A responsabilidade social é uma tendência em alta nas empresas. Pelo menos 50% delas adotam no mínimo 22 de 56 práticas consideradas significativas para caracterizar o comprometimento com o desenvolvimento sustentável, que supõe equilíbrio entre aspectos econômicos, ambientais e sociais. Grande parte das iniciativas em curso está em áreas de impacto direto para a sobrevivência dos negócios ou relaciona-se a regulamentações. São ações nos campos da proteção das relações de consumo e nas relações de trabalho realizadas por 60% das companhias.
Esse diagnóstico emerge de uma pesquisa realizada em 2008 pelos institutos Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Akatu pelo Consumo Consciente que será divulgada hoje em São Paulo. Executado pelo Ibope, o levantamento tem como base uma amostra principal de 721 entrevistas com empresas dos setores industrial, de comércio e de serviços e foi complementado por estudos paralelos de segmentos como finanças, energia elétrica e farmacêutica.
A comparação com um estudo similar feito pelo Akatu em 2004 mostra que o número de práticas em vigor nas empresas brasileiras, cuja média ficava em 11, dobrou em quatro anos.
"A pesquisa mostra que há avanços reais", afirma Paulo Itacarambi, vice-presidente executivo do Ethos. Mas, para ele, alguns indicadores do levantamento apontam que a responsabilidade social "ainda não está no coração do processo decisório das empresas".
O número de companhias com comitês estabelecidos para cuidar da área é restrito (8%) e os programas estão em 65% dos casos sob responsabilidade dos departamentos de recursos humanos ou administrativo-financeiro. Como consequência dessa configuração, as empresas olham mais para os aspectos que podem ter impacto direto no negócio ou embutem potenciais riscos pela existência de regulamentações: os direitos dos consumidores e dos empregados.
Nas indústrias, por exemplo, é maior o volume de iniciativas voltadas ao ambiente, foco de diferentes normas e leis específicas do setor. "São práticas que estão relacionadas ao bolso", diz Itacarambi.
A proteção das relações de consumo (referem-se à venda de produtos e serviços), com 51%, e o direito nas relações de trabalho, com 44%, encabeçam a lista de prioridades identificadas na pesquisa. Elas são seguidas por meio ambiente (36%), ética e transparência (29%), governança corporativa (29%) e relacionamento com os públicos (28%).
A limitada atenção dada pelo mundo dos negócios ao diálogo com as partes interessadas – consumidores, funcionários, fornecedores, investidores, acionistas, sociedade civil, governos, por exemplo – representa, segundo Hélio Mattar, diretor-presidente do Akatu, o dado mais preocupante. O investimento na comunicação transparente, diz, é estratégico para construir a credibilidade das companhias, que anda abalada.
Em pesquisa feita há cerca de um ano e meio, o Akatu constatou grande desconfiança em relação às empresas – 51% dos consumidores não acham que existe honestidade e veracidade nas informações delas sobre responsabilidade social. Isso apesar de 78% terem interesse na questão e 30% buscarem mais dados relacionados ao tema.
A resposta do consumidor aos discursos empresariais, que considera vazios, parece ter sido um "deixa pra lá". De 2000 a 2008 o número de pessoas que levavam em consideração as ações socioambientais das empresas nas decisões de compra teve uma queda significativa. O total dos que puniam as companhias, deixando de comprar seus produtos e serviços, passou de 35% para 14%. E o grupo que recompensava a companhia com sua fidelidade caiu de 28% para 17%, relata Mattar.
Embora aponte para uma capilaridade do conceito de responsabilidade social, que está presente inclusive em empresas de menor porte, a pesquisa indica que o envolvimento efetivo concentra-se em companhias de grande porte, tanto pela adesão a um maior número de práticas quanto pela utilização de estratégias como comitês e departamentos voltados especificamente ao tema. São elas também que utilizam ferramentas de apoio como a ISO 14000, de normas ambientais, ou diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outras.
O comprometimento das grandes companhias sinaliza que "existe um vetor" que pode puxar o movimento da responsabilidade social para um conjunto mais amplo de negócios, avalia Itacarambi. Um processo semelhante que ocorreu com a questão da qualidade na década de 90.
Mas as grandes empresas têm seus limites. Número um no varejo mundial, o Wal-Mart deslanchou em 2005 um programa ambicioso de sustentabilidade, com metas como zerar a destinação de resíduos a aterros e, no futuro, abastecer todas as suas lojas com energia 100% renovável. O projeto caminha com sucesso tanto em sua rede como nas ações levadas à cadeia de fornecedores, segundo a vice-presidente de sustentabilidade do Wal-Mart Brasil, Daniela de Fiori.
No último mês, porém, a rede tem tentado equacionar soluções para garantir que a carne de suas gôndolas não seja proveniente de áreas de desmatamento da Amazônia. Apesar de uma ação conjunta com os grupos Pão de Açúcar e Carrefour, obstáculos como a falta de sistemas efetivos de rastreamento têm dificultado o processo e mostrado que poder de pressão empresarial não resolve tudo.
A carne, segundo Daniela, "é um problema estrutural que não se consegue resolver apenas pelo lado da empresa-cliente". A questão, diz, requer mobilização do governo e da sociedade civil.
"O mercado e a sociedade são pouco exigentes no Brasil", nota Itacarambi. E a pesquisa sinaliza claramente que quando há regulamentação o nível de práticas é maior. Para ele, novas regras podem estimular as empresas a realmente encampar a ideia da gestão para a sustentabilidade. "Ainda estamos por fazer as mudanças efetivas que produzem resultados para toda a sociedade", diz.
Célia Rosemblum
29/07/2009