazer suas compras superfaturadas no local.
José Barros negou as denúncias. Garantiu que não vendia fiado para os trabalhadores e disse que não há pressão para que façam as compras ali. Seus dois irmãos não foram encontrados para comentar o caso. O Estado tentou falar com eles por intermédio de seus parentes, mas não conseguiu.
À tarde, Edson, filho de Amaro, procurou auditores do trabalho alegando que nem todos os trabalhadores que estavam sendo fichados trabalhavam para seu pai. "Alguns foram aliciados por outro empresário." Os auditores cobraram a presença de Amaro para levar em conta a queixa.
As carteiras de trabalho de 34 dos trabalhadores contratados foram resgatadas pelo coordenador do grupo móvel no escritório do contador Alcidinei Vieira Tavares. Estavam ali havia um mês, depois de igual período nas mãos de Amaro. Segundo os auditores, os trabalhadores foram aliciados com a promessa de bons salários, material de trabalho gratuito e alojamento por conta do empregador. Nada disso foi cumprido.
21/07/2009
Marcelo Auler