São Paulo

Escravagista utiliza escola de Mogi Guaçu como alojamento

Colhedores de tomate - entre eles dois adolescentes - não recebiam salário e não tinham como voltar para Minas Gerais. Empregador cobraria "aluguel" dos trabalhadores por alojamento precário em escola municipal desativada
Por Bianca Pyl*
 23/07/2009

Fiscais da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Mogi Guaçu (SP), acompanhados da Procuradoria Regional do Trabalho da 15º Região (PRT-15), libertaram 20 pessoas, incluindo dois adolescentes de 17 anos, de condições análogas à escravidão, na última sexta-feira (17). 

Os colhedores de tomate eram explorados na Fazenda Graminha, em Mogi Guaçu (SP), a 160 km da capital. Eles foram aliciados em fevereiro deste ano, no norte de Minas Gerais, pelo próprio empregador e arrendatário Roque Pimenta, que prometeu bons salários e condições dignas de trabalho.

Desde que iniciaram o trabalho de colheita e transporte, porém, eles não chegaram a receber salários. O empregador dava vales que poderiam ser trocados por alimentos no supermercado de um amigo. Os vales eram no valor de até R$ 800, mas quem gastasse menos, não recebia nenhum troco. Os empregados eram impedidos de deixar a fazenda porque não tinham como custear a viagem de volta a Minas Gerais, pois só recebiam vales.

Empregados dormiam em camas improvisadas 
em cima de caixotes de tomate (Fotos: PRT-15)

Os trabalhadores estavam alojados numa escola estadual desativada. A estrutura do local estava em condições precárias: a fiação elétrica estava exposta e o esgoto corria a céu aberto. Mesmo assim, o empregador avisou que cobraria um "aluguel" no final da safra, além de descontar o valor referente às passagens de Minas Gerais até o interior paulista.

O empregador forneceu um par de luvas descartáveis no início da colheita para os empregados. A legislação trabalhista determina que o empregador forneça Equipamentos de Proteção Individual (EPI) gratuitamente aos trabalhadores. No caso dos colhedores, as exigências incluem luvas não descartáveis, botas e chapéus para proteger do sol.

Agrotóxicos eram aplicados sem nenhuma proteção especial. Para piorar ainda mais o quadro, os empregados lavavam todas as roupas (inclusive as de usocomum) juntas, aumentando o risco de contaminação.

A lista de irregularidades encontradas pelos fiscais é extensa: a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos empregados não estava assinada e a jornada de trabalho se iniciava às 6 h da manhã e terminava às 22 h. Segundo informações da PRT-15, além de colher, eles tinham que carregar as caixas de tomates até o caminhão que faria a entrega.

A procuradoria informou também que Roque Pimenta mandou uma advogada para representá-lo durante a fiscalização. Por determinação dos fiscais, os trabalhadores foram alojados numa outra casa em condições de habitalidade alugada pelo empregador. As famílias também estão recebendo ajuda da Vigilância Sanitária e Assistência Social de Mogi Guaçu (SP).

O empresário Roque Pimenta assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) perante o Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de cumprir a legislação trabalhista ao garantir registro em CTPS com data retroativa, homologação, pagamento de verbas rescisórias e indenização individual para cada migrante explorado. O arrendador da terra utilizada por Pimenta para cultivar tomate, Marcelo Cesar Palermo, também compareceu na audiência e assumiu responsabilidade solidária sobre as obrigações assumidas pelo arrendatário.

Os trabalhadores receberão indenização única no valor de R$ 750 correspondente aos danos morais sofridos, a serem pagos na rescisão. No acordo, especifica-se que nenhum trabalhador receberá valor inferior a R$ 1.500, somando-se as verbas rescisórias e a indenização.

O empregador não havia comparecido à audiência com os membros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de o Ministério Público do Trabalho (MPT) para efetuar o pagamento das verbas referentes a rescisão do contrato de trabalho. O empregador será indiciado por crime de reduzir pessoas à condição análoga de escravidão, previsto no art. 149 do Código Penal.

A prefeitura fez um contrato com o empregador, em novembro do ano passado, no qual ficou acordado que Roque Pimenta poderia utilizar a casa dos fundos da escola. Em troca, ele deveria fazer a manutenção do local. A escola Fazenda Graminha foi cedida pela Secretaria Estadual da Educação para a prefeitura no ano de 2000. O contrato será cancelado e a prefeitura estuda entrar com um processo contra o empregador. O prédio foi lacrado e a secretaria fará um estudo sobre a possibilidade de reativar a escola.

*matéria atualizada na tarde de 28/07.

Notícias relacionadas:
Mão-de-obra infantil é explorada em fazenda do interior paulista
Vistoria de alojamento rural por órgão da Saúde vira lei em SP
Grupo de 21 trabalhadores do Sul é libertado de fazenda de café

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM