Empréstimos deixam BNDES na berlinda

Banco de fomento libera mais de R$ 6,2 bilhões para sete negócios que enfrentam investigações e questionamentos. Entre as empresas estão frigoríficos e usinas de açúcar e álcool; BNDES afirma estudar mecanismos para prevenir ocorrências
 14/07/2009

Mais de R$ 6,2 bilhões saídos do BNDES nos últimos dois anos tiveram como destino sete negócios em que a dor de cabeça foi o maior retorno obtido pelo banco. São empresas que foram obrigadas a dar, nos últimos meses, explicações por práticas sociais, ambientais ou financeiras não condizentes com os manuais de boa gestão.

Esse dinheiro equivale a 10% do que o banco destinou à indústria no período. Corresponde ao dobro do que o setor de agricultura recebeu neste ano.

Criar instrumentos para melhorar a análise das empresas financiadas é um dos maiores desafios do banco atualmente, neste momento em que dispõe de orçamento recorde e mostra disposição para financiar fusões e aquisições.

O BNDES disse que estuda novos mecanismos para prevenir ocorrências, mas reconhece não ter como obrigar empresas que não tenham culpa comprovada pela Justiça a devolver dinheiro. E afirmou que, nos casos em que o dinheiro foi concedido após as investigações, não havia culpa comprovada.

Desde março, três frigoríficos, que levaram R$ 4,85 bilhões do banco, estiveram em evidência.

Desmatamento

Segundo o Ministério Público Federal no Pará, o Bertin, com R$ 2,5 bilhões em financiamento, era suspeito de comprar carne de pecuaristas que atuavam em área desmatada.

Na semana passada, a empresa assinou um termo de ajustamento de conduta em que se comprometeu a não comprar carne irregular e apoiar práticas contra o desmatamento.

Em 2007, o BNDES investiu R$ 1,4 bilhão no JBS-Friboi e se tornou seu sócio.
A empresa é investigada pelo Ministério Público em Rondônia por suspeita de corrupção e de fraude de embalagens.

O frigorífico Independência se habilitou a receber R$ 450 milhões em novembro. Quatro meses depois, entrou em recuperação judicial. Depois disso, o BNDES suspendeu a transferência de R$ 200 milhões que ainda estavam pendentes.

Usinas
No último ano, o BNDES deu forte apoio ao setor sucroalcooleiro: R$ 3,5 bilhões para 15 usinas. A decisão alinha-se com o discurso em prol do uso do etanol que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva ao mundo.

Alguns projetos renderam dissabores: R$ 2,1 bilhões foram destinados a quatro usinas recentemente envolvidas em suspeitas de “trabalho degradante”, segundo o Ministério Público do Trabalho e a Advocacia Geral da União.

Com usinas no Centro-Oeste e em São Paulo, as empresas Brenco, Iaco, Rio Claro Agroindustrial e Agro Energia Santa Luzia – as duas últimas, do grupo Odebrecht – foram investigadas por oferecer instalações precárias – como refeitórios e banheiros em más condições de uso – e desrespeitar a legislação trabalhista.

Todas fecharam termos de ajustamento de conduta se comprometendo a corrigir as irregularidades. Com o acordo, os processos são arquivados.

Mas a Advocacia Geral da União quer incluir a Brenco na lista de “empresas sujas” do Ministério do Trabalho. Para isso, tenta derrubar uma liminar obtida pela empresa.

Área de ambiente avalia aumentar exigências

O BNDES diz que a recém-criada área de meio ambiente estuda o aumento das exigências às empresas para concessão de financiamentos e investimentos. As primeiras áreas a serem atingidas serão as de pecuária, soja e açúcar e álcool.

O banco disse, ainda, que a cláusula social estabelece veto a discriminação e trabalho infantil e escravo nas empresas. Quando -e somente se- comprovada a situação, as empresas são obrigadas a quitar previamente os financiamentos.
Na semana passada, o presidente do banco, Luciano Coutinho, havia afirmado que vêm sendo estudadas medidas para impedir que frigoríficos financiados contribuam com a devastação da Amazônia.

Das sete empresas financiadas pelo BNDES suspeitas de práticas gerenciais irregulares, cinco conseguiram interromper os processos investigativos ou judiciais por meio de acordos com o Ministério Público.

Esses acordos, chamados de TACs, foram assinados, no setor de cana-de-açúcar, pelas empresas Brenco, Rio Claro Agroindustrial, Agro Energia Santa Luzia e Iaco.
O grupo Bertin também assinou um TAC, comprometendo-se a não comprar carne de empresas em situação irregular.

Procurado, o Bertin afirmou que, como a lista de produtores irregulares não era pública, não tinha como saber da irregularidade. “Nossas práticas na garantia da origem da carne e na rastreabilidade, criadas antes mesmo das denúncias, são reconhecidas no mercado”, disse o diretor Fernando Falco.

O grupo JBS-Friboi negou envolvimento nas irregularidades e disse que tem contribuído com as investigações.

Brenco e Iaco não comentaram as suspeitas arquivadas. A Rio Claro afirmou que a situação trabalhista já está regularizada. A Santa Luzia disse que os problemas apontados “não procedem”. Tanto a Rio Claro como a Santa Luzia, ambas do grupo Odebrecht, disseram ter assinado o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, lançado pelo governo.

Samantha Lima
14/07/2009

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